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Eros Grau vota pela nulidade de títulos concedidos aos invasores da terra dos Pataxó Hã Hã Hãe

Cimi - www.cimi.org.br
26 de Set de 2008

Após 26 anos de espera, iniciou ontem (24 de setembro) no Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ação que pede a nulidade dos títulos de propriedade concedidos a ocupantes da terra indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, do povo Pataxó Hã Hã Hãe, no sul da Bahia. O ministro relator do processo, Eros Grau, reconheceu o direito dos indígenas à terra e considerou os títulos nulos. Após o voto, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vistas do processo, adiando a conclusão do julgamento.

Cerca de 200 indígenas vieram a Brasília acompanhar o julgamento. Eles ficaram satisfeitos com o resultado parcial. "A gente estava preparado para tudo. Foi bom ter começado, por que são 26 anos de sofrimento. Agora, os mais velhos estão mais tranqüilos, vendo que podemos ter a nossa terra. Estamos confiantes, por que o primeiro voto foi muito bom", afirmou a cacique Ilza Rodrigues.

As lideranças Pataxó Hã Hã Hãe pediram à Fundação Nacional do Índio (Funai) mais policiamento na região para protegê-los de possíveis ataques. Desde os primeiros contatos com os não-índios, ainda no século XVII, os Pataxó Hã Hã Hãe sofreram muitas violências. A partir do aldeamento do povo, na década de 1920, as agressões foram constantes. Em 1937, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) delimitou a área com 54.105 hectares, mas, anos depois, nas décadas de 1940 e 1950, passou a arrendá-la. Nesse processo, indígenas foram assassinados e muitas famílias foram expulsas da terra.

Em meio a esse processo violento, os governadores da Bahia, alegando que não havia mais indígenas na terra, concederam títulos de propriedade a fazendeiros. Apesar das perseguições, várias famílias resistiram na terra e organizaram a retomada da área em 1982, ano que a Funai ingressou com a ação no STF.

Violência e resistência

Em seu voto, o ministro Eros Grau afirmou que "não há títulos de propriedade válidos no interior da reserva". Ele ponderou que nenhum dos títulos foi concedido antes de 1967, quando a Constituição já assegurava que as "terras ocupadas pelos silvícolas" eram bens da União - não podendo, portanto, serem concedidas a terceiros pelo estado da Bahia. Eros Grau destacou que, segundo os laudos e provas do processo, havia presença indígena na área em 1967. O ministro também ressaltou que a remoção de indígenas com uso de violência - o que ocorreu no caso dos Pataxó - não descaracteriza a terra indígena.

Antes de o ministro votar, o Procurador Geral da República, Antônio Fernando Souza, também recomendou que os títulos fossem considerados nulos. Souza ressaltou que o caso dos Pataxó Hã Hã Hãe não é semelhante ao processo que questiona a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol (Roraima), cujo julgamento no STF iniciou no dia 27 de agosto. O tamanho, a localização e o processo de demarcação da terra são questionados na ação sobre Raposa Serra do Sol, o que não ocorre no caso dos Pataxó Hã Hã Hãe.

Os réus da ação - o Estado da Bahia e os ocupantes da terra - foram representados, respectivamente, pelo procurador Antonio José Teles e pelo advogado Guilherme Villela, ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Eles alegaram que, em 1961, o Ministério da Agricultura e o SPI afirmaram que não havia indígenas na região "apenas alguns caboclos" com capacidade para se orientarem.

O Procurador da Funai, Antônio Salmeirão, e o Advogado Geral da União, Antônio Toffoli, representaram a autora da ação - a Funai. Salmeirão lembrou que o Estado da Bahia reconhecia a presença dos indígenas na região em disputa - tanto que demarcou a área por lei estadual - e que muitos indígenas foram expulsos violentamente da terra, onde prevaleceu o poder dos interesses econômicos. Toffoli afirmou que o caso em debate era simples: as quatro perícias realizadas comprovaram que a terra é indígena, logo, juridicamente os títulos são desconsideráveis. Também lembrou que 30% dos agricultores já saíram da terra depois de receberem indenização.

A comunidade Pataxó Hã Hã Hãe foi assistente da autora da ação, representada por seu advogado Paulo Machado Guimarães, assessor jurídico do Cimi, que acompanha o caso desde 1982. Guimarães apresentou dados da presença contínua dos Pataxó Hã Hã Hãe na área, desde o século XVII. O líder Samado Santos, que resistiu por décadas às perseguições, foi lembrado pelo advogado como herói do povo. Paulo Machado ressaltou a urgência de se reparar a grave "injustiça jurídica"que foi a distribuição dos títulos. "Os Pataxó Hã Hã Hãe existem e se desenvolvem para ser, como outros povos, orgulho de um país pluriétnico", lembrou Guimarães.

Julgamento suspenso

O entendimento do ministro Direito, no entanto, foi de que a questão não era simples. Direito também pediu vistas do processo sobre a terra Raposa Serra do Sol, depois do voto do Ministro Ayres Britto. "Entendo que as questões têm ligação; que elas partem, necessariamente, independentemente da questão dos títulos, da conceituação de terras indígenas.", afirmou Direito.

Não há data definida para a continuação do julgamento. "A gente espera que seja rápido, pois já esperamos muito por nossa terra", lembrou a cacique Ilza.

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