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Empresa do grupo Vale deixa índios Tembé em pé de guerra

O Liberal-Belém-PA
Autor: Frank Siqueira
11 de Out de 2003

A Pará Pigmentos S/A, empresa controlada pela Companhia vale do Rio Doce (cvrd) e instalada no município de Ipixuna do Pará, onde mantém uma mina de exploração de caulim com capacidade para produzir 600 mil toneladas anuais, vem mantendo, há cerca de dois anos, um impasse com os índios de três aldeias da etnia tembé - Turé-Mariquita, Acará-Miri e Urumateua -, todas elas situadas no município de Tomé-Açu. Segundo informações fornecidas pelas lideranças tembés (e confirmadas pela Funai em Belém), a empresa está procurando se eximir dos compromissos de apoio às comunidades indígenas que assumiu na sua fase de implantação.

De acordo com Lúcio Tembé, cacique da aldeia Turé-Mariquita, que tem participado de várias reuniões realizadas pela Funai em Belém, a direção da Pará Pigmentos e os executivos da empresa no Pará vêm dificultando ao máximo um acordo com os índios, ignorando inclusive os compromissos assumidos na fase inicial do projeto. "A vale quer cada vez mais se livrar das responsabilidades de convênios com a comunidade indígena", diz Lúcio Tembé. E acrescenta: "Ela (a vale) só quer saber de lucro. Daqui só quer tirar proveito, extraindo minérios e faturando milhões de dólares, enquanto para nós deixa somente uma bomba para o resto da vida".

A indignação dos índios tembés em relação à Pará Pigmentos vem se adensando há cerca de dois anos, quando expirou a validade do primeiro termo de compromisso firmado entre a empresa, as lideranças indígenas e a Funai. O que hoje assume as características de impasse, porém, tem origens um pouco mais antigas, remontando há pouco menos de dez anos. Naquela época, a Pará Pigmentos, para construir o mineroduto que deveria conduzir o caulim, de sua mina em Ipixuna do Pará até a planta industrial de beneficiamento e embarque do minério, em Barcarena, foi obrigada a negociar com os tembés alguns mecanismos de compensação, já que o mineroduto teria que forçosamente passar por dentro das terras indígenas.

Depois de muitas negociações, o acordo foi fechado em Brasília em novembro de 1996, através de um termo de compromisso (de número 01/96) assinado pelo então presidente da Funai, Júlio Marcos Germany Gaiger, pelo presidente da Pará Pigmentos, Guilherme Frederico Escalhão, e pelos cinco principais líderes das comunidades indígenas da região impactada pela passagem do mineroduto: Lúcio Tembé, Manoel Barroso, Manoel Titão, Emídio Tembé e Lúcio Gusmão Tembé, os dois últimos como testemunhas.

O termo de compromisso teve por base um volumoso estudo elaborado previamente pela Fundação Nacional do Índio e aprovado pelas lideranças das três aldeias localizadas em Tomé-Açu. O Programa Tembé, como foi denominado na época, prescrevia um variado conjunto de ações nas áreas de saúde, educação, atividades produtivas, meio ambiente, saneamento básico, assessoramento à organização etno-política e demarcação física de lotes. Este último item, aliás, nada mais era do que a regularização de terras já antes ocupadas pelos próprios índios, contíguas à aldeia Turé-Mariquita e definida pelos antropólogos da Funai como área de perambulação.

Formalizado o acordo, que os próprios técnicos da Funai reconhecem hoje ter sido extremamente "generoso" com a Companhia Vale do Rio Doce, a Pará Pigmentos se responsabilizou pelo pagamento, a título de ajuda de custo, de dois professores e dois agentes de saúde, cada um deles recebendo da empresa um salário mínimo e tendo o restante da remuneração completada pela prefeitura de Tomé-Açu. Eles ficariam lotados nas aldeias Turé-Mariquita e Acará-Miri, cada uma delas com um professor e um agente de saúde. O acordo foi assinado com prazo de vigência para cinco anos e, embora tenha expirado em 2001, a Pará Pigmentos vem mantendo, até hoje, o pagamento dos quatro-salários mínimos, enquanto discute com a Funai e as lideranças indígenas a sua renovação.

A empresa também custeou, com o modesto investimento de R$ 74 mil, um projeto de saneamento básico na aldeia Turé e, a pedido dos líderes indígenas, fez a doação de um trator para uso agrícola, com alguns implementos. A Funai, além de uma contribuição financeira no valor de R$ 110 mil, somente no primeiro ano de implantação do programa, prevista em cláusula contratual, teve que assumir a responsabilidade pelo cumprimento dos demais compromissos estabelecidos para o apoio às aldeias tembés, incluindo o estímulo à produção auto-sustentável e a proteção ambiental, tarefas nada fáceis para um organismo que padece de enormes carências financeiras e de recursos humanos e materiais.

Apesar de tudo, o pior ainda estaria por vir. Esgotado o prazo de vigência do termo de compromisso inicial, a Funai, as lideranças indígenas e a direção da Pará Pigmentos começaram, em 1991, a negociar a sua renovação. Sucessivas e desgastantes reuniões não foram suficientes, até hoje, para chegar a um resultado satisfatório. E a responsabilidade pelo impasse, de acordo com a própria administradora executiva regional da Funai, Célia Valois, cabe única e exclusivamente à Pará Pigmentos.

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