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Empresa terá de pagar R$ 1 bi por contaminação de ex-trabalhadores

OESP, Metrópole, p. E1-E3
10 de Mai de 2014

Empresa terá de pagar R$ 1 bi por contaminação de ex-trabalhadores
Análises mostram que foram enterrados no terreno 3 mil metros cúbicos de lixo tóxico; multinacional fez 'autodenúncia' há 10 anos

Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CAMPINAS - A fabricante americana de medicamentos Eli Lilly foi condenada a pagar uma indenização de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos pela contaminação de ex-trabalhadores que foram expostos a substâncias tóxicas na fábrica do grupo, em Cosmópolis, no interior de São Paulo. A empresa informou, por meio de nota, que vai recorrer da decisão.

Todos os ex-trabalhadores que passaram pela unidade durante o período de contaminação - 26 anos, segundo a ação, de 1977 a 2003 - terão direito a seguro saúde, para eles e para seus filhos nascidos posteriormente ao serviço, pelo resto da vida. Além da Eli Lilly do Brasil, foi condenada também a ABL (Antibiótico do Brasil Ltda), que atualmente opera a planta industrial de Cosmópolis.

As duas terão de custear a criação de uma fundação de pesquisa para analisar a saúde dos ex-funcionários e de seus filhos e também a contaminação ambiental provocada no solo, na água, na fauna e na flora. Cerca de R$ 150 milhões do valor da multa serão destinados a essa fundação, que deverá entrar em funcionamento em um ano.

Segundo o ex-funcionário da empresa Elias Soares Vieira, cerca de 500 a 700 pessoas trabalharam na fábrica durante o período de contaminação da planta industrial. Nessa época, a empresa manipulou no local produtos químicos usados para fazer agrotóxicos, produtos veterinários e medicamentos, enterrou ilegalmente os resíduos em valas e poços abertos no próprio terreno e omitiu a contaminação, permitindo o seu alastramento.

Análises. A Eli Lilly fez uma autodenúncia, no fim de 2004, para a Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental (Cetesb), dois anos após ter passado a fábrica para a ABL. Nela, a empresa admitia ter contaminado o solo e o lençol freático. As análises mostram que foram enterrados de forma irregular no terreno da empresa 3 mil metros cúbicos de lixo tóxico.

Perícia anexada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou no local 150 substâncias de diferentes funções - algumas com efeito carcinogênico, como alaclor, benzeno, orizalina, tebuthiuron e trifluralina. "Essas substâncias são agressivas e podem causar males irreversíveis à saúde", informa o documento.

O benzeno, segundo conclusão dos peritos, é a substância que mais ofereceu risco à saúde dos ex-trabalhadores. Em alguns poços de monitoramento, ele foi encontrado em uma concentração de 9,9 mil microgramas por litro, quando o padrão máximo de referência é de 5 microgramas por litro.

Documento da Cetesb mostra que, entre as substâncias encontradas no local, estavam fora dos padrões oficiais o tetracloreto de carbono, tolueno, benzeno, diclorometano, 1,2 diclorometano e estireno.

A condenação bilionária foi dada pela juíza da 2.ª Vara do Trabalho de Paulínia, Antonia Rita Bonardo. A magistrada acolheu em parte os pedidos do MPT, em ação movida em 2008. As empresas terão até o dia 19 para recorrer.

O promotor Guilherme Duarte sustenta que os trabalhadores da fábrica foram contaminados por exposição a metais pesados e também no descarte inadequado que era feito no local.

Os vapores inalados por eles foram fonte de contaminação e doenças graves. Na ação, o MPT diz que a contaminação e as doenças provocadas nos trabalhadores deram origem a danos coletivos ao Sistema Único de Saúde (SUS). Do valor da condenação, R$ 300 milhões são para reparo dos danos coletivos.

Interdição. Na decisão, a magistrada também proibiu a empresa ABL de usar a área onde foi comprovada a contaminação do solo e lençol freático, sob pena de multa diária de R$ 100 mil por descumprimento.

Na sentença de primeira instância, de 130 páginas, ficou definido que o dinheiro será destinado para entidades como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e também para o Hospital das Clínicas da Unicamp, Hospital Celso Pierro e Centro Boldrini, que faz tratamento de crianças com câncer, todos localizados em Campinas.

Empresa diz que área sempre foi monitorada
A Eli Lilly informa, em nota, que "sempre fez o monitoramento da área da fábrica" e, "diante da identificação do aumento na concentração de subprodutos do processo produtivo, fez a comunicação voluntária à Cetesb, juntamente com a apresentação de um estudo sobre os impactos e de um Plano de Remediação, em fase de conclusão".
De acordo com o comunicado do laboratório, "não foram identificados na área indícios de metais pesados nem pela empresa nem pelas consultorias especializadas nem pela Cetesb, órgão regulador". O que, segundo a multinacional, "torna inconsistente a alegação de que ex-funcionários teriam sido contaminados". O laboratório afirma que há "laudos atestando não haver nenhuma base científica que comprove que as substâncias encontradas causem as doenças alegadas".

Ex-empregado de laboratório condenado teve câncer e venceu ação
Exames comprovaram que metais identificados no organismo de Elias Soares Vieira também estavam no solo e no lençol freático da empresa

Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CAMPINAS - Elias Soares Vieira, de 48 anos, trabalhou por nove anos na fábrica do laboratório americano Eli Lilly, em Cosmópolis, no interior de São Paulo. Sem nunca ter manipulado produtos químicos usados no local, ele conseguiu provar na Justiça que o câncer renal que adquiriu posteriormente foi provocado pela inalação dos gases tóxicos do laboratório.
"Até hoje me lembro quando urinei sangue pela primeira vez, em 2005", afirma Vieira, que, em novembro daquele ano, foi submetido a uma cirurgia para retirada do rim direito, como parte do tratamento para conter a doença.
Funcionário da área administrativa, Vieira conta que não imaginava que poderia ter sido contaminado pelas substâncias químicas que eram usadas na produção da empresa.
Descobriu que poderia existir ligação entre os gases tóxicos e a doença quando especialistas apontaram que em seu organismo havia metais como chumbo, arsênio, titânio e alumínio. "Essas substâncias também foram identificadas no solo e no lençol freático contaminados da planta", lembra o ex-funcionário da Eli Lilly, que entrou com uma ação contra a empresa em 2007.
Em 2011, Vieira conseguiu sua primeira vitória, no Fórum de Paulínia, no interior de São Paulo. A empresa foi condenada a pagar plano de saúde e a custear o seu tratamento, mas descumpriu a determinação ao não financiar as despesas de saúde e foi executada pela Justiça.
"Essa nova decisão na ação de dano coletivo é um vitória para todos ex-funcionários que, como eu, lutam pelos seus direitos. Isso servirá para todos tantos outros casos de contaminação."

Paulínia teve caso similar
Um dos maiores casos já julgados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) envolveu um caso semelhante de contaminação de funcionários em uma fábrica de pesticidas em Paulínia, cidade da Grande Campinas, no interior paulista. A Justiça condenou as empresas Shell e Basf, em março de 2013, a pagar R$ 200 milhões em indenização coletiva a 1.068 ex-funcionários que foram expostos a substâncias tóxicas. O valor seria distribuído entre entidades de pesquisa e atendimento a trabalhadores e parte dele (R$ 50 milhões), investido na construção de um hospital maternidade em Paulínia. Além disso, as empresas foram condenadas a pagar indenizações pessoais a cada um dos trabalhadores, elevando o valor total do processo a cerca de R$ 370 milhões. O julgamento levou seis anos para ser concluído.

OESP, 10/05/2014, Metrópole, p. E1-E3

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