VOLTAR

A equação da energia limpa

Veja, Ambiente, p. 100-103
17 de Dez de 2014

A equação da energia limpa
A era do petróleo não vai acabar porque ele se esgotará - mas sim porque seu preço será mais alto do que o das fontes renováveis, com nítidos benefícios para o planeta

Raquel Beer, De Lima

Os s 195 países que passaram as duas últimas semanas discutindo na Cúpula do Clima (a COP), em Lima, no Peru, o acordo que promete cortar drasticamente as emissões globais de gás carbônico (C02) até 2050 não apostam apenas no bom-mocismo e na vontade de preservar o planeta como motores para a transformação da sociedade. Há um esforço conjunto em defender as energias limpas não mais como mera alternativa, mas como a principal forma, econômica e viável, de abastecer a humanidade em um futuro próximo. Para isso, a manobra principal dos preservacionistas é atacar o petróleo, cuja queima, principalmente pela indústria e como combustível de carros, faz o setor de energia representar dois terços das emissões de gases de efeito estufa. Disse a secretária executiva da COP, a costarriquenha Christiana Figueres:
"Os preços do petróleo oscilam muito, e essa imprevisibilidade é um dos maiores motivos para migrarmos para as energias sustentáveis". Enquanto a exploração do óleo encarece a cada dia, as tecnologias verdes estão gradualmente mais baratas e eficientes. Hoje, 80% da energia vem do uso de combustíveis fósseis. A aposta é que o aumento do custo desse recurso nas próximas décadas, somado a manobras políticas - consolidadas na COP - para tornar sua extração burocraticamente mais difícil, fará com que as opções limpas passem a representar 40% do consumo até 2030 e 90% até 2060.
A economia do petróleo e o incentivo às energias limpas têm relação direta. Se o combustível fóssil fica caro, intensifica-se sua substituição por alternativas renováveis; se está estável ou barateia, diminuem as verbas para outras fontes energéticas (veja o quadro ao lado). O custo do petróleo está em baixa nos últimos dois anos, o que fez com que empresas optassem mais pelo seu uso e dessem menos atenção a opções verdes. É esse o momento no qual vivemos.
Na semana passada, o barril do tipo Brent era negociado por cerca de 65 dólares, quase a metade do que era em 2012. "A curto prazo, pode brotar um círculo vicioso, em que diminui o uso das renováveis conforme o óleo, barato, vê sua demanda aumentar", pontuou na COP o engenheiro alemão Sven Teske, diretor da área de energias renováveis do Greenpeace. "A médio prazo, porém, é inevitável a substituição das fontes sujas. Essa é a primeira COP em que já vemos energias renováveis serem mais econômicas que algumas não renováveis", completa Teske. Nos últimos cinco anos, o custo de produção das energias solar e eólica caiu 50%, e, com subsídios do governo, elas já saem mais em conta que o gás natural ou o carvão nos Estados Unidos.
A projeção: com o aumento da oferta e da demanda - e ainda o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e baratas de captação -, o preço das fontes limpas continuará a despencar. Estima-se que o custo vá cair ao menos 35% até 2030, em todo o mundo, e 50% até 2050. Em paralelo, o preço do petróleo só aumentará, apesar do atual instante de queda. A expectativa da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) é que chegue a 130 dólares em 2035. Em entrevista a VEJA na COP, a diretora executiva da IEA, Maria van der Hoeven, destacou a necessidade de forçar, com medidas econômicas e políticas, o fim da dependência do petróleo: "Para cumprirem com suas metas de corte de emissão de gases de efeito estufa, e de quebra regularem o clima do planeta, os países terão de manobrar para controlar o preço e diminuir subsídios para a extração de combustíveis fósseis. E ainda se mostra necessário estabelecer um valor a ser pago para o que cada nação ou empresa utiliza de carbono". Como uma dívida assumida por causar poluição e contribuir para o aquecimento global.
A conclusão não é que faltará petróleo no planeta, e por isso teremos de nos adaptar. Mas que a oferta será tão pequena, e controlada, que as energias limpas acabarão por ser a única escolha viável. Valerá a célebre máxima proferida nos anos 70 pelo xeque Ahmed Zaki Yamani, ex-ministro de Energia da Arábia Saudita: "A idade da pe-dra não acabou pela falta de pedra, e a idade do petróleo acabará muito antes que o mundo fique sem petróleo". Até 2035, a humanidade terá extraído 30% do óleo que há milênios está no subsolo da Terra. Mas leis que limitam sua queima farão com que a maior parte do que restará vire ativos ociosos em menos de três décadas.
A reserva estará lá, mas ninguém poderá mexer nela para não comprometer metas sustentáveis de governos e empresas. Disse o ex-vice-presidente americano Al Gore, um dos maiores advogados das causas sustentáveis: "Investidores que ainda não perceberam esse problema estão em situação parecida com a de uma clássica cena do desenho do Papa-Léguas, em que o personagem do Coiote corre até cair em um precipício, mas suas pernas continuam a se mover por um tempo até a gravidade o puxar. Ou seja, eles estão por aí batendo pernas no meio do ar, e vão cair".
Tudo indica, porém, que os investidores não serão o coiote da história. Em setembro, o fundo Rockefeller Brothers, da família cujo patriarca criou o que foi a maior refinaria de petróleo do planeta, a Standard Oil, anunciou que se desfaria de ativos ligados a combustíveis fósseis e passaria a investir somente em alternativas sustentáveis. O mundo tem seguido essa tendência. A Universidade Stanford, na Califórnia, conhecida por formar investidores e empreendedores visionários, congelou 18,7 bilhões de dólares de um fundo que era destinado à indústria de carvão para pensar em uma tática que a aproxime mais de opções verdes. Uma das maiores produtoras de petróleo da Europa, a E.ON confirmou no fim do mês passado que vai transferir seus setores de energia nuclear e fóssil para uma nova companhia, para se dedicar às fontes renováveis. O Banco da Inglaterra já estuda até se o abandono completo de reservas de petróleo, carvão e gás pode ser financeiramente benéfico para o país.
Resumiu Christiana Figueres, da COP: "O mercado começa a perceber que é arriscadíssimo investir em combustível fóssil, enquanto as alternativas se revelam promissoras". A transformação da indústria de energia, porém, tem ainda um significado muito maior. Antes de tudo, é uma boa notícia para a Terra, que sofre nas mãos destruidoras do homem. Se deixarmos o petróleo completamente de lado, uma meta que os países participantes da COP pretendem alcançar neste século, construiremos uma sociedade sustentável - e menos vulnerável, já que não dependerá de uma fonte escassa de energia. Ao mesmo tempo, cuidaremos do planeta, que tem o ar, a água, a natureza afetados pelos excessos humanos. Um vazamento de petróleo, por exemplo, é um desastre ambiental enorme e que perdura - ainda podem ser sentidos os efeitos dos que ocorreram em 2004 e 2010 no Golfo do México e tiraram a vida de milhares de animais e poluíram o mar. E o que aconteceria se se quebrasse o maior painel solar do mundo, de 24 quilômetros quadrados, inaugurado no mês passado na Califórnia, ou se houvesse uma pane nas hélices do mais amplo sistema de energia eólica, na China? Para o planeta, o impacto seria zero.

Veja, 17/12/2014, Ambiente, p. 100-103

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.