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Empresas e empresas

O Globo, Economia Verde, p. 26
Autor: VIEIRA, Agostinho
07 de Ago de 2014

Empresas e empresas

Agostinho Vieira

Nos últimos dias, três entidades que representam o setor privado nacional divulgaram propostas para o país e se reuniram com os principais candidatos à presidência da República. O objetivo é fazer com que eles se comprometam com essas ideias e as transformem em metas de governo. A parte do compromisso não é exatamente difícil. Em época de eleição, postulante a cargo público assina quase qualquer coisa.

O problema vem depois, quando passam a valer itens mais complicados, como definição de orçamento, priorização de gastos, formação de maioria no Congresso e tantos outros. No entanto, mesmo que os candidatos seguissem a máxima do jogo do bicho e respeitassem o que está escrito, haveria um problema adicional. Como conciliar os diversos interesses dos empresários? Até agora existem pelo menos três agendas do setor, com pontos nem sempre convergentes.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), primeira a se reunir com os presidenciáveis, na semana passada, está mais preocupada com a reforma tributária e com a política salarial do governo. No encontro eles propuseram mudanças na forma de reajuste do salário mínimo, que, segundo eles, deveria passar a considerar a inflação e a variação do PIB de anos anteriores. Para os empresários da indústria, os impostos aumentam em 10,6% o valor de um investimento no Brasil.

Ontem foi a vez da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) receber Dilma, Aécio e Eduardo Campos. Ali, as frases já foram um pouco diferentes. Falava-se em proteção da renda contra a volatilidade de preços, gerenciamento de riscos da agropecuária e preocupação com os produtos que chegam do Mercosul. Na proposta da CNA fica claro que temas como a demarcação das terras indígenas e a criação de Unidades de Conservação continuam tirando o sono destes empresários.

Aliás, é curioso comparar o que dizem e o que escrevem essas duas entidades. Principalmente quando se fala em meio ambiente e sustentabilidade. No evento na CNI não houve sequer uma pergunta sobre o assunto. O texto oficial, contudo, fala da importância de se investir em energias renováveis e nas oportunidades que a biodiversidade pode trazer para a economia. Já a CNA teme que a regulamentação do acesso aos recursos genéticos do país se transforme em ameaça. Por outro lado, defende a utilização de métodos sustentáveis na produção agrícola.

No meio dessa história aparece o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que também divulgou um documento para os candidatos ontem. O texto, com 22 sugestões, é assinado por 24 empresas. Pesos pesados como Shell, GE, Siemens, BRF, Bayer e Unilever. Começam sugerindo a criação de um "Selo Brasil", capaz de transformar as nossas diferenças comparativas em vantagens competitivas. Como a matriz energética limpa e o uso de matérias-primas renováveis. Seguem defendendo o fim dos subsídios do governo para a gasolina e o diesel e o incentivo à produção de carros elétricos.

A presidente do CEBDS, Marina Grossi, acredita que ainda persiste no Brasil um falso dilema entre desenvolvimento e sustentabilidade. Quando, na verdade, o papel da sustentabilidade é o de dar mais qualidade ao processo de desenvolvimento. Nessa linha, os empresários que assinam o documento sugerem a criação de um bônus nas tarifas de água e de energia elétrica que seria vinculado à redução do consumo. Quem economiza mais paga menos. Parte do princípio básico de que investir em eficiência é mais barato e traz resultados mais rápidos.

De acordo com a proposta, a 7ª maior economia do mundo não pode continuar convivendo com os baixíssimos índices de saneamento que tem hoje. O Brasil ocupa a 112ª posição num ranking de 200 países. Eles sugerem uma Lei de Responsabilidade Sanitária, com a punição e a premiação dos gestores públicos e privados que não cumprirem as metas. Entre elas, a de universalizar o saneamento básico até 2020. A um custo estimado de R$ 313 bilhões.

As propostas apresentadas pelo CEBDS são, sem dúvida, as mais avançadas e mostram uma visão de mundo e de futuro que vem sendo adotada pelas nações mais desenvolvidas do planeta. Mas fica a dúvida se as 70 empresas que formam essa entidade expressam o pensamento médio dos empresários brasileiros. Tudo indica que não. A atenção maior que os candidatos deram aos eventos da CNI e da CNA ajuda a confirmar essa suspeita.

O Globo, 07/08/2014, Economia Verde, p. 26

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