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A emblemática situação dos indígenas de Raposa Serra do Sol

Coiab
06 de Mai de 2008

Senhor Relator,

Os povos indígenas Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó e Patamona da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RSS) em Roraima, Brasil, através do Conselho Indígena de Roraima - CIR, vem mui respeitosamente apresentar em razão da grave e atual situação de violação dos direitos humanos dos povos indígenas na RSS:

O processo de regularização fundiária - demarcação, titulação e segurança da terra indígena - iniciou-se há 30 anos e até a presente data segue sem conclusão.

Apesar das legislações nacional e internacional exigirem e, apesar das enfáticas recomendações emitidas por órgãos de direitos humanos da ONU e da Organização dos Estados Americanos , até o momento, o Brasil não efetivou a desintrusão da RSS (especialmente daqueles ocupantes que também promovem graves danos ambientais e violentos ataques contra as pessoas e o patrimônio indígenas). Da mesma forma, não há medidas mínimas necessárias para proteger os indígenas da RSS da violência e dos danos irreparáveis às terras que dependem para subsistir e sobreviver.

O reconhecimento formal de terras indígenas é apenas o primeiro passo no sentido de garantir o direito dos povos indígenas às suas terras. Apesar dos povos indígenas e suas organizações estarem constantemente formalizando denuncias, os povos da RSS seguem ameaçados pela violência impetrada contra seus membros e comunidades ; pelo desrespeito à sua organização social, usos, costumes e tradições inclusive a partir da interferência de leis municipais que contrariam e ferem o direito de gerir e controlar suas terras em conformidade com as suas próprias leis, costumes e instituições ; pelas propostas de legislação nacional que visam minar as proteções constitucionais das terras indígenas ; e pela ameaça de construção, por parte do Estado, de uma barragem hidroelétrica dentro da RSS, sem atender aos requisitos constitucionais, e sem a consulta ou consentimento dos povos indígenas .

Dada a urgência da situação, e o fato dessa amostra de Roraima revelar os problemas endêmicos que enfrentam os povos indígenas no Brasil, recomendamos que o ACNUDH destaque tais informações para o Conselho; estresse as inúmeras Observações e Recomendações relativas a povos indígenas emitidas por organismos da ONU que seguem ignoradas pelo Estado ; e recomende ao Conselho de Direitos Humanos da ONU a chamar o Brasil para cooperar com as instâncias internacionais implementando com urgência as recomendações feitas, além de procurar a capacidade e os conhecimentos técnicos oferecidos pela ONU para ajudar a Estado no cumprimento de suas obrigações internacionais.

Colocamos nossas organizações à disposição para quaisquer informações adicionais que se façam necessárias.

A. Descrição da metodologia e do amplo processo de consulta adotados para a preparação das informações fornecidas no âmbito da Revisão Periódica Universal;

Apesar da recomendação do Conselho de Direitos Humanos , as organizações remetentes informam que até a presente data o Estado não realizou consultas com os povos indígenas para a elaboração do Relatório UPR a ser apresentado ao Conselho e ao ACNUDH. O Estado continua omisso no seu dever de consultar com os povos indígenas sobre questões e iniciativas que possam afetá-los. A falta de consulta com os povos indígenas pelo Brasil já foi destacada pelo Comitê de Expertos da OIT e pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU , como uma violação à Convenção 169 da OIT.

B. Contexto do país em análise e enquadramento, em especial do sistema normativo e institucional, para a promoção e proteção dos direitos humanos: constituição, legislação, políticas, jurisprudência, infra-estrutura de direitos humanos, incluindo instituições nacionais de direitos humanos e obrigações internacionais identificadas no "fundamento de revisão" da Resolução 5 / 1, anexo, secção IA.

Passadas mais de três décadas sem uma solução definitiva para a situação da RSS, pode-se dizer que as leis e políticas brasileiras, bem como a vontade política do governo federal, provaram ser ineficazes para garantir os direitos dos povos indígenas.

O sistema normativo brasileiro, especialmente a Constituição Brasileira (artigo 231), reconhece o direito dos povos indígenas ao uso exclusivo e à posse de suas terras tradicionais. Direitos indígenas, como o direito de propriedade, são reconhecidos em instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro tais como: Carta das Nações Unidas, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção Sobre a Eliminação da Discriminação Racial; Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas; Convenções da OIT n. 107 e 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, bem como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Tais instrumentos reconhecem os direitos de todos os povos, incluindo os povos indígenas a: vida, propriedade, igualdade perante a lei, integridade pessoal, liberdade de consciência e de religião, circulação e residência (livre circulação), proteção judicial, e inviolabilidade de domicílio. Conforme descrito a seguir, cada um destes direitos foi violado pelo Estado no seu tratamento dispensado aos povos indígenas da RSS, sobretudo tendo em conta a reconhecida e especial relação que os povos indígenas mantêm com suas terras.

Quanto à estrutura institucional, o governo federal e os governos estaduais detêm jurisdições concorrentes sobre questões que afetam os povos indígenas. No entanto, a Constituição Federal (artigos 231 e 232) fixou o mínimo de proteções constitucionais que deve ser garantido aos povos indígenas no Brasil em todos os níveis de governo. Entre outras coisas, a Constituição reconhece a organização social, costumes, línguas e tradições indígenas, bem como o direito originário dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas ou utilizadas. As obrigações internacionais, que determinam que o Estado garanta tais direitos seguem vigentes independentemente da oposição que governos locais possam apresentar.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é o órgão indigenista federal responsável por executar a política indigenista conforme determina a Constituição. No Brasil, a FUNAI é o órgão responsável por garantir (na RSS e em outras terras indígenas) a demarcação e titulação das terras, a retirada dos ocupantes não-índios, bem como a segurança das populações indígenas. A retirada dos ocupantes não-índios pela FUNAI, pode requerer a ajuda do Ministério da Justiça e seus órgãos auxiliares (Polícia Federal) e do Ministério da Defesa (Forças Armadas), principalmente quando os ocupantes ilegais que resistem em sair são hostis ao governo federal e aos indígenas, como no caso da RSS. Embora a Constituição brasileira (Art. 231 (§2o)) estabeleça que "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes." o órgão federal de fiscalização ambiental, IBAMA, não tem tomado medidas adequadas para impedir os danos ambientais causados pela presença dos produtores de arroz na área. Até a presente data, estas quatro entidades governamentais, ainda não foram capazes de executar e coordenar adequadamente as atividades para cumprir com suas responsabilidades, e assim atender com as obrigações internacionais do Brasil para com os povos indígenas da RSS.

O Poder Judiciário brasileiro também não tem sido eficaz na garantia dos direitos dos povos indígenas. Durante os últimos anos os ocupantes ilegais, que detêm fortes laços com influentes políticos locais, ingressaram com inúmeras reclamações judiciais em vários tribunais para anular o processo de demarcação da RSS e suspender a desintrusão. Demonstrando a fragilidade institucional e normativa brasileira para fazer valer os direitos indígenas, o uso de medidas judiciais para a paralisação do aparato estatal tem sido uma estratégia de sucesso. Em 2006 o Supremo Tribunal Federal declarou sua competência exclusiva para resolver questões relacionadas à disputa sobre terras relacionada ao processo de demarcação e homologação da terra indígena RSS. Esta decisão, no entanto, não resolveu ou concluiu as demais ações pendentes , nem excluiu a possibilidade de novas ações. Na verdade, após tal decisão, um pedido de liminar em Mandado de Segurança solicitando a suspensão da retirada dos ocupantes ilegais da RSS foi impetrado e concedido.

C. Promoção e proteção dos direitos humanos na prática: implementando as obrigações internacionais de direitos humanos identificados no "fundamento de revisão" da Resolução 5 / 1, anexo, secção IA, em legislação nacional e compromissos voluntários, atividades das instituições nacionais de direitos humanos, conscientização acerca dos direitos humanos, e cooperação com os mecanismos dos direitos humanos.

O Estado não tem cooperado plenamente com os mecanismos dos direitos humanos. Salientamos que, apesar das fortes recomendações recentemente emitidas pelo Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) e das urgentes medidas cautelares emitidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos , o Estado não tomou medidas eficazes para proteger a vida e física e a integridade dos povos indígenas da RSS. A ação decisiva desses órgãos de direitos humanos se deu em resposta a uma série de agressões graves e manifestações de ódio racial contra os indígenas da RSS. Tal violência começou em 2004 e continua até a presente data, incluindo: um ataque por 40 homens armados contra quatro comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol que resultou no incêndio de instalações da comunidade e o 131 pessoas desabrigadas (Novembro de 2004); uma invasão da comunidade indígena do Surumú por 150 homens armados e encapuzados, resultando no incêndio criminoso da escola, da clínica e da missão Surumú (Setembro de 2005), a queima de uma importante ponte que permite o acesso das comunidades ao norte da RSS (Setembro de 2005); o incêndio de duas casas na comunidade indígena de Nova Vitória, provocada por homens armados (Novembro de 2005); o brutal espancamento de um jovem indígena que participava da Assembléia Geral do CIR (Fevereiro de 2007); trinta homens encapuzados e armados com pistolas, facas e paus ameaçam de violência e deslocam vários indivíduos indígenas que pacificamente se reinstalavam em parcelas da terra indígena RSS (junho de 2007); e homens bêbados e armados aterrorizam líderes indígenas e membros da comunidade Surumú (Julho de 2007). Até o momento todos esses crimes seguem impunes. Como é de conhecimento do governo federal, em vários destes incidentes testemunhas citam o envolvimento do ex-prefeito e vice-prefeito de Pacaraima (um município dentro da RSS), bem como de um deputado federal de Roraima. Nenhuma ação foi tomada contra esses indivíduos poderosos. (Veja fotos da violência, o Anexo III).

Em resposta à violência a cima exposta, em agosto de 2007 o Comitê CERD manifestou a sua preocupação pelo fato da situação dos povos indígenas da RSS "não ter melhorado, chegando até mesmo a piorar em muitos aspectos" . De fato, não houve ação no sentido de exigir o cumprimento da lei na área. Até o momento o Governo não concluiu as investigações e os inquéritos criminais, nem sancionou qualquer dos indivíduos responsáveis pela violência cometida contra os indígenas da RSS. Instaurou-se um clima de impunidade. O Governo não tem sequer respondido à Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos da OEA sobre as medidas tomadas para proteger a vida e integridade dos povos indígenas da RSS. As comunidades indígenas da RSS continuam dormindo com um olho aberto, com medo de que novos ataques sejam perpetrados contra seus membros.

As organizações remetentes não desejam que o Conselho duplique as medidas já tomadas pelas instâncias internacionais mencionadas. Solicitamos respeitosamente que o Conselho de Direitos Humanos da ONU expressamente encoraje o Governo brasileiro a responder às observações dos referidos organismos; bem como a tomar todas as medidas necessárias para cooperar com estes mecanismos, inclusive implementando imediatamente suas recomendações. Solicitamos ainda, que o Conselho tome medidas adicionais dentro de seu mandato para influenciar o comportamento do Estado brasileiro e assisti-lo no cumprimento de seus deveres e obrigações estabelecidos em lei nacional e internacional.

D. Identificação das realizações, boas práticas, desafios e limitações.

As organizações remetentes reconhecem que a demarcação de 95.113.420 hectares de terras indígenas não deve ser subestimada. No entanto, cumpre ressaltar que a titulação dessas terras é registrada como propriedade do Estado e não dos povos indígenas. Além disso, na RSS bem como em muitas outras partes do Brasil, esse registro mostra-se de pouco valor quando Estado não toma as medidas necessárias para garantir aos povos indígenas o uso e gozo pleno, permanente e exclusivo de suas terras e recursos naturais. Os indígenas do Brasil, incluindo os da RSS, não podem gozar de seus direitos territoriais enquanto, sem o seu consentimento, suas terras continuam ocupadas por não-índios; ou enquanto o Estado, os governos locais, ou terceiros seguem extraindo recursos naturais ou executando outras atividades prejudiciais aos seus territórios. A cumplicidade do Estado brasileiro nessa situação (seja autorizando ou não impedindo essas ocupações e invasões) constitui violação de seus deveres e obrigações de direito internacional. Titulação não é suficiente. Como afirmado pela Comissão Interamericana, na sua avaliação sobre o Brasil, a "demarcação e o registro de terras indígenas é na verdade apenas o primeiro passo para o estabelecimento da verdadeira defesa das terras indígenas".

Isto é mais que verdade no caso RSS. A situação dos povos indígenas Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana continua urgente e perigosa, requerendo atenção especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU. As terras da RSS seguem ilegalmente ocupadas por invasores não-índios - especialmente todos os rizicultores que são apontados como autores da maior parte das ameaças e violências praticadas contra os povos indígenas, além de responsáveis por graves danos ambientais ao meio ambiente da terra indígena. O Estado não impediu a continuidade do cultivo ilegal de arroz já que não apreendeu os equipamentos agrícolas nem embargou as fazendas que exercem suas atividades em violação às leis ambientais em vigor. Além disso, duas leis municipais estabeleceram, inconstitucionalmente, um núcleo de administração não-indígena dentro da RSS, resultando na tomada e fechamento de uma escola indígena pelo Município. Em nível nacional, o estabelecimento de novos procedimentos de gestão dos fundos federais para a saúde indígena ameaça a administração indígena de seus próprios sistemas de saúde, impactando diretamente sobre a saúde de seus membros. Projetos de leis nacionais também continuam a ameaçando os povos indígenas ao propor a ampliação do leque de possibilidades em que o direito dos povos indígena às suas terras pode ser limitado ou totalmente revogado. A aprovação da construção de uma hidrelétrica, dentro de terra indígena, sem consulta ou consentimento dos povos afetados, também ameaça seriamente o gozo dos direitos territoriais dos povos na RSS.

E. Prioridades nacionais, iniciativas e compromissos que o Estado em questão pretende adotar para superar esses desafios e limitações e assim melhorar a situação dos direitos humanos na prática.

Infelizmente, o Estado freqüentemente se refere, doméstica e internacionalmente, aos resultados no caso Raposa Serra do Sol como um grande êxito e exemplo das realizações do governo. Essa afirmação ignora a seriedade das informações anteriormente expostas. Tal atitude constitui obstáculo fundamental para a melhoria da situação dos direitos humanos dos povos indígenas na prática, uma vez que representa a negação do Estado em reconhecer a falta de vontade política para responder de forma eficaz às violações dos direitos humanos denunciadas pelos povos indígenas e afirmadas em inúmeros instrumentos internacionais, cartas e declarações que o Brasil ratificou.

No ano 2005, a TI RSS foi ratificada como terra tradicional indígena através do Decreto Presidencial de homologação, devendo-se aplicar seus efeitos dos direitos constitucionais.

Nas últimas duas semanas, violência, ameaças e discriminação contra os povos indígenas intensificaram-se em razão da oposição aos preparativos iniciais da operação de retirada dos ocupantes ilegais da RSS. A operação foi anunciada pelo Governo Federal no final de março. Em resposta a esse posicionamento do Governo, criou-se um maior clima de instabilidade e insegurança na terra indígena por parte dos opositores, com o intuito de pressionar e justificar a suspensão de tal operação. No dia 09 de abril de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em caráter liminar pela suspensão da operação de desintrusão da Raposa Serra do Sol, substituindo a esperada iniciativa de implementação do Decreto Presidencial pelo sentimento de injustiça e abandono dos Povos Indígenas frente ao judiciário nacional. O Estado brasileiro sinaliza assim para um retrocesso geral no reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas no país.

- Solicitar que, em atenção ao acompanhamento seu Relator Especial sobre Direitos dos Povos Indígenas solicite informações ao Estado Brasileiro quanto a adoção das medidas necessárias para proteger os direitos dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.

- Visite o Brasil para monitorar a situação dos direitos humanos dos Povos Indígenas da TI Raposa Serra do Sol-RR.

Dentre as medidas urgentes e necessárias inclui-se: dar prosseguimento, tão logo possível, com a referida operação de retirada dos ocupantes ilegais da terra indígena RSS - à luz da decisão do dia 9 de abril do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a operação - e; tomar as medidas necessárias para garantir a vida e integridade física dos povos indígenas durante a operação de desintrusão.

Situação atual e urgente na RSS

No dia 25 de março, a Polícia Federal e outros servidores federais começaram a chegar em Boa Vista, capital de Roraima, dando sinais de que esperada operação de desintrusão da terra indígena RSS - inclusive com a retirada dos arrozeiros que resistem em sair da área - estaria prestes a acontecer. Inicialmente foram em Roraima por volta de 100 policiais federais, e esse número aumentou para 500 agentes destacados para efetivar a operação de retirada. Infelizmente, como no passado , o anúncio de ações positivas do Governo Federal para fazer cumprir os direitos dos povos indígenas da RSS é seguido de represálias, ameaças, intimidações e ataques violentos de opositores às comunidades indígenas, seus membros, bens e instituições. Aumentam também o vigor dos discursos discriminatórios que colocam a sociedade roraimense e brasileira contra os povos indígenas .

Depois do anúncio, manifestantes chegaram à RSS em caminhões e ônibus para protestar, tumultuar, intimidar e atacar as comunidades indígenas. Casas e pontes foram queimadas, uma bomba caseira foi explodida, ferindo uma liderança indígena; a Escola Estadual Indígena Padre José de Anchieta foi invadida, e encontra-se até hoje fechada, impossibilitando assim as aulas; e os acessos (estradas, balsa e pontes) á RSS foram bloqueados ou destruídos para dificultar a presença da Polícia Federal. Estes eventos estão descritos detalhadamente na cronologia a seguir. (Anexo I)

No dia 07 de abril de 2008, auge de toda a violência incentivada por arrozeiros em represália à Operação de retirada dos não índios do interior da Raposa Serra do Sol, o Governo do Estado de Roraima, ingressou perante o Supremo Tribunal Federal - STF com a Ação Cautelar no 2009 pedindo a suspensão da Operação Upatakon 3 que seria iniciada pela Polícia Federal. Argumentou-se que a realização da operação afetaria a ordem pública aumentando a insegurança e instabilidade naquele estado. Com a Ação Cautelar, o Governador de Roraima deixou os opositores à demarcação da RSS ganharem com a violência e insegurança gerada por eles mesmos.

No dia 09 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu unanimemente pela suspensão da operação atendendo ao pedido liminar da Ação Cautelar 2009. A decisão acatou o argumento da ameaça à ordem pública pela instabilidade e hostilidade criada em torno da referida operação de retirada dos ocupantes ilegais da RSS. Em notícia sobre a decisão, o Supremo Tribunal Federal ainda fez referência ao ilegítimo argumento dos rizicultores sobre a "pequena" porcentagem da terra indígena em disputa; e ao descabido argumento do general comandante da região militar, que se opõe à operação e ainda e adverte que "o Brasil pode perder uma parte de Roraima, justamente parte da área em conflito que se localiza na fronteira com a Venezuela". O STF, ao considerar tais argumentos, sem qualquer referencia às inúmeras violações e privações que vem sofrendo os povos indígenas em razão dessa pequena mas forte e opressora resistência de ocupantes que visa minar a organização do povos indígenas, suas vidas e culturas, coloca o Estado brasileiro numa posição delicada quanto a uma inaceitável negociação desse direito fundamental indígena.

Por votação também unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, no dia 10 de abril, o pedido de liminar formulado pela União na Ação Cautelar (AC) 2014 e manteve sua decisão no sentido de suspender operações policiais que tivessem por objetivo a desocupação de parte da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ainda ocupada por não-índios. A suspensão deve durar, até o julgamento de mérito de pelo menos uma das ações judiciais que tramitam no STF com objetivo de evitar a desocupação da área. Além das ações recentemente propostas contra o cumprimento do decreto de demarcação da RSS, existem inúmeras outras ações impetradas no STF com o intuito de postergar a implementação do decreto presidencial, ganhando tempo e enfraquecendo o direito constitucional dos povos indígenas à terra.

Evidencia-se aqui um caso de justiça negada aos povos indígenas e um exemplo do uso perverso das Cortes e processos judiciais domésticos para retardar, senão negar, a reivindicação de direitos humanos dos povos indígenas. Enquanto os povos indígenas carecem de recursos legais perante os tribunais brasileiros, para garantir que o Governo nacional execute de maneira conclusiva o Decreto Presidencial que estabeleceu a retirada dos ocupantes não índios até abril de 2006, os opositores à demarcação - contando com+ um Judiciário ineficaz - exercem seus direitos às garantias judiciais de maneira a comprometer todo e qualquer senso de justiça, ferindo inclusive o devido processo legal.

Assim, diante da decisão do STF, a operação de desintrusão foi suspensa antes mesmo de começar de fato, deixando os povos indígenas de RSS vulneráveis à violência por parte dos arrozeiros e outros opositores. Fazendo vistas grosas para os contínuos atentados cometidos contra as comunidades indígenas e sob a pressão da violência e ameaça dos opositores, a decisão do STF pela suspensão da Operação Upatakon 3 na Raposa Serra do Sol (a maior mobilização de pessoas e recursos federais para a retirada dos ocupantes ilegais da RSS) demonstrou que o estado de Direito e a proteção dos direitos dos povos indígenas está em risco no país. O Brasil não pode cumprir com suas obrigações de direito internacional se seu comprometimento com os direitos humanos demonstra tamanha vulnerabilidade.

Comemorada como vitória pelos opositores, a liminar do STF passa a ser usada como um aval para que os invasores da área prossigam com suas atividades de colonização da RSS (com plantações de monocultura de arroz, degradação do meio ambiente, entre outros), e para paralisar o procedimento de regularização fundiária da terra indígena. A referida decisão do STF já teve repercussão nas comunidades. No dia seguinte ao julgamento, um grupo de empregados e cooptados dos rizicultores iniciou manifestações de violência na comunidade indígena Barro, região Surumu, destruindo uma pequena lombada que a comunidade havia construído para se proteger da circulação de veículos e motos conduzidos por homens armados em alta velocidades que lhes ameaçam continuamente. Os peticionários temem que este tipo de episódio volte a occorer nas comunidades, com mais frequencia e peso, especialmente uma vez que a Policia Federal e outras agências do governo federal deixam a área.

Assim, os invasores - e vale lembrar aqui que são apenas uma minoria de gente cuidando dos seus próprios interesses econômicos - têm seus interesses protegidos por decisões liminares, enquanto os povos peticionários perdem definitivamente, a cada dia, o direito a usufruir integralmente de suas terras. Mesmo que posteriormente esta decisão do STF venha a ser revertida, muitos dos danos causados às comunidades já são irremediáveis.

A necessidade de medidas urgentes

A situação atual na RSS é de grande incerteza e de angústia diante da mais recente decisão do STF e evidencia a necessidade de medidas urgentes. Os últimos acontecimentos feriram as medidas cautelares outorgadas e reafirmadas pela Comissão, tanto na proteção das comunidades, quanto no seu direito de livre circulação e no gozo de seus direitos territoriais. As ameaças de violência quando do anúncio da Operação eram reais, e com todos os acessos à RSS bloqueados, as comunidades foram cercadas. Agora, com a decisão de suspender a operação e a ainda maior ausência da Policia Federal na área, as comunidades encontram-se sem proteção, vulneráveis às represálias dos opositores, que sentem que ganharam, com a sua estratégia de ameaças, violências e táticas illegais.

As medidas cautelares vigentes objetivam evitar novas violências e proteger os direitos dos povos indígenas da RSS, inclusive o direito de livre circulação. Infelizmente, a dinâmica jurídica em torno da RSS só fez aumentar o ambiente violento contra os povos peticionários, ao mesmo tempo em que deixou suas terras sem nenhum amparo legal. No caso dos povos peticionários, sua vulnerabilidade física tem relação direta com a situação precária de suas terras em meio a um ambiente tremendamente hostil, como o do estado de Roraima.

Os Povos Indígenas reconheceram e apoiaram os órgãos federais envolvidos na Operação Upatakon 3, que parecia ser o verdadeiro início da retirada total dos ocupantes não indígenas da RSS, para finalmente fazer cumprir o Decreto Presidencial de Homologação da RSS fazendo valer o direito dos povos indígenas a terra. Diante do quadro de ameaça e violência criado pela oposição, entretanto, o Estado parece ter recuado com a decisão do STF em suspender a operação, ainda que sem embasamentos jurídicos consistentes. Isso porque as medidas proferidas no âmbito domestico na Corte Suprema (STF) vão em sentido contrário à proteção dos direitos dos povos peticionários. Ademais, inexiste qualquer outra instância doméstica a qual acudir para reverter esta situação, restando ao Direito Internacional manifestar-se a respeito.

A maneira com que essa operação seja conduzida e finalizada determinará os rumos dessa nova página de vida para os povos da RSS. A atmosfera de estabilidade e segurança essenciais para o desenvolvimento político, econômico e cultural das comunidades no futuro depende dos encaminhamentos deste presente momento. Ao mesmo tempo que há risco de grande violência, se o Governo voltar atrás em mais esse compromisso assumido com os povos indígenas da RSS (e exemplo para todos os povos indígenas do país), ele estará permitindo que violações de direitos indígenas sejam aceitáveis, fortalecendo assim esse movimento anti-indígena que tenta se impor em Roraima. Se o Governo não tomar todas as medidas necessárias para proteger os povos indígenas durante todo o período da operação de desintrusão (inclusive nessa fase inicial de preparo e mobilização), o que inclui a presença da polícia federal nas áreas mais vulneráveis (identificáveis em consulta ao CIR) também durante as noites, além da prisão e processamento exemplar dos líderes dessa oposição que vem se utilizando de ações criminosas contra os povos indígenas (especialmente Paulo César Quartiero), o Brasil estará longe de garantir os direitos humanos dos povos indígenas.

Se o Brasil estiver seriamente comprometido em solucionar a situação na RSS, deverá manter seu posicionamento e tão pronto possível completar o processo de retirada desses ocupantes que vêm gerando inúmeros conflitos na RSS. E, ao prosseguir com tal operação, o Governo deverá aumentar suas medidas de segurança para garantir proteção às comunidades indígenas e seus membros, além de agir com justiça e prontidão em relação a esses manifestantes que estão agindo contra a lei.

Pedidos

Os povos indígenas da TI Raposa Serra do Sol, através de sua Organização Indígena Conselho Indígena de Roraima - CIR ainda pedem que, em virtude do caráter urgente da situação atual, a Comissão reforce seu diálogo com o Governo para:

o Encorajar o Judiciário a concluir com decisão de mérito as ações sobre a RSS que há anos seguem pendentes nas cortes nacionais e especialmente no Supremo Tribunal Federal, para solucionar histórica negação aos povos indígenas do direito a remédios judiciais adequados e eficientes, como requer a Convenção Americana de Direitos Humanos;

o Considere outros meios constitucionais para assegurar que outros procedimentos judiciais não impeçam a desintrusão, particularmente quando se tratar de assuntos como o pagamento por benfeitorias ou compensação, visto que esses assuntos podem ser lidados entre os interessados (Estado e ocupante não indígena) depois da retirada evitando-se prejudicar as comunidades indígenas; e

o Tome todas as medidas possíveis para assegurar que os recursos federais já mobilizados para a operação em Roraima não sejam retirados ou inviabilizados enquanto o STF delibere sobre os casos pendentes. Que os referidos recursos passem a ser usados para proceder com os devidos embargos ambientais das atividades destacadas em violação da lei ambiental, tal como o Governo havia apresentado em planejado, e para garantir a segurança das comunidades indígenas até que se confirme a autorização para proceder e concluir com a operação de desintrusão.

Tais recomendações seriam consistentes com o próprio reconhecimento do Governo em relação aos direitos dos povos da Raposa Serra do Sol, e seu desejo expresso de completar a desintrusão em tempo razoável.

Com saudações indígenas,

Joenia Batista de Carvalho

Coordenadora do Departamento Jurídico - CIR

ANEXO I

Cronologia de eventos recentes

02-11 de março de 2008: CIR realiza Assembléia Geral e enfrenta novas violências e ameaças (incluindo a queima de 12 casas indígenas)

Tendo em vista o clima de tensão que se iniciou no mês de março com os rumores de uma operação federal para a retirada dos ocupantes não indígenas da RSS; a experiência dos ataques e ameaças ocorridos durante a mesma Assembléia em 2007 ; e as ameaças para que o CIR não realizasse a sua tradicional reunião anual das lideranças indígenas com representantes dos diversos órgãos de Governo (FUNAI, IBAMA, MPF e governo estadual) dentro da terra indígena RSS, o CIR solicitou segurança da Polícia Federal.

Na semana da reunião do CIR foram lançados rumores de que o Governo Federal estaria negociando com o governo estadual para adiar a operação de desintrusão. Um clima de ansiedade e preocupação em razão da falta de informações concretas sobre o que se passaria na RSS foi instaurado na terra indígena. A ausência de segurança levou a que em na madrugada do dia 08 de março, 08 casas indígenas fossem queimadas na comunidade Mutum, somando-se às 4 casas que haviam sido incendiadas poucos dias antes por pessoas que foram identificadas como relacionadas a um dos garimpeiros ilegais que resiste em sair da RSS. Perto do local da Assembléia pessoas indígenas testemunharam caminhões e motos (aparentemente pertencentes aos arrozeiros) circulando a área, provocando pessoas, atirando no ar e ameaçando um confronto violento. Uma bomba foi explodida para assustar e interferir com a Assembléia.

A polícia federal só esteve presente durante uma tarde para acompanhar a participação do Ministro Mangabeira Unger (Ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos) na reunião.

25 de março de 2008: Manifestantes contra a demarcação da RSS reúnem-se na RSS para protestar contra o início da operação de desintrusão.

Neste dia o Delegado da Polícia Federal encarregado da operação e desintrusão da RSS (chamada Upatakon 3) chegou em Boa Vista para organizar o que chamou de preparativos finais. Junto com o delegado vieram muitos policiais federais e foi anunciado que a partir de então mais policiais estariam chegando à capital para a operação.

No mesmo dia o Tribunal Superior Eleitoral absolveu o ex-Prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero - um dos arrozeiros mais hostis da área - das denúncias de crimes eleitorais que levaram à cassação de seu mandato de prefeito. Para "comemorar" a notícia e iniciar os protestos contra a operação de desintrusão, os ocupantes não indígenas que ainda permanecem na comunidade do Barro (área Surumu) e empregados do arrozeiro reuniram-se na área , beberam nos bares instalados por não indígenas dentro da comunidade, e saíram em passeata pelas ruas, provocando pessoas, gritando ameaças de ataques e incêndios de casas na noite seguinte, e atirando foguetes em direção às casas indígenas que têm coberturas de palha. CIR comunicou a Polícia Federal sobre tais incidentes.

26 de março de 2008: Governo Federal anuncia publicamente a operação de desintrusão na capital e a insegurança aumenta na RSS.

No dia 26 de março, em reunião da Polícia Federal, FUNAI, IBAMA, ANA, INCRA, MPF e outros órgãos federais com lideranças indígenas na sede do CIR em Boa Vista, foram anunciados os preparativos para o início efetivo da operação de desintrusão da RSS. As autoridades presentes explicaram que a operação não começaria pela retirada dos ocupantes, senão pelos embargos e multas das fazendas e das atividades que violam a lei ambiental brasileira, dando tempo para que mais pessoas saiam da área voluntariamente. Os representantes dos órgãos presentes comprometeram-se a prestar um plantão emergencial de serviços 24 horas para atender às denúncias das comunidades, e prometeram não sair de Roraima até que todos os ocupantes não índios tivessem saído.

Concretizando sua ameaça de resistência a todos os modos, naquela noite um grupo relacionado ao arrozeiro e líder da oposição Paulo Cesar Quartiero colocou fogo no Malocão do Surumu, na Comunidade do Barro. Felizmente membros da comunidade chegaram a tempo para apagar o fogo. A comunidade do Barro tem sofrido ataques constantes e crescentes desde a mobilização do Governo Federal (na capital) para a possível desintrusão na RSS. Desde então, os arrozeiros intensificaram suas atividades de oposição deixando os povos indígenas da RSS à mercê do perigo e do medo. A chegada de mais manifestantes a cada dia, a ausência da Polícia Federal durante os horários mais críticos e a dificuldade do acesso à área deixa a comunidade indígena em situação de maior vulnerabilidade e isolamento, o que se agrava com a falta de posicionamento da Polícia Federal para evitar os conflitos na área.

27 de março de 2008: Polícia Federal vai a RSS para averiguar denúncias do CIR.

A situação na RSS passou a um nível crítico de tensão com aumento do número de pessoas ligadas à oposição levadas à terra indígena para protestar contra a RSS, usando todos os tipos de táticas para resistir à retirada e provocar a suspensão ou cancelamento da operação de desintrusão. Bloqueios, incêndios de casas e pontes, explosão de bombas, intensificação das ameaças contra lideranças indígenas, e ataques contra os bens coletivos e individuais. Em anexo encontram-se as cartas que o CIR enviou recentemente ao Governo brasileiro informando desses eventos e solicitando que as devidas medidas sejam asseguradas para proteger as vidas e integridades físicas dos moradores da RSS durante a muito esperada desintrusão. A Polícia Federal foi à área pela primeira vez no dia 27, mas apenas para averiguar a situação e as denúncias do CIR, sem o intuito de permanecer e começar a retirada dos ocupantes ilegais e manifestantes recém chegados.

28 de março de 2008: Polícia Federal vai a 2 áreas da RSS (Surumu e Raposa) e deixam os indígenas vulneráveis a ataques durante a noite.

Na manhã do dia 28, 100 agentes da polícia federal retornaram ao Surumu. Apesar da sua presença, mais caminhões cheios de pessoas chegam para se juntar aos manifestantes contrários à demarcação da terra indígena.

A imprensa local tem passado a imagem de que os ocupantes não índios, inclusive o arrozeiro Paulo César Quartiero que está sendo acusado de inúmeros ataques criminosos contra as comunidades indígenas, são as "vítimas" desse processo, ignorando assim a história de discriminação, marginalização e abuso perpetrados contra os povos indígenas da RSS.

29 de março de 2008: Policia Federal vai ao Surumu avaliar instalações para uma base de operação dentro da RSS.

No dia 29 a Polícia Federal visitou a escola indígena Padre José de Anchieta na comunidade do Barro. A escola serviria de base para a futura acomodação dos policiais federais que chegariam para a eventual operação de desintrusão. Antes de chegar ao local a Polícia encontrou dificuldades nas pontes de acesso que foram danificadas, e com pregos que foram colocados na estrada para furar os pneus. A Polícia encontrou e prendeu um motoqueiro empregado do Sr. Quartiero que jogava tais pregos na estrada. O empregado foi solto após pagar fiança.

30 de março de 2008: Oposição continua a chegar e bloqueia pontes de acesso a RSS.

No dia 30, dois ônibus com aproximadamente 70 sem-teto da invasão "Brigadeiro", de Boa Vista, chegaram ao Surumu para apoiar os rizicultores. Para integrar os protestos, eles teriam sido enganados com a promessa de doação de terras em Pacaraima. O deputado federal Márcio Junqueira foi visto em Boa Vista incentivando pessoas a irem protestar na RSS, com a promessa de emprego.

Durante a noite, manifestantes bloquearam a ponte Cauamé na BR 174 que liga a RSS à Boa Vista. O CIR informou à Polícia Federal mas não recebeu resposta sobre o que seria feito para garantir esse acesso da área indígena para a capital. Outras denúncias de ataques, tentativas e ameaças contra suas pessoas, famílias e casas foram encaminhadas à Polícia Federal por diversos membros das comunidades indígenas.

31 de março de 2008: Acesso à RSS fica ainda mais comprometido e outros ataques ocorrem durante a noite.

Na segunda-feira (31), a manifestação se concentrou na Raposa Serra do Sol, principalmente na região de Surumu. Naquele dia, as pontes de madeira do igarapé Araçá e do Araújo, que ligam Pacaraima a Surumu foram queimadas para impedir a chegada dos agentes federais. Os arrozeiros também tomaram o controle da balsa de acesso a RSS pelo rio. No mesmo dia, a ponte do rio Surumu foi bloqueada por indígenas contrários à homologação, apoiados por rizicultores. Tratores, carretas e colheitadeiras agrícolas foram estacionadas em cima da ponte impedindo o acesso ao local. As máquinas continuam no local até hoje.

A Polícia Federal chegou à ponte para desobstruí-la, mas declinou da intenção devido à presença de mulheres e crianças. No entanto, segundo a Polícia, os agentes teriam sido hostilizados pelo rizicultor Paulo César Quartiero, que foi preso em flagrante por desacato, desobediência e bloqueio de via pública. Conduzido a Boa Vista ele foi liberado após pagar fiança de R$ 500. Nessse dia manifestantes invadiram a Escola indígena Padre Anchieta, ameaçaram professores e alunos e colocara uma faixa com o dizer "Pátria ou Morte!" Durante a noite, o tuxaua Moacildo da Silva Santos da aldeia do Barro (área da antiga vila Surumu) foi atingido por uma bomba caseira lançada por um motoqueiro na porta da sua maloca (casa). O motoqueiro participava um pouco antes das manifestações de protesto. O tuxaua foi socorrido pela família e no outro dia removido de avião para atendimento em Boa Vista. Atendido no hospital geral ele foi liberado em seguida.

Ainda no dia 31, o coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Dionito José de Souza, promoveu uma reunião com a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Advocacia Geral da União, Funai e Comitê Gestor da Presidência da República. Dionito solicitou proteção às comunidades da Raposa Serra do Sol. As autoridades garantiram que a Operação não vai parar por pressão dos arrozeiros. Em Boa Vista, o CIR tem enfrentado dificuldades até mesmo de entrar no prédio da Polícia Federal para levar suas denúncias já que manifestantes ligados aos rizicultores permanecem no local protestando e intimidando as pessoas. Ainda assim, o CIR tem encaminhado todas as suas reclamações às autoridades competentes.

Diante da falta de medidas efetivas por parte do Estado, para evitar essa situação de conflito que era previsível e, preocupados com a situação na comunidade do Barro, membros da região das Serras chegaram ao Surumu para tentar impedir que a situação se agrave ainda mais. Há uma possibilidade concreta e iminente de conflito se as autoridades públicas não se empenharem nesse momento e garantir a ordem e prosseguir com a operação sem sucumbir às pressões.

01 de abril de 2008: últimos acessos à RSS são destruídos e manifestantes vindos de Pacaraima se reúnem no Surumu.

No dia 1o de abril, o governador Anchieta Júnior, junto como secretário de segurança Cláudio Lima, foram até Surumu e reuniram-se com os manifestantes em busca de um acordo de paz. A resposta foi negativa. No mesmo dia, os manifestantes bloquearam a ponte do rio Cotingo que fica localizada próxima à maloca do Contão, e destruíram a ponte de madeira do Banco, isolando completamente o acesso às lavouras de arroz. Enquanto isso, mais pessoas chegavam de Pacaraima para protestar e tumultuar na comunidade do Barro (Surumu). Paulo César anunciou à imprensa brasileira que o "conflito é inevitável". Apesar de seu conhecido envolvimento, junto com o Deputado Márcio Junqueira e seus respectivos empregados e aliados em inúmeros ataques violentos e ameaças contra as comunidades indígenas, nenhum deles foi preso por tais crimes. Cumpre ressaltar que entre as medidas cautelares adotadas pela Comissão consta a investigação séria e exaustiva dos ataques denunciados.

02 de abril de 2008: manifestantes aterrorizam indígenas e fazem reféns.

No dia 2 de abril, o CIR foi informado que a ponte sobre o igarapé Grande, acesso para Normandia, teve os pilares serrados com moto-serra e que a cabeceira da ponte do rio Surumu foi destruída com explosivos utilizado pelos manifestantes. O tuxaua da comunidade do Barro, relatou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal que homens estão andando livremente pela aldeia armados com pistolas, rifles e revólveres, além de estarem fabricando bombas caseiras a partir de explosivos, pregos e pedaços de vidro. Ainda no mesmo dia, dois homens foram feitos reféns dos manifestantes em Surumu. Os líderes dos protestos suspeitaram que eles seriam espiões da PF infiltrados na região. Após duas horas de cárcere eles foram liberados.

A Polícia Federal não divulga a data de concretização da Operação Upatakon 3 e a efetiva retirada dos arrozeiros, mas todos os dias chegam mais agentes em Boa Vista e espera-se um contingente de 500 policiais federais. Preocupa saber se a presença de tais policiais servirá apenas para garantir a segurança dos servidores federais envolvidos na operação ou se também beneficiará as comunidades indígenas. Apesar dos riscos que corre as comunidades, o CIR reforça a necessidade urgente da retirada dos arrozeiros. Dessa maneira, os peticionários informam à Comissão na esperança de que as instituições do Estado vão fazer cumprir a lei e amparar os direitos indígenas.

04 de abril de 2008: CIR apresenta testemunhas indígenas para depor sobre a violência dos arrozeiros para Policia Federal e Ministério Publico Federal

Durante a madrugada, com muita dificuldade de deslocamento em razão do tráfego de carretas e caminhões na estrada da BR 174 instalado para dificultar a passagens de veículos e para ameaçar de agressão, o CIR e equipe de policiais federais, conseguiram chegar até a comunidade indígena mais próxima de Surumu. A equipe trouxe sete lideranças indígenas que prestaram depoimentos à Policia Federal na presença do Ministério Público Federal. As lideranças relataram as violência que sofreram com o anúncio da Operação Upatakon 3, e o estado de insegurança e desproteção que lhes assistem. Por outro lado, cobraram a retirada dos não índios da RSS e informam que a cada dia, o rizicultor Paulo César realiza novas táticas de armadilhas contra a operação, mantendo a comunidade indígena Barro e lideranças indígenas presentes nela em situação de "cárcere".

5 - 6 de abril de 2008: Com mais pontes queimadas, o clima de insegurança aumenta.

Durante o fim de semana, a ponte na terra indígena vizinha de RSS, São Marcos, foi queimada, e a ponte sobre o rio Maú foi quebrada pelos manifestantes contrários á retirada. O Malocão (casa de reunião tradicional) da comunidade indígena de Socó tambem foi queimada.

07 de abril de 2008: Governo de Roraima entra com ação no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar para suspender a operação de desintrusão da RSS pela Policia Federal.A tensão continua aumentando e se extende para Pacaraima. Uma pessoa, David Amaro Conceição, foi preso e indiciado por tentar explodir a sede da Polícia Federal em Pacaraima.

08 de abril de 2008: Advogado de 14 grandes arrozeiros, Valdemar Albrecht, vai para Brasília acompanhar a tramitação de um pedido de liminar no qual o grupo pede à Supremo Tribunal Federal a suspensão da Operação Upatakon 3.

09 de abril de 2008: O Supremo Tribunal Federal durante plenária de julgamento decide conceder o pedido da Ação Cautelar 2009 interposta pelo Estado de Roraima no sentido de suspender qualquer operação tendente a retirada dos não índios, em especial da denominada Operação Upatakon 3, enquanto não forem julgadas outras ações judiciais existentes no STF que versem sobre a demarcação da Terra Indígena . Desta forma, os ocupantes ilegais estão garantidos na permanência no interior da terra indígena, continuando suas práticas de exploração e ameaças de violência.

As informações divulgadas pelo STF sobre a sua decisão preocupam, pois citam fundamentações políticas e não jurídicas. Existem atualmente pelo menos quatro ações no STF questionando o processo de demarcação da RSS. Nenhuma delas, entretanto, traz decisão paralisando o processo. A decisão tambem vai em contra de decisões anteriores emitidos pelo mesmo ministro, que tão recentemente que no dia 12 de março, negou pedido de liminar em ação possessória interposta por Paulo César Quartiero, ponderando que ele havia adquirido sua fazenda em 2001, depois da demarcação da Terrra Indígena. Na sua decisão, ele ainda afirmou que a permanência do Quartiero poderia estimular a resistência de outros ocupantes.

Anexo II - cópias dos Documentos que acompanham os informes:

1. Cartas do CIR as autoridades brasileiras requerendo providencias sobre as violências na RSS

2. Depoimentos na Policia Federal sobre os fatos ocorridos na RSS

3. Recortes de Jornais locais

4. relatório sobre a situação dos ocupantes não índios na RSS

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