VOLTAR

Enfim, a vez do cerrado

CB, Brasil, p.7
21 de Nov de 2005

Enfim, a vez do cerrado
O segundo maior bioma brasileiro terá pela primeira vez um programa do governo federal para sua preservação. Área desvastada já chega a 55%
Hércules Barros
Da equipe do Correio
Os 2 milhões de quilômetros quadrados de vegetação de árvores baixas e tortas, com um verde castigado pela seca durante quase todo o ano, escondem a riqueza do segundo maior bioma brasileiro. O cerrado é conceituado pelos ambientalistas como o bioma número um do mundo em conservação de biodiversidade mundial. Ocupando 20% do território nacional, está com 55% de sua área devastada. O principal vilão é o avanço da exploração econômica da região.
Apesar da importância e do estado de degradação, o cerrado é um dos poucos biomas nacionais que não é considerado patrimônio nacional, status estabelecido na Constituição brasileira à Amazônia, ao Pantanal e à Mata Atlântica, por exemplo. Mais: só agora foi estabelecido um programa específico para sua conservação. Criado por decreto, na última semana, o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável do Bioma Cerrado, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), é o primeiro passo para a criação de uma política especial para esse bioma.
Para especialistas, a iniciativa chega com atraso. Existe a possibilidade de o cerrado desaparecer”, adverte o professor Gustavo Souto Maior, coordenador do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB). A previsão do especialista é com base em levantamento feito pela organização não-governamental (ONG) Conservação Internacional Brasil. O estudo Estimativas de Perda da Área do Cerrado Brasileiro, finalizado em 2004, aponta uma perda anual de 1,1% de área, cerca de 2,2 milhões de hectares.
O recém-criado programa ainda não tem linhas definidas de trabalho nem recursos. Uma das prioridades, no entanto, é a aprovação de proposta de emenda constitucional que inclui o cerrado como patrimônio nacional. O MMA admite o atraso na definição de ações para o bioma, mas considera uma expectativa equivocada achar que a solução para o cerrado seja apenas a ação do governo federal. A degradação da Amazônia, do cerrado e da Mata Atlântica não é causa. É efeito e conseqüência”, afirma o secretário de Biodiversidades e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco. No caso do cerrado, ele reconhece que o agravamento do quadro é resultado das políticas macroeconômicas e sociais. Um levantamento da Embrapa mostrou que a região está com milhares de hectares de pastagens degradadas, com baixíssima produtividade”, diz.
Capobianco defende que a solução para os problemas ambientais está no trabalho transversal de órgãos do governo, como ocorre na Amazônia. Ele acredita que assim é possível discutir, por exemplo, a expansão do plantio da soja com quem é responsável pelo tema ,e não apenas com o fiscal ambiental. A Embrapa foi quem permitiu a expansão do agronegócio no cerrado, com um trabalho fantástico de pesquisa, mas de forma setorizada. A implementação da técnica ocorreu sem estratégia de sustentabilidade”, explica.
A ocupação do cerrado pelo plantio de soja, carvão, algodão e pela pastagem tem sido um dos principais problemas apontados pelos ambientalistas que tentam manter a savana brasileira em pé. Na Chapada dos Veadeiros (GO), aumentou em cinco vezes a área plantada de soja nos últimos cinco anos”, alerta o engenheiro florestal Fernando Lima, coordenador da ONG Funatura. Ele faz parte de um grupo de trabalho criado, em 2003, pelo MMA, sobre o cerrado. Apesar dos dois anos de estudo, Lima aponta poucos avanços. Existe interesse econômicos de políticos que não querem o cerrado e a caatinga sob proteção ambiental”, afirma.

Explorar sem destruir
Preservar o cerrado não significa deixá-lo intocado. Pelo contrário. O que os pesquisadores defendem é uma exploração consciente da flora e fauna do bioma. O aproveitamento de frutos, abundantes na região, é um exemplo. Caju, araticum, cagaita, mangaba, bacupami, buriti e pequi viram matéria-prima para pratos típicos, artesanato, óleos, resinas, licores. Em Japonval, no norte de Minas Gerais, existe um centro de processamento de pequi”, afirma o coordenador de projetos da organização não-governamental Funatura, Fernando Lima.
O ambientalista destaca que é cada vez mais constatada a eficiência terapêutica dos frutos do cerrado. A fava danta, também conhecida como favela, tem um princípio ativo conhecido como rutina, que despertou o interesse do laboratórios farmacêuticos. A idéia é utilizá-la para a cura de doenças circulatórias. Já existe um centro de pesquisa de medicamento comprando a favela de pequenos produtores para exportar as substância da planta”, diz Lima.
Nos últimos 40 anos, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o cerrado perdeu 55% dos 2 milhões de quilômetros quadrados devido à exploração predatória. Em decorrência, alguns problemas antes restritos ao meio rural já atingem o meio urbano, como a raiva, a dengue e a hantavirose, doença provocada pela urina do rato silvestre, e que em 2004 provocou 16 mortes no Distrito Federal.
CB, 21/11/2005, p. 7

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.