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Em RO, Marcelo dos Santos viveu em aldeia e investigou genocídio de índios

Globo Amazônia - http://www.globoamazonia.com/
Autor: Lucas Frasão
12 de Dez de 2010

Ele teve de fugir de área com madeireiros escondido em viatura da PF.
Esforço para encontrar isolados resultou no documentário Corumbiara.

Na década de 1970, ele deixou sua casa em São Paulo para fazer novos irmãos entre índios nambiquara, que habitam a região de divisa de Rondônia com Mato Grosso. Passou mais de 14 anos ao lado deles, vivendo em uma aldeia. Mas precisou sair da área camuflado em um carro da Polícia Federal, após sucessivos episódios de violência envolvendo práticas ilegais de extração de madeira.

"Saí por uma questão de violência da atividade madeireira. Todos os meus colegas acabaram sendo afastados por uma máfia que se instalou na década de 1980 para facillitar a venda de madeira indígena dos suruí, dos cinta-larga e dos nambiquara", diz o sertanista Marcelo dos Santos, que completa 35 anos de trabalho dedicado à proteção dos índios em 2010, ano que simboliza o centenário do indigenismo no país, cujo marco inicial foi a inauguração do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPI), em 1910.

Indigenista desde 1975, Santos atuou a maior parte de sua carreira em Rondônia, um dos estados mais violentos do país para a questão indígena, segundo a economista e antropóloga Betty Mindlin. Seu envolvimento foi tão grande que ele chegou a fazer parte de uma família indígena de nambiquaras.

"Andava muito no mato com eles e passei a participar da família. Depois de 5 ou 6 anos com os nambiquara, vi que meu papel era o de sedentarizador da vida indígena". Mas houve um indígena, irmão de Santos, que começou a se interessar pela venda de madeira da reserva, como ocorreu com diversas aldeias da região, cooptadas por colonos cada vez mais abundantes que chegavam do Sul do país atraídos por generosos subsídios do governo para ocupar Rondônia.

O indigenista havia passado cerca de um ano e meio afastado da tribo, cumprindo missões administrativas na cidade de Vilhena, e ficou sabendo do interesse de seu irmão indígena em vender madeira quando retornou à aldeia. "Quando voltei, ele resolveu brigar comigo. Isso foi muito traumático para mim e virou uma grande confusão dentro da aldeia. Ele estava determinado de que eu tinha de sair", lembra Santos. "Quando cheguei lá, em 1976, disse: 'nenhum branco vive com vocês se vocês não quiserem. E só fico aqui convivendo com vocês se assim acharem necessário", lembra.

Santos saiu. Mas indígenas que viviam na aldeia resolveram acompanhá-lo. "Fui levá-los de volta às aldeias de origem deles e no meio do caminho encontramos madeireiros", diz. Eles estavam dentro de território nambiquara. Santos avisou por rádio sobre a invasão. "Fomos lá, uns 5 índios armados. Os nambiquara são muito loucos e chegaram atirando. O problema com os madeireiros já estava se prorrogando por muitos anos", conta. "Os madeireiros estavam acostumados a esse tipo de comportamento e também começaram a atirar. Houve um grande tiroteio e os madeireiros saíram correndo. Quando saímos da mata, 5 madeireiros armados estavam nos esperando. Ficamos presos no mato e eles no asfalto".

A confusão prosseguiu naquela dia de 1991 e os madeireiros só saíram do local quando apareceu um de seus colegas que havia se perdido no mato. Nos dias seguintes, porém, Santos recebeu informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de que madeireiros estavam enchendo 3 caminhões com gente suficiente para atacar os indígenas. "Iam acabar com tudo", diz o indigenista. Ele acionou organizações não governamentais e a Polícia Federal, que apareceu por lá na manhã seguinte para colher depoimentos sobre os conflitos. "Minha saída da área foi um bocado triste. Colegas, a esposa e os filhos disseram para eu sair de lá senão ia morrer. A Polícia Federal me colocou no chão do carro, me
tampou e me tirou de lá."

Santos passou a trabalhar com índios isolados, com os quais já havia vivido outras experiências nos anos de 1980. No sul de Rondônia, ele se deparou com situações de conflitos gerados pela ocupação da Amazônia pelo homem branco, quase sempre com saldo negativo para os habitantes originais. A terra havia sido dividida nos anos de 1970 e nela foram criadas grandes propriedades rurais, algumas em áreas onde viviam índios isolados.

Em 1985, o indigenista presenciou o que pode ter sido o genocídio de um grupo da região, crime ainda não comprovado por falta de investigações oficiais. "Achamos vestígios de indígenas, mas os fazendeiros já haviam passado com tratores por cima das picadas na mata. Houve uma estratégia de desaparecer com todos os vestígios desse povo", diz Santos, referindo-se ao que ficou conhecido como o massacre de Corumbiara. Impedido de entrar na área pelos fazendeiros e sem poder investigar o caso, Santos deixou o local e foi substituído por outra equipe da Fundação Nacional do Índio. Segundo ele, os novos funcionários tinham acordo com proprietários da fazenda e o órgão emitiu um relatório afirmando que ali não havia indígenas isolados.

Santos voltou ao local anos depois. "Só havia uma bolinha de mata e mais de 90 mil hectares tinham sido destruídos. Levei 2 jornalistas e um cineasta para acompanhar a expedição. Não tínhamos autorização para entrar e escapamos de uma cilada, pois havia 2 homens armados em baixo de uma ponte esperando para nos matar. Mas sabíamos que, se achássemos os índios, detonávamos todo o processo".

O cineasta era Vincent Carelli, que já havia trabalhado na Funai e dedicava-se a pesquisar o paradeiros dos sobreviventes do massacre no sul de Rondônia. Ele filmou o momento em que a expedição encontra os indígenas. "Primeiramente fiquei reticente", lembra Santos. "Esperamos eles fazerem contato e não sabíamos que ainda tinha um outro grupo vivendo a 2 quilômetros dali."

O resultado das filmagens foi editado no documentário Corumbiara, que estreou no festival É Tudo Verdade em 2009 e foi premiado no Brasil e no exterior. Carelli chegou a ser preso por um dos fazendeiros durante as filmagens e quase foi assassinado. Após mostrar o resultado de seu esforço, que incluiu a busca por outros indígenas que compreendessem a fala dos isolados para poder estrevistá-los, Carelli pede em entrevistas para que autoridades investiguem o caso com mais profundidade.

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