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Entre a busca por um acordo possível e a falta de ambição

O Globo, Especial, p. 4
18 de Jun de 2012

Entre a busca por um acordo possível e a falta de ambição
Versão reduzida de documento pode evitar fracasso total da transferência, mas põe Brasil na mira de ambientalistas e especialistas por trazer pouco avanço e adiar decisões

Eliane Oliveira, Liana Melo e
Renata Malkes
economia@oglobo.com.br

A versão mais enxuta do texto do acordo da Rio+20 apresentada pelo Brasil anteontem para driblar a falta de consenso na grande maioria dos temas pode evitar que a conferência termine num fracasso absoluto, mas fez o país ser questionado por especialistas e ambientalistas por apresentar um rascunho sem ambição. Alheio às críticas, o anfitrião da conferência pretende ver encerradas amanhã as negociações, com algumas vitórias como o esperado endosso à proposta de criação de um tratado sobre proteção de áreas marinhas fora das jurisdições nacionais, tema caro ao Brasil.
- A reação inicial foi bastante positiva - declarou o negociador brasileiro da Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, comentando que o texto apresentado está mais "limpo" no sentido de contar com a anuência de todos. - O caminho está aberto para um bom acordo.
Em troca de tirar do documento a proposta de criação de um fundo de US$ 30 bilhões anuais para o desenvolvimento sustentável, o Brasil reafirmou, no documento, os Princípios do Rio, que incluem as "propostas comuns, mas diferenciadas". A definição de fontes de financiamento foi jogada mais para a frente, em 2014. Com isso, o Brasil atendeu aos interesses dos europeus - que eram contrários ao fundo - e do G-77 (grupo dos países menos desenvolvidos) - que não queria que as propostas comuns, mas diferenciadas, fossem abandonadas.
Com o texto de 31 páginas a menos e sem colchetes - símbolo diplomático para pontos em aberto -, Figueiredo garante que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) não sairá da Rio+20 como entrou, o que significa derrota tanto dos europeus como das nações africanas: - O Pnuma vai sair fortalecido, mas não virar uma agência, porque não havia consenso sobre essa proposta.
Texto faz país ser eleito "Fóssil do Dia" por ONGs Para encerrar até amanhã as negociações, os diplomatas brasileiros contam com as conversas da presidente Dilma Rousseff na reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), que acontece no México.
A avaliação positiva de Figueiredo, no entanto, está longe de ser consensual. O comissário da União Europeia para o Meio Ambiente, Janez Potocnik, não poupou críticas ao documento: - Apesar de algumas coisas boas, o texto não tem a ambição necessária, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e à economia verde.
Gostaríamos de ver definidos objetivos e metas, assim como prazos concretos.
O texto apresentado pelo Brasil virou alvo de chacota de militantes da causa ambiental e acabou ganhando ontem o prêmio "Fóssil do Dia", concedido pela Climate Action (CAN), uma rede internacional que congrega mais de 700 organizações não governamentais que lutam pela sustentabilidade. Segundo nota divulgada pela CAN, "parece que o Brasil está perdendo a chance de ser uma força frente às ambições crescentes, à esperança e à confiança que o mundo depositou em seus ombros".
- O governo optou pelo caminho mais seguro de resultado imediato das negociações - criticou Aron Berlinky, negociador da Rio+20 em nome da sociedade civil. - Com o rascunho, o governo reduziu o risco de fracasso da Rio+20, mas fez isso a custo de um denominador comum muito baixo.
Entre a sombra de avanços e retrocessos, no entanto, o importante em negociações internacionais desse porte é sair da inércia, avalia o embaixador Marcos de Azambuja, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri): - Aplicar uma política ambiental é um processo de longo prazo. O compromisso do Brasil é que a conferência não seja um fracasso. O rascunho talvez fique aquém das expectativas mais maximalistas, mas é cedo para desistir.
Culpa por fracasso deve ser dividida, diz analista Já para o professor de Relações Internacionais Marcelo Coutinho, da UFRJ e do Iuperj, o adiamento das decisões mais importantes para 2014 pode, sim, atrapalhar as ambições diplomáticas brasileiras.
- É uma oportunidade perdida de exibir liderança. Não só por ser o anfitrião, mas porque temos enormes reservas e benefícios naturais - avalia.
Ele ressalva que não é justo culpar só o Brasil pelo fracasso da cúpula. A responsabilidade deve ser compartilhada por toda a comunidade internacional.
- Todo o mundo questiona o Brasil por seu tamanho e importância, mas tampouco se sabe o que o mundo quer do Brasil. Por exemplo, querem que o país quintuplique sua produção de alimentos para atender à demanda mundial, mas sem afetar florestas e causar mais poluição.
Como? Não se sabe.

O Globo, 18/06/2012, Especial, p. 4

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