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Empresas continuam inseguras

CB, Economia, p.14
13 de Dez de 2003

Parte das empresas privadas tem dúvidas sobre a tendência estatizante do federal e aguardará definição detalhada das regras do setor energético para investir
Empresas continuam inseguras
Prevalece o sentimento de insegurança em representantes do setor privado quando o assunto é o novo modelo elétrico divulgado na quinta-feira pelo governo. 0 maior temor é o de que pressões políticas sobre o Executivo prevaleçam sobre critérios técnicos.
0 advogado especialista em regulação, Pedro Dutra, alerta para o fato de que quando o governo passa a ter o poder de concessão atrai para a ministra e o presidente toda a sorte de pressões políticas em detrimento de um julgamento técnico. Na sua análise, as parcerias público-privadas (PPP) não servem para o setor de infra-estrutura, mas para pequenas obras. "Não há livre iniciativa, há empresas clientes do governo. O presidente assina duas medidas provisórias e muda as regras do jogo. Ao mesmo tempo, diz que os investidores serão respeitados. É mais que um ato falho. O mercado sabe que o núcleo dessa área no governo é estatizante", lamenta Dutra.
0 presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), Cláudio Sales, informa que o país precisa de investimentos de R$ 20 bilhões no setor por dez anos. Isso, considerando um crescimento médio de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). "0 problema é que o governo não teria mais de R$ 9 bilhões. Para 1atrair capital privado, é necessário garantir absoluta estabilidade, mas os governos são, naturalmente, suscetíveis à pressões políticas. Isso é ruim. Uma usina hidrelétrica leva mais de três anos para ser construída. Estado forte não pode ser confundido com governo forte", critica Sales.
0 analista do setor elétrico do Unibanco, Sérgio Tamashiro, reconhece que o fato de a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) perder o poder concedente não afasta, em tese, o investidor. Mas diz que o governo indicar o presidente do Operador Nacional do Sistema (ONS) é um claro sinal de que mudando o ministro, pode mudar o ONS. "0 investidor quer regras claras e esse modelo pode oferecer isso. Mas falta a informação indispensável sobre como será a rentabilidade do setor. É preciso explicar como conciliar as menores tarifas possíveis com a atração de capital privado, diz Tamashiro.
Para o presidente de Comissão de Energia tia Associação Brasileira do Alumínio (Abal) e vice-presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), Eduardo Spalding, a livre contratação e o acesso dos auto-produtores às licitações de hidrelétricas têm de ser aperfeiçoados. "É preciso cuidado com detalhes e regulamentações. Preferimos analisar as condições específicas que permitem a continuidade dos investimentos. 0 que foi divulgado ainda não é suficiente para os grandes consumidores, mas há boa vontade", pondera.
Defesa
0 secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Maurício Tolmasquim, não vê sentido nas críticas. Garante que o novo modelo não é centralizador nem estatizante. Afirma que a geração de energia será muito mais competitiva porque a comercialização será por meio de leilões. Antes, as distribuidoras podiam comprar energia de suas geradoras, podendo até mesmo optar pela mais cara, repassando esse ônus ao custo.
Tolmasquim também garante que o fato de o poder concedente ter sido absorvido pelo MME não esvazia a Aneel. Segundo o secretário, ela vai continuar com regulação, fiscalização e mediação. "Concessão é tarefa de governo. 0 planejamento estratégico de longo prazo é de quem tem legitimidade popular", defende.
0 presidente do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea), Wilson Lang disse que o novo modelo é fiel aos conceitos que já estavam sendo defendidos pela ministra Dilma Rousseff. "Colocaram ordem na casa. 0 modelo híbrido, público-privado, substituiu uma fórmula que deixava um setor estratégico ao sabor dos investidores privados. 0 governo não tem dinheiro para fazer tudo sozinho, mas há segurança para o capital privado", afirma.
Para o presidente de Furnas, José Pedro Rodrigues, o planejamento de longo prazo, como prevê o modelo, vai garantir sempre uma geração maior que a demanda e isso é fundamental para o setor produtivo organizar seus investimentos. "Nunca houve um modelo energético tão profundo e com substância', afirma.

As principais mudanças
Planejamento
O Ministério das Minas e Energia (MME) vai controlar o planejamento de longo prazo, por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que ainda será criada. Não havia essa centralização.
Concessão
As decisões de concessão de serviços de energia serão tomadas pelo MME. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) perde esse poder. O critério para definir o concessionário será o da menor tarifa possível. Antes, prevalecia o maior valor oferecido (ágio) para obter o contrato. O objetivo do governo é forçar a queda das tarifas.
Comercialização
Será criada a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para a venda de energia produzida pela geradoras. Funcionará como um "pool", mesclando a energia mais barata, já disponível, com a energia mais cara das novas usinas. Prevalece a regra do leilão, evitando que distribuidoras comprem energia de geradoras do mesmo grupo. A CCEE vai substituir o Mercado Atacadista de Energia (MAE).

Dilma descarta privatização
O governo federal não vai privatizar suas empresas elétricas. A idéia é modernizá-las. "A Eletrobrás terá seu capital aberto e vai se transformar em uma empresa capaz de atrair investidores, de ter seus papéis cotados no mercado de capital de forma bastante expressiva, como a Petrobras", afirmou ontem a ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff, em entrevista ao programa Bom Dia Brasil, da TV Globo.
"Não iremos privatizar de maneira alguma nenhuma das empresas do setor elétrico. Ao contrário, vamos modernizá-las, tornar moderna a governança para que sejam âncoras de captação no mercado internacional de capitais", justificou Dilma.
A ministra também defendeu o novo modelo do setor elétrico, definido nas Medidas Provisórias 144 e 145. Disse que ele não é centralizador e nem estatizante, mas apenas resgata funções que já eram do Estado. "Vamos retomar essa condição. 0 setor elétrico tem de ser pensado no longo prazo. Se ficar só no curto prazo, podemos ter apagões e racionamentos", afirmou.
Dilma garantiu que o novo modelo do setor elétrico será atrativo ao capital estrangeiro porque, pela primeira vez, o governo apresentará os projetos de novos investimentos reduzindo os entraves que até hoje dificultaram a construção de novas usinas. "0 governo dará aos empresários uma licença ambiental prévia e o estudo de viabilidade técnico-econômica", disse a ministra. 0 governo, segundo ela, está confiante na receptividade do novo modelo, porque considera que as palestras realizadas recentemente nos Estados Unidos e em países europeus evidenciaram o interesse dos investidores.

CB, 13/12/2003, p. 14

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