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Entidades criticam assentamentos 'privados'

OESP, Nacional, p. A7
17 de Nov de 2003

Entidades criticam assentamentos 'privados'
Para Federação, empresários terão mão-de-obra barata e sem assinar carteira

Ângela Lacerda

O projeto de assentamento de agricultores que começa a ser implantado neste mês pelo consórcio empresarial Enguia, no Piauí e no Ceará, está provocando polêmicas. A Federação dos Trabalhadores Rurais no Piauí criticou a decisão do governador petista Wellington Dias, que decidiu doar 36 mil hectares de terra para o projeto, já conhecido como reforma agrária privada.
Segundo Anfrísio de Moura Neto, dirigente da entidade, o governador não deveria doar terras para um grupo empresarial cujo objetivo não seria beneficiar os pequenos agricultores. De acordo com o dirigente sindical, o consórcio será o grande beneficiado, tendo mão-de-obra sem carteira assinada e sem precisar pagar direitos trabalhistas e previdenciários aos pequenos agricultores, além de contar com isenção de impostos.
Mamona - O consórcio empresarial pretende adquirir 200 mil hectares de terra nos dois Estados até 2006 e assentar 12 mil famílias, que se dedicarão ao cultivo de mamona, conforme matéria publicada ontem pelo Estado. A produção deverá ser comprada por empresas que transformarão a mamona em biodiesel - óleo vegetal que terá como destino as usinas termelétricas do consórcio, voltado para a produção de energia. Após 10 anos de assentamento, as famílias receberão o título de propriedade da terra.
O representante dos trabalhadores rurais do Piauí também criticou a monocultura na região do semi-árido. "Não se sabe o impacto ambiental dessa monocultura, nem se eles vão utilizar agrotóxicos", afirmou Moura Neto. "Ao final de 10 anos a terra poderá estar imprestável", completou ele.
Receio - O diretor estadual do Movimento dos Sem-Terra (MST), Adir Vicente, também criticou a cessão de terras pelo governo. "O nosso desejo era de um assentamento compartilhado entre os trabalhadores, o governo estadual e também o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)", afirmou Vicente.
Apesar das críticas, o digirente dos sem-terra não esconde sua curiosidade pelo projeto de reforma agrária privada, que, segundoe ele, "parece bonito no papel". Ele disse, ainda com receio: "Ainda precisamos saber de mais detalhes sobre o conteúdo do contrato que haverá entre a empresa e os pequenos agricultores, para saber se eles não correm o risco de serem explorados durante 10 anos para o benefício dos grandes."
O governador do Piauí não vê danos para o trabalhador rural e nem para o pequeno agricultor. Wellington Dias acredita que a empresa cumprirá a parte dela, oferecendo assistência técnica e orientação para impedir a infertilidade do solo, além de garantir uma renda mínima no início do projeto, além de assistência médica, educação, e a transferência do título de propriedade, sem ônus para quem permanecer dez anos na terra.
Agrotóxicos - O diretor-geral da Enguia, Nélson José Côrtes da Silveira, rebate o temor da monocultura, afirmando que o trabalhador poderá manter outras culturas em consórcio com a mamona.
Silveira também negou a utilização de agrotóxicos: "Há uma busca por tecnologias modernas, defensivos naturais."
O diretor-geral da Enguia também disse que o objetivo do consórcio é um modelo de projeto econômico com inclusão social, que poderá ser seguido por outros investidores. Para ele, o projeto reforça o conceito de agricultura familiar, no qual a família se sustenta da terra que possui e estimula a visão de autonomia e empreendedorismo, ajudando a quebrar uma relação de subserviência do trabalhador.
Agilidade - Ao comentar o projeto para o Estado, o especialista em economia rural José Eli da Veiga, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), disse que se trata de uma saída mais ágil, mais imediata e mais econômica que a da reforma agrária convencional conduzida pelo Incra.
Mas ele manifestou restrições em relação ao tamanho do projeto. "Talvez fosse melhor algo de porte menor", sugeriu o especialista. "A experiência mostra que os mega-projetos não dão certo", completou Veiga.
A intenção do governo é assentar pelo menos 153 mil famílias em 247 núcleos, criando no projeto cerca de 1,35 milhão de empregos até o ano de 2010 (Colaborou Roldão Arruda)

OESP, 17/11/2003, Nacional, p. A7

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