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Energia no limite

O Globo, Economia, p. 41
24 de Set de 2006

Energia no limite
Especialistas e empresários dizem que país corre risco de sofrer nova crise em 2010

Ramona Ordoñez e Mônica Tavares

O sistema elétrico brasileiro está operando "na ponta do fio", sem muita folga até o ano 2010. Cinco anos depois de o país ter sofrido um racionamento de energia, a situação não está tranqüila como diz o governo. Ao contrário, especialistas e empresários advertem que se não forem adotadas medidas já, o cenário tende a se agravar e o Brasil corre o risco de sofrer nova crise energética em 2010, quando haverá eleições presidenciais. Eles alertam que existem limitações na oferta de gás natural para gerar energia nas usinas termelétricas, além de obras de hidrelétricas estarem atrasadas, sem previsão de entrada em operação.

Os quatro cenários do governo para 2010 apontam sobras de energia entre 69 MW (mais conservador) e 2.018 MW (mais otimista). Mas isso depende da importação de energia e gás da Argentina e da entrada em operação de várias usinas, entre elas sete hidrelétricas que estão com as obras paradas e sem data para conclusão. As estimativas oficiais são feitas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Sem as hidrelétricas em atraso, os especialistas traçam cenários diferentes. Nesse caso, poderia haver sobra de 1.118 MW ou até déficit de até 831 MW (cenário mais pessimista), em 2010. Pelo último relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Anel), essas sete usinas produziriam 900 MW médios de energia, suficientes para abastecer uma cidade de 3,5 milhões de habitantes.

- O governo precisa admitir que há problemas e buscar soluções como ampliar a oferta de gás natural para geração de energia, e aumentar os investimentos privados nas hidrelétricas - disse Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, dos 16 maiores grupos privados do setor.

"A Argentina dificilmente terá gás e energia para mandar ao Brasil"
Para o diretor da consultoria Gás Energy, Marco Tavares, o risco de déficit de energia reside no fato de a projeção oficial ser baseada em variáveis que podem não ocorrer. Ele destaca que o governo considera a hipótese de importar 1.600 MW de energia da Argentina. E mais: a operação a plena carga da termelétrica de Uruguaiana (RS), quase na fronteira do Brasil com a Argentina, que consome gás do país vizinho.

- A Argentina passa por uma crise de energia que deve se agravar e dificilmente terá energia e gás para mandar ao Brasil - disse Tavares.

O executivo acrescentou que, na previsão de aumento da oferta nos próximos anos, o governo considera 3.300 MW do Proinfra (programa de construção de pequenas hidrelétricas, usinas a biomassa e eólicas). Segundo ele, esse programa está atrasado.

O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, garante que não há risco de faltar energia nos próximos anos. Ele está otimista e aposta que o Brasil receberá ao menos parte dos 1.600 MW da Argentina. E acredita que os argentinos terão gás suficiente para fornecer à termelétrica de Uruguaiana.
Tolmasquim também crê que os problemas ambientais serão superados: - Todas as usinas têm nome e endereço certo. O abastecimento está garantido até 2010.

Para o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, a situação se agravou porque o governo Lula, ao assumir, parou tudo para elaborar o novo modelo do setor. Para ele, isso reduziu investimentos em novos projetos: - O próximo governo, seja qual for, precisa ser pragmático e ter humildade de reconhecer os méritos do atual modelo, e fazer mudanças no que for preciso para aprimorá-lo.
Ministério diz que abastecimento de energia elétrica está garantido
Já o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema elétrico (ONS), Hermes Jorge Chipp, diz que os estudos sobre vazão dos rios mostram que não haverá tão cedo nova seca. Ele acredita ainda que os grupos que acompanham as obras de hidrelétricas vão superar o problema das usinas que hoje não têm previsão de entrar em operação.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, diz que, no atual governo, foi instituído o planejamento estratégico, para garantir o abastecimento atual e futuro, fazendo com que as empresas se programem para comprar energia, e os geradores tenham incentivo para novos empreendimentos.

Hoje, afirma ele, o país começou a licitar usinas geradoras que entrarão em operação em 2010 e 2011.

- Tem que separar o trauma efetivo que ocorreu (com o racionamento) e a expectativa de trauma. Não quero afirmar isto para não provocar polêmica.

Como estou trabalhando com 2010 e 2011, estou fazendo os leilões pela legislação e eles são bem sucedidos.

O secretário diz que a maioria deles já obteve licenciamento ambiental prévio, um entrave às obras. O governo foca numa lista de 17 empreendimentos, 11 dos quais já foram liberados.

- O empreendedor ganhava uma usina no leilão (na gestão FH) mas tinha incerteza muito forte na área ambiental, se executaria a obra.

Zimmermann defende o atual marco regulatório por tornar o ambiente mais favorável aos investidores. Isso porque disputam empreendimentos já licenciados e com contratos de até 30 anos, que garantem fluxo financeiro. Ele diz ainda que o nível dos reservatórios está com 56% da capacidade no fim do período seco, devendo verter em 2007.

E a interligação do sistema elétrico melhorou, pois novas linhas de transmissão começaram a operar.

O Globo, 24/09/2006, Economia, p. 41

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