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Enfim, o Protocolo de Kyoto

OESP, Vida e Pacto Ambiental, p.A14
13 de Fev de 2005

Enfim, o Protocolo de Kyoto
Esta semana é histórica: na quarta-feira entra em vigor o tratado internacional para tentar reverter o aquecimento global
Cristina AmorimCom The Guardian
Na quarta-feira, entra em vigor um dos tratados internacionais mais debatidos nas últimas décadas, o Protocolo de Kyoto. Primeiramente anunciado como divisor de águas na luta contra as mudanças climáticas provocadas pela ação humana, ele sofreu o desgaste de sete anos de debate, a ausência do maior poluidor do mundo - os Estados Unidos - e sua quase derrocada, evitada no ano passado pela ratificação de uma Rússia pressionada pela União Européia.
O protocolo é o primeiro tratado global sobre ambiente que tem o poder legal de estabelecer um limite diferenciado para a emissão de gases-estufa por países industrializados. É um documento político com esqueleto científico, mas os cientistas dizem que o efeito obtido pela redução total é insuficiente para estabilizar o clima.
O que Kyoto vai reduzir?
Seis gases: dióxido de carbono, proveniente da queima de combustíveis fósseis; metano, gerado na agricultura, pecuária e em aterros sanitários; óxido nitroso, decorrente de veículos; e hidrofluorocarbonos, perfluorocarbonos e hexafluoretos de enxofre, resultado de outros processos industriais.
Como surgiu?
Em 1997, em Kyoto, no Japão, foi negociado um acréscimo à Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudança do Clima para impedir a interferência perigosa da ação do homem. O protocolo só poderia entrar em vigor quando fosse ratificado (validado como lei) por pelo menos 55 nações, incluindo os países industrializados que respondiam por 55% das emissões de carbono em 1990.
Nas primeiras discussões, cada país encarava a si como um caso especial e assim nasceu a idéia de responsabilidades iguais, porém diferenciadas. A primeira diferença foi feita entre os países industrializados - que se beneficiaram por mais tempo da Revolução Industrial e poluíram mais, como nações européias, os EUA e o Japão - e aqueles em desenvolvimento.
Os países industrializados formam o Anexo I e possuem metas a serem cumpridas entre 2008 e 2012. As nações em desenvolvimento participantes do protocolo, como o Brasil, estão no Anexo II. Sua responsabilidade será discutida durante o primeiro período do acordo e implementada a partir de 2013. Algumas nações antes comunistas, chamadas "países em transição", escolheram outra data por causa do colapso econômico provocado pelo fim do regime.
Como funcionam as metas?
As medições são geralmente feitas a partir de 1990. Cada país tem de informar anualmente ao secretariado da convenção quais são as emissões e como caminha seu plano. Há anomalias, como uma meta única de 8%, em relação aos níveis de 1990, para a União Européia, pois alguns países tinham economias mais avançadas do que outros - o que não anula os objetivos de cada nação separadamente.
Quais são os instrumentos?
Além das medidas tomadas domesticamente, existem outras formas. As duas primeiras envolvem trabalhar com outros países para reduzir suas emissões. O raciocínio por trás disso é que a atmosfera não se importa em que país essas reduções se originam.
Uma das ferramentas é a adoção de um método limpo de produzir eletricidade, como energia solar, num país em desenvolvimento como alternativa a um método que gere dióxido de carbono. No caso, o país desenvolvido reivindica todo o crédito pelo carbono. Outro método é o comércio de carbono, que beneficia países em desenvolvimento e ex-comunistas.
Pode-se exigir cumprimento?
Como um tratado legal, há penalidades. Os governos que não atingirem sua meta terão de comparecer perante uma conferência das partes e prestar contas. Vistos como descuidados, podem ser excluídos dos acordos comerciais ligados ao protocolo. Outra penalidade é assumir uma meta multiplicada por 1,3 no segundo período.
Realmente vai funcionar?
A primeira grande questão é o futuro sem os EUA. Mesmo que todas as metas sejam atingidas, a redução será inferior à taxa necessária, dizem os cientistas. Mas Kyoto sempre esperou ser apenas um primeiro passo. Oferece um plano e um método para reduções posteriores.
Queimadas e desmatamento, vilões brasileiros As emissões de gases do efeito estufa no País não acompanham a tendência mundial, de queima de combustíveis fósseis
Herton Escobar
O Brasil apresenta um quadro de emissões de gases do efeito estufa totalmente diferente dos países ricos. Enquanto nas nações mais industrializadas as emissões provêm principalmente da queima de combustíveis fósseis nos motores de carros e indústrias, no Brasil o maior problema são as queimadas e o desmatamento - caracterizado oficialmente como "mudanças no uso do solo e florestas".
Os números oficiais mais recentes, incluídos no Inventário Nacional de Emissões de Gases do Efeito Estufa, são de 1994. O relatório foi apresentado no fim do ano passado, como parte dos compromissos brasileiros na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. As emissões são relatadas individualmente para cada gás: 1,03 bilhão de toneladas de CO2; 13,2 milhões de toneladas de metano (CH4) e 550 mil toneladas de óxido nitroso (N2O) - equivalentes a 3% das emissões globais de gases-estufa.
No caso do CO2, o gás mais relevante nesse processo, 75% das emissões nacionais têm origem nas mudanças de uso do solo e 25%, na queima de combustíveis. A única maneira de o País reduzir significativamente sua contribuição para o efeito estufa - caso seja obrigado a isso em algum momento -, portanto, seria pela redução do desmatamento, dizem especialistas.
As plantas são armazenadoras naturais de carbono, pois utilizam o CO2 na fotossíntese para crescer e acabam estocando grandes quantidades da molécula em seus tecidos. Quando a vegetação é cortada ou queimada, esse carbono eventualmente retorna para a atmosfera, junto com outros gases guardados no solo que ela recobria.
No centro do problema - e, eventualmente, da solução - está a Amazônia, com seus 4 milhões de quilômetros quadrados de floresta, dos quais 24 mil foram desmatados só no ano passado. "A Amazônia pode ser encarada como um grande estoque de carbono estável que, se cortado e queimado, contribuirá significativamente para o efeito estufa", diz o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). "Para se ter um idéia, o estoque retido na floresta é equivalente a dez anos de emissões globais de gases do efeito estufa."
No setor de energia, o Brasil é beneficiado pela sua matriz energética limpa, dependente principalmente de hidrelétricas, com emissões praticamente nulas.
PECUÁRIA
Com relação ao metano, 68% das emissões em 1994 foram provenientes da chamada fermentação entérica de gado bovino. Todo boi ou vaca emite CH4 naturalmente pela respiração, como um subproduto da degradação de fibras vegetais no estômago. Somadas, as 158 milhões de cabeças de gado existentes no País em 1994 emitiram 9,3 milhões de toneladas de metano. Hoje, são 195 milhões de cabeças.

OESP, 13/02/2005, p.A14

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