VOLTAR

Emergência ambiental

O Globo, Sociedade, p. 29
18 de Mai de 2016

Emergência ambiental
Algas envenenam a costa do Chile e fenômeno levanta suspeitas sobre a indústria do salmão

CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br

Uma afloração de algas "de proporções bíblicas" no litoral Sul do Chile está sendo considerada uma das maiores catástrofes ambientais da História do país e colocou sob suspeita as práticas da indústria nacional do salmão. O fenômeno, também conhecido como "maré vermelha" por tingir grandes extensões do mar com a cor, é provocado pela reprodução maciça de algas microscópicas que liberam toxinas na água, envenenando diversas espécies de mariscos e outros moluscos. Estes, por sua vez, acabam por intoxicar peixes e outros animais, inclusive humanos, caso consumidos. Assim, nas últimas semanas, o Chile registrou grandes mortandades de animais, desde mariscos e sardinhas até pássaros marinhos, além da hospitalização de dezenas de pessoas que ingeriram os produtos.
Com isso, a atividade pesqueira na região foi paralisada, tirando a fonte de subsistência de milhares de pescadores e levando à suspensão do serviço ou demissão de outros milhares de trabalhadores de empresas processadoras de peixes e frutos do mar, em especial na província de Chiloé. Este arquipélago na costa da Patagônia se tornou então o epicentro de protestos contra a indústria chilena de criação de salmões, acusada de ao menos ter colaborado para a maré vermelha deste ano ter atingido proporções históricas e que agora é alvo de uma investigação formal liderada pela promotoria pública da região de Los Lagos, que abarca Chiloé e outras províncias chilenas vizinhas atingidas pelo fenômeno.
- Mataram nosso oceano - disse à agência AP a pescadora Marisol Millaquién, há semanas sem trabalhar. - Tenho 46 anos e vi outras marés vermelhas, mas nuca uma como esta.
DESPEJO DE PEIXES MORTOS EM ALTO-MAR
A acusação contra os produtores industriais de salmão no Sul do Chile tem a ver com o fato de, em março, eles terem despejado em alto-mar, com autorização e ajuda do próprio governo chileno, quase cinco mil toneladas de peixes mortos por outra grande afloração de uma espécie diferente de microalga que atingiu suas fazendas marinhas no início do ano. Segundo os críticos da medida - tomada em caráter emergencial diante do enorme volume de salmões asfixiados pelo fenômeno de então, cerca de 40 mil toneladas, a maior parte transformada em farinha de pescado ou descartada em aterros sanitários -, o despejo forneceu ainda mais nutrientes que alimentaram a proliferação das microalgas da gigantesca maré vermelha de agora. Há também a suspeita de que tenham acontecido despejos clandestinos em pontos mais perto do litoral e não apenas na região autorizada, a mais de 130 quilômetros a Oeste da costa de Chiloé.
- Quero reafirmar que estamos investigando possíveis ilícitos de caráter penal relacionados com o despejo dos produtos da mortandade dos salmões no mar - disse Marcos Emilfork, promotor regional de Los Lagos. - Para a promotoria e para mim, como promotor regional, os delitos relacionados ao meio ambiente são graves e uma prioridade. Por isso, estamos levando à frente uma investigação acusatório e dando os passos o mais rápido possível, com equipes especializadas, para chegar ao fundo da situação.
As marés vermelhas, no entanto, não são um fenômeno incomum na costa chilena. Há registros de sua ocorrência periodicamente pelo menos desde os anos 1970, quando ela foi observada pela primeira vez na região de Magalhães, no extremo Sul do país. De lá para cá, no entanto, os episódios foram avançando cada vez mais para o Norte, alcançando a região de Los Lagos no início dos anos 2000. A de agora, porém, se espalhou ainda mais, tomando cerca de 2 mil quilômetros do litoral até a região vizinha de Los Ríos.
Assim, apesar das suspeitas em torno da colaboração da indústria do salmão, para muitos cientistas a principal explicação para a maré vermelha recorde deste ano no Chile está no El Niño. Caracterizado pelo aquecimento acima do normal da superfície da água do Oceano Pacífico, o El Niño atual, iniciado no ano passado, é o terceiro mais forte já registrado. Com a água mais quente e maior disponibilidade de nutrientes, não só pelo despejo dos salmões mortos mas também por diversos outros fatores, as microalgas teriam encontrado um ambiente ideal para se reproduzirem maciçamente.
ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS SE POSICIONAM
Diante disso, o Colégio de Biólogos Marinhos do Chile divulgou recentemente um comunicado em que aponta o aquecimento global como o principal motor por trás da maré vermelha gigante no litoral do país. Segundo a associação científica, a alta na temperatura média da Terra está provocando a acidificação dos oceanos, o que conjugado com um El Niño intenso promoveu a afloração recorde de microalgas na costa chilena.
"Como biólogos marinhos, nos preocupa o nível de desinformação sobre as causas e efeitos da maré vermelha atualmente instalada no Sul de nosso país e a grande efervescência social que isso está gerando", diz o comunicado. "Isso nos insta a dar uma opinião científica e técnica que permita aclarar o que está acontecendo... A costa do Chile não está isolada nem tem imunidade ante ao fenômeno das mudanças climáticas e a cascata de efeitos 'anômalos' que estão sendo documentados... Devemos enfatizar, porém, que nunca se observou um pico de aflorações tão alto, de tal extensão geográfica, nível de crescimento e duração... Estes eventos estão diretamente relacionados ao atual fenômeno do El Niño, que a que neste caso particular a Nasa alertou que poderia ser o pior desastre natural da História em agosto de 2015", continua o documento, para finalizar: "portanto, o problema (da maré vermelha recorde) é causado por um fenômeno El Niño reforçado pelo aquecimento global, e por isso é um fenômeno de origem global, e não local".
Na mesma linha seguiu a Sociedade Chilena de Ciências do Mar, também por meio de nota recente. Segundo o grêmio científico, "não há dúvidas" de que o El Niño alimentou a maré vermelha por ter "apresentado características únicas tanto em intensidade quanto em desenvolvimento" na costa chilena. "É importante destacar que a situação oceanográfica registrada no Pacífico Sul não é um fato isolado e responde a um fenômeno do El Niño com repercusões de grande escala geográfica, que teve impactos não só na costa de Chiloé como também entre a Califórnia e o Alasca, com as marés vermelhas mais fortes observadas nos últimos 20 anos e maciças mortandades", destaca o documento.

O Globo, 18/05/2016, Sociedade, p. 29

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/mare-vermelha-leva-g…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.