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Empresa mantém 'cemitério' de trens em Área de Proteção Ambiental

OESP, Metrópole, p. C1
22 de Ago de 2011

Empresa mantém 'cemitério' de trens em Área de Proteção Ambiental
Mais de 30 vagões de companhia de logística estão abandonados em mata no extremo sul de SP; donos dizem que serão retirados

Paulo Saldaña

Pelo menos 32 vagões de trens sucateados da concessionária América Latina Logística (ALL) estão abandonados ao lado da Ferrovia Mairinque-Santos e da antiga Estação Evangelista de Souza, em Engenheiro Marsilac, zona sul de São Paulo. A região é de mananciais e pertence à Área de Proteção Ambiental Municipal (APA) Capivari-Monos.
O cenário é de abandono e descaso. Os vagões totalmente deteriorados estão em um recuo da mata, na frente do prédio da antiga estação, e alguns ao longo da via. Pelas condições das composições e por relatos de funcionários, o cemitério de trens existe, em plena área verde, há pelo menos 1 ano. Há muita ferrugem nas composições e a vegetação já cobre o aço de muitos vagões.
De acordo com a empresa, esses vagões sofreram avarias e foram concentrados no local por ser considerado "estratégico" para a operação - há acesso por estrada, ao contrário da estação seguinte, no sentido Santos. A ALL, entretanto, não tem licença ambiental para usar o espaço como pátio de sucata.
Quando o Estado esteve no local, funcionários da ALL procuravam no entulho peças que pudessem ser reaproveitadas. Além dos trens retorcidos, há dezenas de eixos de rodas, parafusos, pedaços de trilhos e outros componentes de aço amontoados no chão. Havia ainda tambores com óleo escorrendo para o solo e sacos de lixo e de alimentos.
Em um dos trilhos de apoio, dez vagões que tombaram recentemente em outro ponto da via ainda não foram removidos. Danificadas, as composições ainda deixaram restos de soja, que apodreceu sobre a via.
Trilho no rio. A estação fica cerca de 3 km depois do centro de Marsilac, o último bairro a sul da capital paulista. A reportagem percorreu um trecho da linha, que chega a Santos e faz parte do corredor ferroviário de exportação, ainda em atividade. Apesar de cruzar área de proteção ambiental, dormentes de concreto e pedaços de aço que se soltaram dos trens estão jogados na beira da mata. Em um braço do Rio Capivari, atravessado por uma ponte, trilhos enferrujados foram jogados no curso da água.
A bióloga Claudia Mascagni Prudente, da ONG Capivari-Monos, condena o uso que a empresa faz da área sem licença ambiental adequada. "O trecho está na área de manancial, onde há produção de água. Há possibilidade de contaminação do solo, por causa de vazamento de materiais lubrificantes ou algum tipo de óleo", diz ela. "Ainda existe o aspecto de saúde pública, por acumular resíduos."
A estação fica no limite do Parque Estadual da Serra do Mar. A área tem espécies vegetais endêmicas e ameaçadas de extinção. Ainda abriga animais silvestres.
Moradora há 27 anos de Marsilac, Maria Lúcia Cirilo afirma que a concessionária deveria ser parceira da vizinhança. "O trem é um transporte maravilhoso, mas tem de haver respeito da empresa concessionária pela região por onde ele passa. É área de proteção, vizinha do parque, e há uma vila histórica", afirma ela, que é líder de bairro e faz parte do conselho gestor da APA.
Em nota, a ALL afirmou que os vagões serão removidos "nas próximas semanas", mas não deu uma data com precisão. A empresa afirmou que aguardava autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para retirá-los - o que só teria ocorrido na última semana. Sobre os trilhos e dormentes que estão na área, a empresa alega que a via passa por manutenção e o material é removido continuadamente.

Vila da estação está abandonada e local não tem eletricidade
A Estação Evangelista de Souza foi inaugurada em 1935 e logo surgiu uma vila no entorno. Em 1990, ainda havia 50 casas ocupadas e escola. O declínio veio mesmo em 1997, quando as viagens de passageiros acabaram.
Entre 2002 e 2007, um bar funcionou em uma sala da antiga estação. Hoje, não há energia elétrica e água encanada, mas duas casas ainda têm moradores. A estação é usada por funcionários que trabalham nos trilhos, mas não há nem banheiro. A parada tem o nome do homem conhecido como Barão de Mauá - precursor das ferrovias no País.

ALL já recebeu 10 multas por trens em área verde
A ALL já recebeu dez multas da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente por causa de trens tombados em áreas de proteção ambiental. As multas somam R$ 3,4 milhões. Segundo a secretaria, a empresa negocia um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A Prefeitura não informou se haverá multa por causa deste novo episódio.
Os problemas da ALL com trens tombados têm sido recorrentes - até na própria região sul da capital. Em 2009, carcaças foram encontradas no Córrego das Dúvidas, também no distrito de Marsilac e dentro da APA Capivari-Monos. Um ano antes, trens foram abandonados em Embu-Guaçu, na Região Metropolitana. As carcaças serviam de esconderijo para bandidos e tornaram-se foco de dengue.
Em 2007, a reportagem do Estado flagrou 27 vagões ao lado da ferrovia entre Embu-Guaçu e Evangelista de Souza. Os trens ficaram quatro meses no local com soja apodrecendo. A ALL afirmou, na época, que elaborara um plano para as remoções das 60 composições que estariam na via. Questionada, a empresa não informou o número atualizado de vagões tombados.
O pesquisador de ferrovias Ralph Giesbrecht critica as condições das vias do Estado. "A degradação é encontrada em toda a rede. Era até melhor antes da privatização."
A Secretaria do Verde afirma que monitora a área da APA com voos quinzenais e que, hoje, não há nenhum vagão em rios. Para a líder de bairro Maria Lucia Cirilo, o valor das multas deveria ser revertido para os moradores. "Esse dinheiro deveria voltar para a região afetada", diz.

OESP, 22/08/2011, Metrópole, p. C1

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