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ENCONTRO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS EM LUTA PELO RECONHECIMENTO ÉTNICO E TERRITORIAL

ANAÍ-Salvador-BA
08 de Mai de 2003

I - APRESENTAÇÃO

O presente Projeto visa possibilitar o encontro dos diversos povos indígenas do Brasil que ainda não são reconhecidos oficialmente pelo Estado brasileiro. Ao todo são mais de 60 povos dispersos pelo território nacional e que se encontram numa situação de total exclusão, pois até o reconhecimento étnico lhes é negado, sendo, portanto, desconsideradas suas identidades culturais. Constituem-se assim numa categoria de povos indígenas SEM TERRA. Na maioria das vezes as pessoas pertencentes a estes povos são obrigadas a trabalhar como assalariados (vaqueiro, bóia fria) na fazenda do invasor de seu território.

As mobilizações em torno do aniversário de 500 anos da chegada dos colonizadores europeus, e mais recentemente a Campanha da Fraternidade 2001, favoreceram ainda mais novos ressurgimentos de povos, pois se sentem encorajados e apoiados pela conjuntura favorável, a reivindicar o direito ao reconhecimento de suas identidades étnicas.

II - Identificação do Projeto

II.1 - OS POVOS RESSURGIDOS

Nos últimos 30 anos, vem (re) aparecendo no cenário sócio-político nacional a identidade pública de vários povos indígenas, os quais, por muito tempo, foram tidos como desconhecidos ou considerados extintos pelos registros oficiais do Estado brasileiro. Embora esse fenômeno aconteça em todo Brasil, é nas regiões Norte e Nordeste onde o (re) aparecimento de povos indígenas ocorre com maior intensidade e com particularidades muito especiais, impondo à antropologia brasileira o desafio de construir um objeto próprio com abordagem etnológica totalmente diferenciada dos estudos até aqui realizados.

Com o passar do tempo, antropólogos e também indigenistas adotaram a categoria "povos emergentes" para caracterizar e distinguir esses novos povos daqueles já conhecidos no território nacional. Embora tal designação tenha se generalizado nos meios acadêmico e indigenista, o Cimi acredita que o termo "povos ressurgidos" é ainda mais adequado, porque também reconhece o status e o espaço político que esses "novos" sujeitos históricos ocupam na atual conjuntura das lutas indigenistas, particularmente pela sua participação ativa no movimento indígena, visando a conquista no que se refere ao reconhecimento de direitos.

Foi graças à incansável luta dos povos indígenas que a Constituição Federal de 1988 reconheceu o direito dos índios de viver segundo seus usos, costumes e tradições, nos seus territórios tradicionalmente ocupados e devidamente demarcados pela União Federal. Do ponto de vista legal, foi posto um fim à perspectiva integracionista, não obstante a vigência da atual política indigenista, ainda embasada em antigas e ultrapassadas concepções.

Mas até chegar à constituição de 1988, vários mecanismos de resistência foram sendo usados e experimentados coletiva e individualmente pelos povos ressurgidos. A ocultação e até mesmo a negação de identidade étnica foram recursos que chegaram a ser usados por alguns povos indígenas como um meio de proteção, uma estratégia para continuar sobrevivendo. Talvez esta tenha sido a principal e mais eficiente arma na luta contra o etnocídio proposto por políticas integracionistas. Fingindo não ser mais índio, o indivíduo pertencente a uma determinada etnia conseguia preservar sua integridade física, pois dessa forma deixava de ser perseguido pelo poder estatal que passava a considerá-lo como "integrado" à comunhão nacional, um "aculturado".

Assim, na compreensão de repetidos governos, o perigo deixava de existir, pois no processo de expansão e consolidação do Estado-Nação brasileiro não se admitia a existência de grupos sociais com identidades culturais próprias. Nada de distinto e específico poderia haver. Todos deveriam, mesmo que forçosamente, assimilar e viver segundo uma só identidade genérica, como se numa façanha mágica, repentinamente, toda a diversidade étnico-cultural do País deixasse de existir e se transformasse numa única cultura homogeneizada e domesticada pelos valores culturais importados da Europa para o mundo colonizado.

A ocultação ou a negação da identidade étnica possibilitou que muitos povos conseguissem resistir e sobreviver no tempo e no espaço, também com a finalidade, por vezes deliberada, de evitar conflitos e confrontos com a população regional, os quais, não raramente, resultam em perseguições e violências de toda sorte. E foi assim que os povos ressurgidos passaram desapercebidos, até para os olhos mais atentos, chegando a ser considerados como extintos.

II.2 - AS REIVINDICAÇÕES DOS POVOS RESSURGIDOS

A experiência mais recente de mobilização e organização conjunta dos povos ressurgidos a fim de exigir o reconhecimento de direitos se registra no estado do Pará. Dispostos a pleitear a urgente demarcação de suas terras, 400 representantes de oito povos que habitam a região dos rios Tapajós e Arapiuns estiveram reunidos, de 30 de dezembro de 2000 a 1 de janeiro de 2001, para participar do II Encontro dos Povos Indígenas do Tapajós e Arapiuns. Organizado pelo Conselho Indígena dos Tapajós e Arapiuns (Cita) e pelo Grupo Consciência Indígena, foi objetivo do encontro também debater, entre outros temas, a condição de vida e de sobrevivência das comunidades. O evento foi marcado por momentos místicos, de estímulo à valorização cultural. As 22 comunidades participantes do encontro tiveram a oportunidade de apresentar danças e rituais, que são o símbolo da resistência, da memória, da história e da construção de Outros 500.

Desde o inicio dos anos 30, se pode contabilizar um total de 64 povos ressurgidos no Brasil, quase o mesmo número de povos indígenas exterminados no País ao longo do século XX. Vale lembrar que o Nordeste
- tido como região onde havia apenas "caboclos" - hoje conta com 41 povos indígenas, somando mais de 80 mil pessoas, o que representa a segunda região geográfica com maior população indígena no Brasil.

Para a sociedade brasileira, talvez seja difícil compreender como podem ressurgir povos esquecidos há tanto tempo pela história oficial do País. Após anos de dispersão, impedidos de vivenciar suas práticas culturais, sem realizar seus rituais e festas, sem falar suas línguas e não havendo mais uma organização social estruturada,

como esses povos conseguiram se reencontrar e se reorganizar como grupos sociais distintos na sociedade, e reivindicar o direito de serem respeitados como tais?

Para os não índios, está posto o desafio de compreender, respeitar e apoiar a decisão e a trajetória presente e futura dos povos ressurgidos. Mas isso demanda um longo processo, haja visto que, durante muitas décadas, se construiu a imagem de um índio genérico e estereotipado, identificado por suas características físicas, pela aparência externa. E até bem pouco tempo, cabia aos estudiosos, aos políticos e aos indigenistas definir e afirmar se alguém era ou não índio, a partir de conceitos teoricamente elaborados, ou mesmo com base em puro preconceito.

Hoje, os povos indígenas - sabedores de suas realidades e sem temer a repressão - se sentem encorajados e capazes de assegurar a sua própria continuidade, vislumbrar seus projetos de futuro e lutar por eles. O processo de ressurgimento se torna tanto mais compreensível quando situado nas lutas de resistência dos 500 anos de perseguições. E tal processo significa a taxativa rejeição ao projeto colonizador implantado no País e, também, se constitui como uma oposição ao modelo neoliberal mundializado e globalizado, que prefere negar identidades específicas, sejam elas locais, regionais ou nacionais.

Os povos ressurgidos têm conseguido reelaborar suas identidades historicamente negadas a partir da reconstrução ou elaboração de NOVAS UTOPIAS, gestadas pela fertilidade da MEMÓRIA DE RESISTÊNCIA. Compõem essas utopias valores culturais, religiosos, morais e políticos, dando à etnicidade uma dimensão ritual e religiosa tão importante quanto a territorial. A luta pela demarcação das terras tradicionalmente ocupadas por eles se confunde com a própria luta pela afirmação da identidade étnica, posto que a terra é o lugar sagrado, espaço vital, indispensável para a continuidade daquelas culturas. As utopias são, portanto, consideradas novas enquanto atualizadas conjunturalmente, mas se mantêm ligadas pelo fio da história de cada povo, reinterpretando mitos, traduzindo-se e reinserindo-se no atual momento histórico.

Assim, os Kambeba(Omágua), que vivem às margens dos rios Solimões e Negro, noAmazonas, puderam (re)aparecer após 60 anos de silêncio. Os Xetá, no Paraná, ocupam espaço na mídia regional depois de terem sido considerados extintos na década de 60, e os Pipipã ressurgem em Pernambuco, mais de um século após decretada sua extinção.

III - DESCRIÇÃO DO PROJETO

ENCONTRO NACIONAL DE POVOS RESSURGIDOS

Data: 15 a 20/05/2003

Local: Olinda - PE

Participantes: 65 representantes indígenas

Assessoria Antropológica e Histórica: João Pacheco de Oliveira (MN-UFRJ), José Augusto Laranjeiras Sampaio (ANAÍ), Edson Silva (CA-UFPE).

Assessoria Metodológica: CIMI (Paulo Guimarães).

Convidados:
Procuradoria Geral da República - 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Associação Nacional de Ação Indigenista - ANAÍ - Bahia e Pernambuco
Centro de Cultura Luiz Freire - CCLF - Pernambuco
Centro de Documentação Eloi Ferreira da Silva - Minas Gerais
Pastoral Indigenista - Ceará.

III.1 - OBJETIVO GERAL:

Garantir o reconhecimento oficial desses povos, por parte do governo brasileiro, assegurando-lhes o direito à demarcação de seus territórios tradicionais.

III.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Possibilitar o intercâmbio entre os povos ressurgidos do país, favorecendo assim o conhecimento mútuo.

Socializar as informações sobre as dificuldades enfrentadas por cada povo.

Trocar experiências sobre as diferentes formas de luta.

Identificar os Desafios Comuns e estabelecer uma pauta de reivindicações, em nível nacional, para favorecer ações articuladas.

Elaborar um documento com propostas de encaminhamentos a ser entregue em audiências com o Ministro da Justiça e o Presidente da FUNAI

III.3 - BENEFICIÁRIOS DO PROJETO

Para favorecer uma maior participação de todos, limitando o número de pessoas, foi estabelecido um critério de participação. Assim sendo apenas os povos que ressurgiram a partir dos anos 90 se farão representar.

Povos:

01 Arapium - PA
02 Apolima - AC
03 Caixana - AM
04 Kuazá - RO
05 Kalankó - AL
06 Karuazu - AL
07 Koiupanká - AL
08 Kumaruara - PA
09 Maytapu - PA
10 Náua - AC
11 Tembé - PA
12 Tupinambá do Tapajós - PA
13 Tupinambá de Olivença - BA
14 Kamba - MS
15 Kinikinau - MS
16 Tapuia - GO
17 Tupinambá do Jequitionha - BA
18 Krahô-Canela - TO
19 Kaxixó - MG
20 Aranã - MG
21 Xetá - PR
22 Tumbalalá - BA
23Jenipapo-Kanindé - CE
24 Kalabaça - CE
25 Kantaruré - BA
26 Pitaguary - CE
27 Pipipã - PE
28 Potiguara de Crateús - CE
29 Kariri - CE
30 Tapajó - PA
31 Catokinn - AL
32 Arara do Maia - PA
33 Tembé de Santa Maria - PA
34 Arapiranga - PA
35 Tupari - PA
36 Cara Preta - PA
37 Munduruku - PA
38 Piharoi - RO
39 Purubora - RO
40 Miquilens - RO
41 Cujubin - RO
42 Xikitano - MT

Organizações Indígenas

ANTAPAMA (Região Norte) 02
APOINME (Região Nordeste) 02
C.G.I. (Pará) 01
Comissão Pós-Conferência 02

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