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Emissões de CO2

OESP, Especial, p. X1-X10
Autor: MEIRA FILHO, Luiz Gylvan
05 de Jun de 2008

Emissões de CO2
O corte necessário

No Dia Mundial do Meio Ambiente, a ONU reforça a importância da mudança de hábitos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, em especial o CO2. A medida é considerada fundamental para diminuir os impactos do aquecimento global, que pode pôr em risco nos próximos anos a sobrevivência de muitas espécies. Alguns projetos colocam o País em destaque, como o aterro de SP (foto ao lado) que ganha dinheiro com a comercialização de energia

A hora e a vez da redução das emissões de carbono
No Dia Mundial do Meio Ambiente, ONU pede mudança de hábitos para salvar o clima

Giovana Girardi

Passados mais de 30 anos desde sua criação, o Dia Mundial do Meio Ambiente retoma hoje um tema que está ligado às suas origens, mas que, de lá para cá, só se intensificou: as alterações no ambiente provocadas pela ação do homem. Em 1972, a data foi criada para marcar a abertura da Conferência de Estocolmo, a primeira reunião ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU).

O evento estabeleceu, pela primeira vez, princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decisões relacionadas a questões ambientais. A idéia que estava ali é a mesma que volta agora. Com o slogan "Kick the habit!", algo como "corte um hábito", a ONU pede uma mudança de atitude de todo o mundo sobre as emissões de gás carbônico (CO2) - principal gás de efeito estufa e cuja alta concentração na atmosfera, provocada pela queima de combustíveis fósseis, é a maior responsável pelo aquecimento global.

Na esteira de 2007, em que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) publicou seu quarto relatório com a conclusão de que é inequívoca a culpa humana pelo aquecimento, a ONU reforça hoje o pedido para que países, empresas e comunidades rumem em direção a uma economia com menos emissão de carbono. O alerta é claro: "As mudanças climáticas são o assunto que vai definir o nosso tempo."
A situação é delicada e pede urgência na mudança de comportamento. Antes da Revolução Industrial (1750), a concentração de CO2 na atmosfera era de 280 ppm (partes por milhão). Hoje é de 379 ppm - a maior em 650 mil anos (veja mapa nas páginas 6 e 7). Só com essa elevação, a temperatura do planeta já subiu cerca de 0,8oC desde o período pré-industrial.

A expectativa do painel de cientistas é de que, se nada for feito para interromper o crescimento das emissões, em 2100 a Terra pode estar entre 1,8oC e 4oC mais quente. Para quem pensa que é pouco, vale a pena lembrar os danos que essa elevação pode causar. Entre 20% e 30% das espécies de plantas e animais podem desaparecer, se a temperatura global subir entre 1,5oC e 2,5oC. As culturas agrícolas podem diminuir a ponto de causar a fome de milhões de pessoas. Na temperatura máxima, 2 bilhões devem sofrer com a falta d'água.

Para evitar o desastre climático, os pesquisadores calculam que a concentração de gás carbônico terá de se estabilizar em no máximo 450 ppm. Mas isso não significa que as emissões ainda não possam crescer. Porque, se elas se mantiverem no ritmo atual, em menos de meio século o nível de CO2 atingirá 600 ppm. Ou seja, é necessário cortar pelo menos 50% nas emissões globais para se manter em 450 ppm.

Muito mais que Kyoto
O drama aumenta de proporção quando se lembra que o famigerado Protocolo de Kyoto, já tão criticado - e desrespeitado - pelos Estados Unidos, pede uma redução de somente 5,2% nas emissões em relação aos níveis de 1990. E que, de lá para cá, elas cresceram em todo o mundo mais de 25%. Em sua maioria, esse número está associado ao crescimento econômico de países como Estados Unidos, China e Japão - daí a relutância em diminuí-lo.

Os especialistas fazem questão de frisar que ninguém está incentivando uma recessão econômica, mas pedem um pouco de boa vontade e mudanças nos modelos produtivos e nos hábitos de consumo. "As tecnologias já existem, estão todas aí, mas ainda não são empregadas em larga escala. Só é preciso um pouco de investimento para barateá-las e ampliá-las", afirma o físico Luiz Gylvan Meira Filho, da USP, um dos pesquisadores que ajudaram a escrever o Protocolo de Kyoto.

Já foi até previsto o custo total para fazer as modificações necessárias: menos de 3% do PIB mundial precisa ser investido até 2030 para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas. A receita básica se baseia em fontes alternativas de energia - ou pelo menos na busca por maior eficiência energética nas fontes já utilizadas - e em um consumo mais consciente, visto que cerca de 85% da energia consumida em todo o mundo é gerada com queima de petróleo, carvão e gás natural. Além, é claro, da conservação de florestas. O desmatamento corresponde a cerca de 17% das emissões de gases-estufa.

A mensagem é simples. Cabe a todo mundo fazer sua parte - governos, empresas e sociedade civil. Se aos primeiros cabe aceitar metas de redução, regulamentar os setores e incentivar com tributos as mudanças necessárias, ao setor produtivo cabe pôr isso tudo em ação, otimizar processos produtivos, investir em tecnologias mais econômicas, trocando as matrizes, reduzindo desperdícios etc.

Aos cidadãos vale a velha fábula da andorinha. Se uma não faz verão, todas juntas... Isso sem falar no poder de cada um de cobrar uma atitude proativa de seus governantes.

Mudar não é mais uma opção, mas a única saída para proteger o planeta - não somente para as futuras gerações, como se pensava há alguns anos, mas para nós mesmos. É hora de emplacar de fato o estilo "carbon free", só que ele vai muito além da atitude de sair plantando árvores por aí.

Glossário do meio ambiente
Entenda os principais termos ligados ao tema

Aquecimento global
Elevação da temperatura média do planeta por causa do aumento da concentração de gases-estufa. A crise atual é provocada pela elevação sem precedentes dos níveis de gás carbônico (CO2) em decorrência do uso de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural)

Carbono equivalente
Medida usada para comparar as emissões dos vários gases de efeito estufa, com base nos seus potenciais de aquecimento global. O número é obtido pela multiplicação das toneladas de gás pelo seu potencial. Por exemplo, o metano (CH4), o segundo principal gás de efeito estufa, tem um potencial de aquecimento 21 vezes maior que o CO2. E o óxido nitroso (N2O), o terceiro principal, é 300 vezes mais eficiente em reter calor

Gases de efeito estufa
São gases presentes naturalmente na atmosfera que têm a capacidade de absorver a radiação infravermelha da luz solar e reter por mais tempo no planeta parte desse calor. Os principais gases com essa característica são o vapor d'água (H2O), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Foram eles que permitiram, no passado, que a Terra não congelasse, mas a queima de combustíveis fósseis e a liberação dos estoques de carbono aprisionados nas florestas e no solo (com o desmatamento e a agricultura) elevaram as concentrações desses gases a ponto de provocar uma elevação da temperatura do planeta - o aquecimento global

Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
Estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, permite que países do chamado Anexo-1 alcancem suas metas de redução das emissões por meio da compra de créditos de carbono gerados em projetos de países em desenvolvimento. Nesse mercado de carbono, empresas do Brasil, por exemplo, podem criar projetos de redução das suas emissões e vender o crédito de carbono para empresas européias. Um crédito de carbono significa que uma tonelada de CO2 equivalente deixou de ser emitida ou foi absorvida da atmosfera

Mercado voluntário
Representado principalmente pela Bolsa de Chicago, permite que empresas que não têm metas obrigatórias a cumprir se engajem na redução das emissões de CO2. Tem sido protagonizado por companhias americanas, visto que o país não ratificou Kyoto. Elas estabelecem metas voluntárias e se submetem ao escrutínio da Carbon Climate Exchange (CCX), o que torna o compromisso transparente e auditável. Projetos que por algum motivo não se adequaram a Kyoto podem ser negociados em Chicago

Países do Anexo 1
São aqueles que, pelo Protocolo de Kyoto, se comprometeram em reduzir suas emissões de CO2 em 5,2% no período de 2008 a 2012 em relação aos níveis de 1990. O grupo inclui os países desenvolvidos como EUA, União Européia, Rússia, Japão e Austrália. Somente o primeiro não ratificou os termos do protocolo

Protocolo de Kyoto
Acordo assinado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática em 1997 na cidade de Kyoto, no Japão. Nele, os países do Anexo-1 concordaram em reduzir, entre 2008 e 2012, as emissões de gases-estufa em 5,2%, sobre os níveis existentes em 1990. Entrou em vigor em 2005, quando a maior parte dos países signatários o ratificou

Pós-Kyoto
Novo acordo que começou a ser desenhado no ano passado, em Bali (Indonésia), para substituir o Protocolo de Kyoto após 2012. Depois de duas semanas de negociação, diplomatas de cerca de 190 nações aprovaram o chamado Mapa do Caminho de Bali, um calendário de negociações do novo acordo global que deverá ser assinado até 2009

Novo caderno mensal vai debater temas ambientais
O aquecimento global mostrou que as questões ambientais exigem cobertura jornalística mais sistêmica

O Estado passa a publicar mensalmente, a partir de hoje, um caderno especial para discutir temas ligados ao meio ambiente, abordando, de um modo mais aprofundado, assuntos que são cobertos diariamente na seção Vida&. O caderno circulará na primeira quinta-feira de cada mês, até o fim do ano.

Esta primeira edição, que marca o Dia Mundial do Meio Ambiente, tratará do tema eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um dos mais preocupantes da atualidade - a alta concentração de gás carbônico na atmosfera e suas implicações. Nas próximas páginas, reportagens mostram o que a ONU vem recomendando, as mudanças de hábitos da população e as ações que têm ajudado a reduzir as emissões de CO2, seja por iniciativa de governos, empresas ou sociedade.

Considerado um dos maiores desafios da humanidade nos próximos anos, o aquecimento global trouxe o tema ambiente para o debate. E mostrou que as questões ambientais são também econômicas, políticas e sociais, exigindo da cobertura jornalística uma abordagem mais sistêmica.

Mercado de CO2 fica mais rentável e eficiente
Países e empresas buscam novos projetos para cumprir meta até 2012

Giovana Girardi

Neste ano, começou para valer a contagem do tempo para o cumprimento das metas acordadas no Protocolo de Kyoto. De agora até 2012, os países que se comprometeram em reduzir as emissões de gás carbônico (do chamado Anexo-1), e que ratificaram o acordo, têm de diminuir em 5,2% suas emissões de carbono em relação aos níveis de 1990. Talvez por que o relógio já esteja rodando, ou porque existe uma maior consciência de que as mudanças climáticas são iminentes, o mercado de carbono vem experimentando um real crescimento.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) teve um salto do ano passado para cá. Braço de Kyoto, o mecanismo permite que empresas e países comprometidos com o protocolo comprem créditos de carbono, gerados em projetos de países em desenvolvimento, para alcançar suas metas de redução. Apesar de os primeiros projetos serem de 2005, até meados de 2007 havia pouco mais de 500 registrados. Na última segunda-feira, porém, esse número havia duplicado para 1.078 projetos, fora outros 3.000 em avaliação.

Do ponto de vista econômico, o mercado global de carbono se consolidou como um excelente negócio. De acordo com levantamento do Banco Mundial, a movimentação financeira em 2007 foi de US$ 64 bilhões, mais que o dobro da registrada no ano anterior (US$ 25 bi). O que se questiona, no entanto, é o quanto esses projetos trarão de benefícios reais ao clima. Por estarem atrelados a Kyoto, suas reduções de emissão já não são muito altas e alguns projetos estão ligados a empresas tão sujas na sua base que mesmo com algumas alterações não chegam a representar uma mudança significativa.

Essa situação parecia ainda mais frágil no ano passado, quando havia poucas propostas. Na ocasião uma equipe de consultores das Nações Unidas que analisam as metodologias usadas para gerar créditos de carbono avaliou cem projetos e concluiu que 50% podiam estar "maquiados" de alguma forma.

O pesquisador Roberto Schaeffer, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esteve envolvido na análise e se assustou com o balanço. "Na época a coisa não estava boa, não, e ficamos pessimistas sobre o seu impacto. Mas agora que é para valer e a exposição é muito maior, os projetos estão passando por um escrutínio mais rigoroso", explica.

O problema gira em torno da chamada adicionalidade. Ao se inscrever no MDL, o pleiteante - por exemplo, uma termelétrica - diz que, se não tivesse um incentivo financeiro, continuaria funcionando do jeito que sempre funcionou, emitindo uma quantidade enorme de carbono. Mas, com o projeto, trocaria o uso de carvão por gás natural, por exemplo, que emite bem menos. Ocorre que é impossível provar o que a empresa de fato faria ou deixaria de fazer. "Mas notamos muitas justificativas frágeis", conta Schaeffer.

Com o susto, ele diz que os projetos registrados passaram a ser examinados com mais cuidado e o índice de reprovação aumentou. "Os proponentes hoje se queixam que o calvário é mais longo, mas isso garante a integridade do mecanismo. Com as 1.078 propostas registradas, há uma expectativa de reduzir as emissões até 2012 em 1,28 bilhão de toneladas de carbono. "Não é o que vai resolver o problema, claro. Mas não é tão pouco assim. É praticamente o que o Brasil emite por ano."

Mercado voluntário
Paralelamente ao MDL, começam a pipocar pelo mundo mercados voluntários, que negociam créditos de carbono desatrelados ao Protocolo de Kyoto. Ou seja, quem compra ainda não tem obrigações, mas já está se antecipando para quando as tiver. O mais significativo é a Bolsa do Clima de Chicago (CCX, na sigla em inglês), que também vem batendo recordes de preços e de volumes. No ano passado foram negociados 23 milhões de toneladas. Só nos primeiros cinco meses deste ano já foram 37 milhões. E o preço da tonelada subiu de uma média de US$ 3,50 para US$ 7,40.

"Ainda está bem abaixo dos 15 (cerca de US$ 23) do mercado europeu, o principal negociador dos créditos gerados no MDL, mas lá é obrigatório reduzir, e as empresas estão pagando o que for", diz Walfredo Schindler, diretor-superintendente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, que presta consultoria sobre o mercado.

No CCX têm participado em especial empresas americanas capazes de antecipar a hora que o país vai assumir, mesmo que internamente, metas de redução. Elas assumem um compromisso voluntário e, se não conseguem cumprir, têm de comprar créditos. Menos rigoroso que o MDL, o CCX aceita projetos que reduzem mesmo sem ter a tal adicionalidade. "As empresas americanas sabem que mais cedo ou mais tarde um sistema regulatório será implementado no país. Elas acreditam que quem estiver fazendo a lição de casa primeiro poderá depois ser recompensado pelo esforço."

No futuro próximo, pós-Kyoto, é possível que ocorra uma fusão de todos os mercados. Essa é a expectativa de especialistas que trabalham com créditos de carbono, como Antonio Lombardi, gerente de Produtos para Sustentabilidade do Banco Real. "Para ser um mercado efetivamente global, esse negócio tem de ser uma coisa só. Apesar de tudo trabalhar com carbono, hoje as metodologias são diferentes." Ele acredita que desse modo haverá espaço para projetos de mais impacto na conta total das emissões. "Hoje eles miram nas metas de 5,2% de Kyoto, mas têm condições de ampliar isso. O mercado que vai existir além de 2012 pode ser mais forte, com metas mais amplas", defende.

Gás do lixo rende créditos ao Brasil
Projetos fáceis e baratos colocam o País em terceiro lugar no MDL, mas no futuro será preciso ousar mais

Giovana Girardi

Quando o mercado mundial de carbono começou a funcionar, em 2005, o Brasil saiu na frente. Um projeto nacional - o programa NovaGerar, do aterro sanitário de Nova Iguaçu (RJ) - foi o primeiro a ser certificado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), lançando uma expectativa de que o País poderia assumir a liderança desse mercado. Passados três anos, no entanto, Índia e China superaram o Brasil em números de projetos. Dos 1.078 registrados até segunda-feira, 163 eram brasileiros, 303 eram chineses e 423, indianos.

Em parte, essa diferença ocorre pelo fato de o Brasil ter uma matriz energética mais limpa. Enquanto a maior parte da energia elétrica brasileira é hídrica, Índia e China usam carvão mineral.

Esse tipo de usina emite uma quantidade tão alta de gás carbônico (a geração de energia é o setor campeão em emissões em todo o mundo) que qualquer interferência no processo promove reduções drásticas.
Ao diminuir as perdas e melhorar a eficiência energética, a usina consegue obter um projeto de MDL. Isso sem nem mudar o combustível, o que deixa tudo mais barato para os dois países. No Brasil, trocar a matriz energética significa, em alguns casos, implantar fontes alternativas, como a eólica, que são mais caras.

Mesmo assim, criar projetos de MDL nos países em desenvolvimento é mais barato que nas nações ricas, além de ser a forma de colocar todos os países do mundo colaborando com a redução das emissões de gases-estufa. "Isso porque nos países em desenvolvimento ainda há muito a ser feito. Transformar um lixão em aterro é mais fácil aqui. Então é um crédito relativamente barato de se obter. Na Europa, isso não existe mais, tudo já foi desenvolvido, então as alternativas começam a ficar mais caras", explica Roberto Schaeffer, pesquisador da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Vários projetos brasileiros se valem justamente disso e estão obtendo créditos de carbono com aterros sanitários. A decomposição do lixo orgânico tem como subproduto o metano (CH4), o segundo principal gás de efeito estufa, que, apesar de estar na atmosfera em uma quantidade bem menor que o CO2, tem um potencial de aquecimento muito maior, de 21 vezes a do gás carbônico. Aterros do Brasil conseguiram emplacar projetos de MDL ao queimar metano, transformando-o em CO2, menos pior para o efeito estufa.

O primeiro projeto brasileiro, o Nova Gerar, funciona assim. Outros que sugiram depois, como os dos aterros Bandeirantes e São João, em São Paulo, ganham dinheiro não só com o crédito de carbono obtido, mas com a venda de energia. Em vez de queimar o CH4 eles alimentam uma miniusina com ele. Os dois aterros têm capacidade de gerar 20 megawatts por hora, o suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil a 300 mil habitantes.

Somente com as atividades do aterro Bandeirantes já foram feitas duas vendas de créditos de carbono. A mais recente, em setembro, ocorreu no primeiro leilão de carbono realizado no Brasil, na Bolsa de Mercadorias & Futuros, e rendeu à Prefeitura de São Paulo quase R$ 35 milhões. O investimento na usina, feito em 2003, foi de R$ 25 milhões.

Projetos mais ambiciosos
Em 2007, o mercado mundial de carbono dobrou, movimentou US$ 64 bilhões, de acordo com levantamento do Banco Mundial. Mas, ao mesmo tempo em que comemorou o sucesso econômico do negócio, o órgão argumentou que pode haver em breve uma estagnação. Acredita-se que os projetos mais fáceis de implantar, como o de aterros, podem estar chegando a um limite. Ainda que no Brasil a demanda por esse tipo de investimento seja grande, uma hora ele e outros que envolvem melhoria de eficiência energética chegarão ao limite.

"A encruzilhada em que países como o Brasil estão é justamente a das energias mais limpas. Na medida que nosso parque energético e nossas indústrias em geral tornam-se mais limpos, nossa capacidade de instalar ou renovar projetos de MDL diminui. No caso do Brasil, ainda temos muitas outras oportunidades, mas vai diminuindo o que podemos fazer dentro de Kyoto", explica Antonio Lombardi, gerente de Produtos para Sustentabilidade do Banco Real. "Nesse sentido, projetos pequenos vêem sua viabilidade econômico-financeira sair pela janela. A alternativa é o estabelecimento de metas mais severas para o próximo período de compromisso. Esse aumento de demanda pode fazer com que a baixa oferta justifique uma alta de preços que embale a viabilização de projetos.

Mundo negocia acordo pós-2012
Liderados por um brasileiro, diplomatas tentam chegar a um consenso sobre os termos que vão compor o novo guia para o mundo evitar as mudanças climáticas mais dramáticas

Giovana Girardi

Ao mesmo tempo em que países e empresas correm para cumprir as metas do Protocolo de Kyoto - cortando, comprando e compensando as emissões de gases-estufa -, diplomatas de 190 países, além de representantes da União Européia, já trabalham nas negociações do acordo que vai substituí-lo a partir de 2013. Mas, se estabelecer uma meta de 5,2% já foi difícil, que dirá emplacar um novo tratado que adote reduções bem mais polpudas em um cenário em que as emissões globais só fizeram subir desde 1990.

Liderados pelo brasileiro Luiz Alberto Figueiredo Machado, os negociadores vão se encontrar quatro vezes ao longo deste ano para encaminhar o debate em torno do chamado Mapa do Caminho de Bali - as diretrizes para um novo regime político acordadas no ano passado na Indonésia. Trata-se na verdade de uma espécie de indicativo de intenções que tem como principal mensagem a aceitação dos países de que o mundo todo tem de adotar ações de mitigação "mensuráveis, reportáveis e verificáveis". Mas nada muito concreto.
Antes da primeira reunião, em abril, Figueiredo declarou à imprensa que tinha pressa em tentar começar a rascunhar neste ano o texto do novo acordo. Considera-se que 2009 é o prazo limite para que os novos termos sejam estabelecidos a ponto de entrarem em vigor já em 2013.

Nesta semana ocorre em Bonn (Alemanha) o segundo encontro. "No plano de ação de Bali se estabelecia que apenas faríamos o plano de trabalho (estabelecer cronogramas etc), mas é pouco. Estou lutando para tentar o maior progresso possível - ao menos identificar ações eficazes de combate ao clima", disse ao Estado. "Ainda não existe consenso sobre muitas questões, então estamos num processo de fortalecimento da confiança, de tentar entender melhor as posições uns dos outros e de esclarecer os temas do plano de ação." O mapa estabelece quatro eixos que devem constar no novo acordo: redução das emissões, adaptação, financiamento dos países em desenvolvimento e transferência de tecnologia.

Desmatamento em foco
Um assunto particularmente sensível ao Brasil deve ganhar mais destaque no terceiro encontro do grupo, em agosto, em Acra (Gana). É quando Figueiredo pretende criar um grupo de trabalho específico para discutir a inclusão da redução das emissões por desmatamento no acordo. Na conferência do clima, em Bali, no fim de 2007, o Brasil tentou emplacar a criação de um fundo global voluntário que financiasse estratégias para a redução do desmatamento, mas a questão ficou em aberto. Agora o diplomata brasileiro pretende emplacar a questão. "Há sinais inequívocos de interesse nesse tema."

O governo acredita que essa é a melhor maneira de diminuir suas emissões, uma vez que o corte e a queima da vegetação libera na atmosfera o carbono que até então estava retido na forma de biomassa (folhas, tronco, raízes). O País, no entanto, continua relutante em transformar a floresta em pé em créditos de carbono, como outros países com reservas florestais defendem.

Vantagem brasileira
Outro ponto que coloca o Brasil em uma posição complicada nas novas negociações é a relutância em aceitar que países em desenvolvimento tenham limitação de emissões nos mesmos moldes dos desenvolvidos, que historicamente emitiram muito mais. Mais de uma vez o subsecretário de assuntos políticos do Ministério das Relações Exteriores, Everton Vieira Vargas, se manifestou nesse sentido, gerando irritação da academia.
Neste mês, o pesquisador José Goldemberg escreveu em sua coluna no Estado um artigo alegando que tal atitude só acaba beneficiando os dois maiores emissores do mundo: China e Estados Unidos. Recebeu apoio do colega Luiz Gylvan Meira Filho, da Universidade de São Paulo (USP). "Em um futuro de restrição de carbono, economias muito baseadas no carvão, como EUA e China, sofrerão um encarecimento do processo produtivo. Mas o Brasil, como sempre lembra o presidente, é a pátria dos biocombustíveis.
Com etanol, biodiesel e com ferro e aço produzido com carvão vegetal de floresta de eucalipto, o País ganha. Não precisa exportar o combustível, mas produzir o ferro e o aço aqui. O mesmo vale para o alumínio, na comparação com a produção australiana. O Brasil usa energia elétrica de origem hidráulica nesse processo de fabricação. A Austrália queima carvão mineral. A lógica dos EUA (para se opor à redução das emissões) é oposta à lógica do Brasil. Num mundo onde haja restrição de emissões, o País tem uma vantagem competitiva. Para ele, é bom economicamente se o mundo reduzir. Além, é claro, de evitar danos severos para a humanidade", diz Meira Filho.

Alemanha retoma combustível fóssil
Na contramão, país inaugura nova usina movida a carvão linhita, 'avô' do gás-estufa

Los Angeles Times

Boa parte da Europa busca fontes renováveis de energia, mas, no Vale do Reno, onde reina o carvão, a pequena cidade de Holz tornou-se mais uma vítima dos combustíveis fósseis. Três usinas de energia movidas a carvão linhita - o avô dos emissores de gases-estufa - arrotam mais de 64 milhões de toneladas de CO2 todo ano, o maior índice da Europa.

Mas parecerá pouco quando for inaugurada a gigantesca usina que promete ser uma das maiores do mundo. Para abastecê-la, uma mina aberta, de 80 km2, será realocada para o oeste, engolindo Holz e a vizinha Pesch.

A União Européia adotou alguns dos padrões de emissão de carbono mais abrangentes do mundo, e a Alemanha liderou a busca por energia renovável. Mas, conforme aumentam os preços do combustível e a Europa torna-se mais aflita quanto ao domínio russo das reservas de gás natural, o antiquado carvão está retornando. Há planos de construir 40 usinas na Europa em cinco anos.

As empresas energéticas dizem que as novas usinas de alta eficiência poderiam reduzir as emissões ao gastar menos combustível. O efeito, porém, depende da desativação das antigas, mais poluentes, e do aperfeiçoamento do processo de captura e armazenamento de carbono.

Carvão põe China na liderança de emissões
País tem 20 cidades mais poluídas; doenças ligadas à má qualidade do ar e da água matam mais a população

Cláudia Trevisan

PEQUIM - A China paga um pesado custo humano e ambiental pelo feroz e incessante crescimento das últimas três décadas. O país, que acaba de assumir a liderança mundial na emissão de gases que provocam o efeito estufa, tem 70% de seus rios, lagos e reservatórios poluídos, recebe chuva ácida em 30% de seu território, abriga 20 das 30 cidades mais poluídas do mundo e vê milhares de seus habitantes morrerem prematuramente de doenças relacionadas à má qualidade do ar e da água.

O uso do carvão como principal fonte de energia responde por muitos desses problemas. A China é o segundo maior consumidor de energia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e 68% da demanda é atendida pelo carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis.

A forte industrialização e rápido ritmo de urbanização são outros fatores de degradação dos recursos naturais do país. Entre 2000 e 2006, o número de habitantes nas cidades aumentou em 120 milhões, para um total de 580 milhões.

A elevação na renda que acompanha o crescimento econômico leva milhões de chineses a trocarem a bicicleta pelo carro. Em 2006, a China ultrapassou o Japão e se tornou o segundo maior mercado automobilístico do mundo, com vendas que devem chegar a 9,5 milhões de unidades em 2008.

Mesmo com esse aumento, a China tem uma relação de 44 carros para cada grupo de mil habitantes, cerca de um terço da média mundial de 120 por mil e a anos-luz dos 750 por mil registrados nos Estados Unidos.
Isso significa que o número de carros nas ruas da China continuará a crescer fortemente nos próximos anos, na medida em que a renda do 1,3 bilhão de chineses aumente. O mesmo raciocínio se aplica às emissões de gases que provocam efeito estufa. Apesar de liderar o ranking mundial, a China tem emissão per capita que corresponde a um quinto da dos norte-americanos.

Prejuízos
Estudo divulgado no ano passado pelo Banco Mundial estimou que a poluição gera perdas anuais equivalentes a 5,8% do PIB chinês, algo como US$ 200 bilhões, considerando o tamanho da economia e a taxa de câmbio atuais. A maior parte - 4,3% do PIB - é relacionada à morte prematura de pessoas vítimas de doenças provocadas pela má qualidade do ar ou da água.

O restante (ou seja, 1,5%) diz respeito aos danos materiais, incluindo prejuízos agrícolas relacionados à contaminação da terra e das águas.

O jornal inglês Financial Times publicou reportagem em julho de 2007 na qual afirmava que, a pedido do governo chinês, o Banco Mundial havia retirado da versão preliminar do estudo a estimativa de que 760 mil pessoas morrem prematuramente a cada ano no país em decorrência da poluição.

O argumento usado era o de que a informação, considerada "muito sensível", poderia gerar "instabilidade social" - o governo chinês patrocinou o estudo em conjunto com o Banco Mundial. O prefácio da versão publicada afirma que algumas das estimativas haviam ficado fora do estudo em razão de "incertezas" relacionadas à metodologia de cálculo aplicada.

As autoridades chinesas sabem que estão diante de uma crise ambiental grave. A exaustão dos recursos naturais ameaça a própria manutenção do crescimento, que registrou uma média de 10,6% ao ano desde 1978.

O futuro
O Plano Qüinqüenal para o período 2006-2010 prevê o aumento de 7% para 10% da participação das fontes renováveis na matriz energética e a redução em 10% das emissões de gases poluentes. O problema é que 10 das 13 metas ambientais previstas no plano anterior não foram cumpridas. A pressão do crescimento econômico levou a um aumento de 70% no consumo de energia entre 2000 e 2005 e 75% dessa expansão foi atendida pela queima de carvão.

Para conseguir reduzir o consumo de combustíveis fósseis, o governo elevou de maneira dramática os investimentos em fontes renováveis de energia. Em 2005, de acordo com o World Watch Institute, o país liderou os investimentos no setor em todo o mundo, com US$ 6 bilhões, excluídos os gastos em grandes hidrelétricas. No ano seguinte, o investimento foi de US$ 10 bilhões, superado apenas pelo da Alemanha.

Mudança do clima: perspectivas de evolução do regime internacional
Os acordos internacionais são necessários porque as emissões de cada país têm um efeito sobre todos os países do mundo
É pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
Luiz Gylvan Meira Filho

SÃO PAULO - As negociações internacionais sobre o tema da mudança global do clima, em decorrência do aumento da concentração de dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa na atmosfera como resultado das atividades humanas, passam por um estágio em que seria conveniente uma reflexão com horizonte temporal mais longo do que o ditado pela reação às declarações dos participantes que vemos constantemente nos jornais: "o problema é o estabelecimento de metas para os países emergentes"; "os países em desenvolvimento nunca aceitarão metas até que seu nível de emissões per capita iguale aquele dos países hoje já industrializados", ou ainda "a limitação de emissões de gases que provocam o efeito estufa seria um empecilho ao desenvolvimento dos países ainda não industrializados".

Há alguns aspectos físicos que limitam as escolhas dos formuladores de políticas no prazo de umas poucas décadas. O principal é o fato de que as emissões globais de dióxido de carbono precisarão ser reduzidas para cerca de 8,1 bilhões de toneladas por ano, pois este é o valor da remoção deste gás pelos oceanos. Se considerarmos que, em 1990, as emissões globais de dióxido de carbono eram da ordem de 28 bilhões de toneladas por ano, isso significa reduzir tais emissões globais em cerca de 60% em relação ao seu nível de 1990. Como as emissões globais aumentaram de 1990 até hoje, pode-se também afirmar que a redução em relação aos níveis atuais deverá ser ainda maior do que 60%.

É importante notar que essa redução será necessária seja qual for o nível de estabilização da concentração desejado. A única escolha disponível é a de quando iniciar efetivamente essa redução. Se logo, a concentração ainda pode ser estabilizada em um nível tal que a mudança do clima não ultrapassará 2oC em meados do século. Se daqui a uma década ou mais, a estabilização ocorrerá em um nível tal que o aumento de temperatura atingirá mais do que 2oC.

Os acordos internacionais são necessários porque as emissões de cada país têm um efeito sobre todos os países do mundo. É este fato que faz com que os dirigentes e, cada vez mais, os cidadãos de qualquer país sintam-se no direito de emitir opiniões sobre as emissões de gases de efeito estufa em qualquer parte do planeta. É comum, com as exceções que confirmam a regra, que tais opiniões sejam dirigidas mais às emissões dos outros do que às de seus próprios países.

Os acordos internacionais têm apenas dois objetivos: primeiro, registrar o consenso internacional sobre o quanto de mudança do clima da Terra estamos dispostos a tolerar. Este diálogo só poderá ser iniciado quando cada país indicar a sua preferência, o que não ocorreu ainda; segundo, pactuar entre os países a repartição dos ônus associados à mudança do clima, desde os associados à limitação das emissões, até os custos de adaptação à mudança do clima, e ainda os ônus associados aos danos devidos à mudança do clima. As balizas disponíveis para a negociação dos aspectos distributivos são os princípios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, notadamente o da responsabilidade comum porém diferenciada dos países.

O ciclo atual de negociação foi iniciado com a adoção do Mapa do Caminho de Bali em dezembro de 2007. Esse mapa estabeleceu as bases para as negociações até o fim de 2009, e constitui mais um capítulo de um processo que passará a ser um componente de importância crescente nas relações internacionais, e que dificilmente se esgotará neste ano e meio que restam. Por outro lado, os consensos estabelecidos neste ciclo influenciarão o regime futuro. Daí a importância de refletir sobre o prazo mais longo.

O Brasil tem condições naturais que o favorecem em um regime futuro com limitação de emissões de gases que provocam o efeito estufa, em razão de seu potencial de produção de biocombustíveis renováveis, etanol, biodiesel e carvão vegetal de biomassa renovável, bem como do potencial de captura e armazenamento geológico de dióxido de carbono, mas é necessário que estas vantagens comparativas sejam efetivamente transformadas em vantagens competitivas.

O Mapa do Caminho de Bali introduziu no debate internacional um novo conceito de metas. Além das tradicionais metas do Protocolo de Kyoto, expressas em termos da soma ponderada das emissões nacionais dos países industrializados (QELROS), estão em discussões as ações que sejam mensuráveis, relatáveis e verificáveis (AMRV), estas últimas aplicáveis a países industrializados que assim o desejem e também a países como Brasil, China, Índia etc. É urgente que haja um debate interno sobre a forma das AMRV que seriam mais convenientes para que o Brasil possa participar do esforço global para limitar a mudança do clima, o que nos interessa, e até a liderar esse esforço e simultaneamente transformar esse objetivo em mecanismo para promover o nosso desenvolvimento social e econômico.

É pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo

Neutralizar carbono é mais do que plantar árvore
Fazer um inventário completo de emissões é o primeiro passo para poder reduzir a quantidade de gás-estufa e promover compensações

Giovana Girardi

Enquanto o governo não divulga um novo inventário nacional mostrando como estão as emissões de gases-estufa do País (o único, e já desatualizado, é de 1994), algumas empresas brasileiras estão dando o primeiro passo para compreender a situação do próprio setor.

No começo de maio foi lançado o Programa Brasileiro de Inventário Corporativo de Gases de Efeito Estufa, que coloca à disposição de empresas interessadas uma metodologia para aferir essa produção. Conhecido como Protocolo de Gases de Efeito Estufa (ou GHC Protocol, na sigla em inglês), o programa permite a realização de um levantamento minucioso. Com isso, a companhia tem como identificar o tamanho do impacto que está causando ao ambiente e descobrir onde, no processo produtivo, ela pode interferir para reduzir as emissões.

"Projetos voluntários de redução das emissões ainda são muito tímidos no Brasil. Muitas nem sequer sabem o quanto emitem. Essa é a etapa zero", afirma Rachel Biderman, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), que disponibilizou o GHC Protocol no Brasil. "Mas o alarme do aquecimento global é realista e temos um prazo curto para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Já é hora de trabalhar com força total na mitigação." Vinte empresas de setores de grande impacto, como o automotivo, o metalúrgico e o químico, já ingressaram no programa.

'Carbon Free' mesmo?
Segundo Rachel, essa etapa é fundamental antes de tomar alguma atitude. "Senão ocorre o que estamos vendo por aí. Essa coqueluche de empresas dizendo que são carbono neutro, que saem plantando árvore por aí sem nem sequer saberem quanto emitem e quanto têm de plantar para compensar suas emissões", afirma.
Neutralização de fato, lembra ela, é não emitir tanto e compensar com plantio só aquilo que não é possível reduzir. "Não estou dizendo que plantar árvore seja ruim. É bom por uma série de motivos, mas muitos dos projetos que vemos hoje não podem ser chamados de trabalhos de neutralização de carbono, quando muito são de recuperação ambiental." O especialista no mercado de carbono Antonio Lombardi concorda: "Plantar árvore em tudo quanto é lugar pode ser uma tremenda falácia. Não é salvo-conduto para a consciência."

Rachel dá como exemplo de lição de casa bem feita uma iniciativa da indústria de cosméticos Natura. A empresa inventariou não somente as emissões da fábrica, como de toda a cadeia de seus produtos. Isso inclui as atividades dos fornecedores, o processo de extração dos ingredientes, o transporte, até o descarte de embalagens. Na soma final, descobriu no ano passado que emite 184 mil toneladas de CO2-equivalente e se propôs a reduzir 33% disso ao longo de cinco anos.

De um lado a empresa vem mudando sua matriz energética e do outro financia projetos de reflorestamento e de reciclagem de embalagens para compensar o que não conseguir reduzir. E ainda deve lançar uma moda: um "rótulo-carbono" que trará as informações de quanto foi emitido para produzir um produto.

Sesc lança hoje mostra sobre impacto nos pólos
A exposição discute o aquecimento global e seus efeitos

O Sesc Pompéia inaugura, hoje, em comemoração ao IV Ano Polar, a mostra Latitude 90o - O Impacto do Aquecimento nos Pólos. Entre outras coisas, o evento apresenta o trabalho de pesquisadores brasileiros. A exposição discute, ainda, o aquecimento global e seus efeitos. Até 3 de agosto, haverá palestras com especialistas, como o espanhol Juan Jose Dañobeitia, da Unidad de Tecnología Marina, exibição de filmes, fotos e material de navegadores, como Amyr Klink, além de estação meteorológica. Informações: www.sescsp.org.br.

Projeto abre espaço para denúncias
Programa abrange Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Sorocaba

Até sexta-feira, cidades do litoral e do interior paulista vão discutir questões ambientais com representantes do governo. Os moradores também poderão, dentro do projeto Pente Fino Ambiental, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, fazer denúncias, que os técnicos prometem apurar prontamente. O programa abrange Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela, São Sebastião e Sorocaba.

HC promove discussão sobre lixo e saúde
Estão programados a exibição de um vídeo do Greenpeace e uma exposição de objetos decorativos confeccionados em papel jornal, filtro de café, vidro, papelão e garrafa pet

A discussão do tema Lixo - Sustentabilidade e Responsabilidade das Organizações de Saúde abre hoje, às 9 horas, as comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente no Instituto Central do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. Estão programados ainda a exibição de um vídeo do Greenpeace e uma exposição de objetos decorativos confeccionados em papel jornal, filtro de café, vidro, papelão e garrafa pet.

Consumo consciente: o que cabe à sociedade no problema
O aquecimento global é democrático e vai atingir a todos, então é possível concluir que as soluções

Giovana Girardi

Foi preciso superar a careta do caixa do supermercado para sair com um pacote de pão e um vidro de azeite sem colocá-los em uma fatídica sacolinha de plástico. A compra era simples, fácil de carregar, o que tornava a sacolinha totalmente desnecessária, mas o comportamento dos atendentes fazia parecer que do outro lado do balcão estava um extraterrestre.

Há que se admitir - ser ambientalmente correto no dia-a-dia tem lá seus obstáculos. É preciso superar uma certa vergonha e, às vezes, até uma dose de preguiça. Em algumas situações, é preciso deixar o luxo de lado. Mas atitudes individuais como essa são fáceis e estão ao alcance de todo mundo. São a colaboração que cada pessoa pode dar para diminuir as emissões globais de gases-estufa.

Senão, vejamos. O plástico é subproduto do petróleo. Os fabricantes dizem que ele vem de uma sobra do processo de refino, ou seja, que não demanda mais extração de óleo. Mas sua produção é um processo industrial que requer energia e, por conseqüência, gera emissões.

Calcula-se que no Brasil são consumidos 18 bilhões dessas sacolinhas por ano, de acordo com o Programa de Qualidade e Consumo Responsável de Sacolas Plásticas, que estimula a redução de 30% disso. Imagine que dá cem sacolinhas para cada brasileiro (muito mais se considerarmos que uma boa parte da população não tem acesso a sua "cota"). O site http://www.resbrasil.com.br/ apresenta um número ainda mais assustador. Um contador automático estima o consumo mundial - no começo desta semana estava em 211 bilhões só neste ano.

A idéia válida aqui é a mesma para tudo: diminuir o consumo para ter menos impacto no ambiente. Ou, como simplifica o velho mote ambientalista, é preciso reduzir, reutilizar, reciclar. E quando se fala em consumo não é só o de produtos, mas o de recursos naturais, de energia e de combustíveis. São mudanças como as propostas acima (veja quadro) que podem fazer a diferença se abraçadas por todo mundo, defendem os especialistas.

Um bom exemplo de "união faz a força" é o da carona solidária nas grandes cidades. Em São Paulo, a taxa média de ocupação é inferior a 1,5 pessoa por veículo (cerca de 64% dos carros que trafegam na cidade circulam somente com o motorista). Se todas as pessoas que andam sozinhas dessem (ou pegassem) carona, 25% dos carros deixariam de circular, reduzindo portanto as emissões do setor (43 milhões de toneladas de CO2 por ano) - a maior fatia das emissões do Estado. Mas, se o argumento ambiental ainda não convencer, pense no impacto que essa redução teria no trânsito.

Também está nas mãos das pessoas escolher o meio de transporte que emite menos. A vantagem do carro a álcool é clara. A cada 18 mil km rodados, um carro 1.0 movido a gasolina emite 2.740 kg de CO2, contra 50 kg do carro 1.0 movido a álcool. Além disso, a cana-de-açúcar, ao crescer, absorve quase totalmente o gás carbônico emitido pela queima do combustível. O que faz com que o balanço chegue perto de zero.
Tamanho, no caso das emissões, é, sim, documento. Carros maiores, com motor mais potente, ar-condicionado, emitem mais. "Todo mundo gosta de design bonito, de conforto, mas as pessoas precisam começar a pensar se de fato precisam disso. Carro é só meio de transporte", afirma Antonio Lombardi, gerente de Produtos para Sustentabilidade do Banco Real.

A indústria automobilística ainda não estampa em sua propaganda que alguns carros emitem menos do que outros. Mas a eficiência do veículo já é uma boa dica. Carros que fazem mais quilômetro por litro conseqüentemente emitem menos.

Outra coisa que está facilmente ao alcance é reduzir o consumo de energia. "Na época do apagão (em 2001), todo mundo se mobilizou, o País reduziu sua necessidade energética. As pessoas sabem consumir com responsabilidade. Agora é só continuar", afirma Luís Piva, coordenador da campanha de clima da organização não-governamental Greenpeace.

Para quem pensa que a energia elétrica de fonte hídrica é limpa e, portanto, não há problema em usá-la, Piva lembra: "Basta olhar para o plano de desenvolvimento energético do País para 2030 para ver que há um potencial de sujar a matriz com mais termelétricas. Quanto mais consumirmos mais serão necessárias novas usinas." "Economizar energia evita que (a hidrelétrica) Belo Monte inunde (o Rio) Xingu", concorda Lombardi. "É preciso diminuir a necessidade de criar novas unidades geradoras."

Entre as principais dicas estão: não deixe a luz acesa desnecessariamente, não deixe equipamentos eletrônicos em repouso (stand by), compre eletrodomésticos mais eficientes e opte pelas lâmpadas fluorescentes. Reduzir o desperdício também implica diminuir o consumo de energia - a gasta pela indústria para produzir mais.

Lombardi resume a questão: "A mudança climática tem de fazer parte do dia-a-dia das pessoas. Não compre o que tem muita embalagem. Não é por que é reciclável que está sendo reciclada. Cuide melhor de suas coisas para não ter de comprar novas o tempo todo, em especial equipamentos eletrônicos. As coisas não têm de ser tão descartáveis. Para salvar o planeta, é preciso mudar o padrão mental em relação às coisas e conservar o que se tem."

OESP, 05/06/2008, Especial, p. X1-X10

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