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Energia polêmica

O Globo, Economia, p. 26
Autor: LEITÃO, Míriam
27 de Jun de 2007

Energia polêmica

Míriam Leitão

Existem algumas razões para se pensar em terminar Angra 3, mas não é certamente a que afirmou o ministro interino de Minas e Energia: "A alternativa mais barata." Usina nuclear é sempre cara, mas o Brasil conseguiu se meter numa situação com Angra 3 em que não há saída sem custo: não fazer a usina custa dinheiro, fazê-la também.

A obra de Angra 3 começou no meio de grande controvérsia, já no fim do governo militar, quando uma CPI mostrou os vários erros do processo, dos acordos e da opção nuclear. Mesmo assim, foi feito o buraco de início da construção e alguns equipamentos foram comprados. Depois tudo foi paralisado, e o país tem tido, desde então, um custo interminável com a manutenção dos equipamentos. Aí existem dois caminhos: lançar tudo no prejuízo, ou ir em frente. O governo decidiu agora concluir a obra.

Há grandes sonhos nucleares por trás desse primeiro passo. No governo, existem defensores de se voltar ao sonho geiselista de ter dez usinas dessas. Menos de 24 horas depois de anunciada a retomada de Angra 3, a Empresa de Pesquisa Energética, no Plano Nacional de Energia para 2030, considerou a construção de outras 4 usinas nucleares de 1.000MW.

A maior das vilãs dos ambientalistas voltou a conquistar alguns verdes pela descoberta de que, em sua operação, não há emissão de CO2.

Ótimo para esta época de aquecimento global. Por outro lado, nunca foi resolvido o que fazer com o lixo que não seja a injusta idéia de deixar o problema para as próximas gerações. No Brasil, a mudança climática levanta outra dúvida: será que uma usina nuclear à beira-mar plantada é a alternativa em época de elevação do nível do mar? Os estudiosos terão que pôr mais esse detalhe nas considerações finais antes de reiniciar a obra.

Questão importante neste momento em que está sendo renegociado o acordo nuclear com a Alemanha, como mostrei aqui, é a natureza da relação entre os dois países nesta área. Pelo acordo original, ainda não alterado no rascunho do novo e nas notas técnicas, há uma excessiva dependência da Alemanha.

Ela controla detalhes-chaves que eternizam a dependência. Se isso já era ruim nos anos 70, pior agora quando a Alemanha já está implementando o plano de sair da energia nuclear: vendeu empresas de tecnologia e de equipamentos e programa o fim lento das atuais usinas. Hoje o poder foi para a França.

Defensores da energia nuclear alegam que os 1.300MW são energia firme, já que não dependem de vazão do rio, safra da cana ou temporada de ventos. Podese aceitar como verdade se a gente esquecer as inúmeras vezes em que o funcionamento das outras usinas foi interrompido pelos mais variados problemas. É fato que Angra 1 tem uma tecnologia diferente da de Angra 2 e da que terá Angra 3, se for construída, mas a experiência brasileira mostra que ela não é tão firme assim.

O Conselho Nacional de Política Energética está seguindo um diagnóstico errado feito pelo governo de que, se há algum problema com as hidrelétricas do Rio Madeira, as únicas saídas são térmicas a carvão ou nuclear. Há várias opções. Na segunda-feira, o "Valor" publicou uma reportagem mostrando que o uso do bagaço da cana pode produzir de 7 mil a 8 mil MW, o que equivale de 5 a 6 Angra 3, ou duas usinas do Rio Madeira. Segundo a reportagem, as novas usinas que estão sendo construídas já embutem em seu planejamento a caldeira de maior pressão para transformar o bagaço no terceiro negócio da usina, além do açúcar e do álcool.

Não há energia sem controvérsia, mas a nuclear, pelo poder destruidor que tem qualquer vazamento, merece ser retomada depois de uma discussão mais ampla do que a feita apenas com dez pessoas do CNPE. Pode ser uma boa opção, vai na direção da diversidade de fontes que reduzam o risco de escassez, mas é tão polêmica que exige que se ouçam os especialistas no assunto.

Tudo tem sido feito de forma pouco clara. A negociação com a Alemanha precisa de mais transparência, até porque uma das cláusulas estabelece que o acordo entre em vigor tão logo seja assinado; afinal é renegociação de acordo antigo.

O que o setor de energia do Brasil precisa é de: primeiro, acabar com as interinidades, as vacâncias na direção do ministério e das estatais; segundo, que essa ocupação não seja política e, sim, de conhecedores do tema que ajudem a pensar o longo prazo; terceiro, que se abandone de vez a estreiteza das análises e o reducionismo das opções que favorecem os lobbies e prejudicam o país.

A equação energética mudou e vai continuar mudando. Mudou tanto que pode até estar reabilitando a opção nuclear, mas é preciso não ter a afoiteza que um dia tiveram os militares naquele programa que deu com os burros n'água.

Há vários pontos desta complexa questão a serem revisitados. É preciso lembrar que, para implementar as usinas nucleares, ainda faltam recursos e meios de fiscalização adequados. Há também uma incompatibilidade regulatória: a Comissão Nacional de Energia Nuclear tem poder de gestão e, ao mesmo tempo, de regulação. São questões que têm que estar separadas. Há até uma dúvida preliminar: vai ser feita outra licitação ou vale a mesma feita há mais de duas décadas para a construção da usina? A decisão de Angra 3 foi tomada numa reunião rápida, mas implementá-la não é trivial.

O Globo, 27/06/2007, Economia, p. 26

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