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Em julgamento, acusados assumem crime

FSP, Brasil, p.A11
10 de Dez de 2005

Fogoió e Eduardo dizem que ordem de matar freira partiu de Tato e isentam de envolvimento os fazendeiros Bida e Taradão
Em julgamento, acusados assumem crime
Kátia Brasil
O julgamento dos acusados de assassinar a missionária Dorothy Stang começou ontem, em Belém (PA), com Rayfran das Neves Sales (o Fogoió) e Clodoaldo Carlos Batista (o Eduardo) assumindo o crime e atribuindo a ordem de matá-la a Amair Feijoli da Cunha (o Tato), que era apontado nas investigações da polícia e do Ministério Público como o intermediário entre os pistoleiros e os mandantes do assassinato.
Nascida em Ohio (EUA), mas naturalizada brasileira, a missionária Dorothy Stang foi abordada, no dia 12 de fevereiro, por Fogoió e Eduardo quando se dirigia a uma reunião com agricultores na zona rural de Anapu (PA), cidade em que vivia. Foi assassinada, aos 73 anos, com seis tiros.
Morando desde os anos 70 no Brasil, Stang trabalhava pela implementação de um PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável) em área reivindicada por fazendeiros e grileiros.
Segundo as investigações do Ministério Público e da polícia, os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura (o Bida) e Regivaldo Pereira Galvão (o Taradão) foram os mandantes do crime. Ontem, no julgamento no Tribunal do Júri, Fogoió e Eduardo isentaram Bida e Taradão de estarem -até onde sabem- envolvidos no caso.
Bida, Taradão e Tato também estão presos, mas a data dos julgamentos ainda não foi marcada.
"Fui contratado pelo Amair [Tato] para matar ela [Dorothy]", afirmou Fogoió. "Ele dizia que tinha que matar a velha porque eu trabalhava para ele."
Fogoió destituiu seu advogado de defesa em plena sala de julgamento. O advogado Eduardo Imbiriba planejava reduzir a pena de Fogoió para homicídio simples -em vez de duplamente qualificado, como quer a acusação- alegando que a morte havia sido resultado de rixa entre o acusado e a freira, não um crime de mando. A defensora pública Marilda Cantal, que já cuidava de Eduardo, assumiu também a defesa de Fogoió. "Fogoió mandou avisar que não queria mais advogados financiados por Bida porque iria falar toda a verdade", disse ela.
"A manobra [mudança da defesa] é para inocentar os que estão por trás do financiamento [da recompensa pela morte]", disse o promotor Edson Cardoso.
No depoimento, Fogoió afirmou que foi Tato quem o mandou cometer o crime, mas negou ter negociado recompensa.
"Ele [Tato] me falou que eu tinha que fazer o serviço ali [matar Dorothy] porque trabalhava para ele e disse [na noite anterior]: macho frouxo e medroso, vai plantar o capim e leva o revólver."
Fogoió disse ainda que Tato lhe entregou o revólver calibre 38 usado no crime. "Essa arma me foi entregue pelo Amair [Tato]. Ele me apresentou essa arma no dia em que fui plantar [dia do assassinato]. Um dia antes, disse: rapaz, temos que matar essa velha, senão ela vai matar a gente."
Fogoió admitiu que Bida ajudou na fuga, mas negou seu envolvimento como mandante do crime e com pagamento de recompensa. Eduardo foi pela mesma linha, inocentando Bida, em duas horas de depoimento. As sentenças devem sair hoje.
Na sala de julgamento, acompanharam os depoimentos cerca de 200 pessoas, incluindo parentes de Dorothy, a representante da ONU Hina Jalani e a atriz Letícia Sabatella. Outras mil pessoas ouviram o depoimento -transmitido por caixa de som- acampados na praça Felipe Patroni, no centro, em barracas de lona para fugir da chuva, que caiu durante todo o dia de ontem na cidade.

Mulher de Tato vai ao Tribunal do Júri, chora e acusa Bida de armação
Acompanhando os depoimentos na sala de julgamento do Tribunal do Júri do Pará, a mulher de Amair Feijoli da Cunha (o Tato), Elisabeth Cunha, chorou e xingou familiares de outros acusados quando Rayfran Sales (o Fogoió) disse que o marido dela havia dado a ordem para matar a missionária Dorothy Stang.
As investigações da polícia e do Ministério Público apontam os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura (o Bida) e Regivaldo Pereira Galvão (o Taradão) como os mandantes do crime. Tato é acusado de ser o intermediário.
Depois de chorar em um canto da sala de julgamento sem a companhia de familiares -seu filho de 12 anos havia sido impedido de entrar no tribunal devido à idade-, Elisabeth procurou a repórter da Folha e disse: "Ele [Bida] pagou o Rayfran para falar isso, ele ofereceu R$ 100 mil e uma casa, sei disso. Isso é tudo armação".
A versão apresentada ontem por Fogoió é diferente do que ele havia falado ao Ministério Público. Ele afirmou que inventou que a missionária tinha lido trechos da Bíblia antes de ser morta. "Eu menti antes, agora estou falando a verdade, ela não leu a Bíblia."
Fogoió afirmou ontem que, no momento do crime, suspeitou de quando Dorothy abriu a pasta que carregava.
"Ela estava com uma bolsa [pasta de plástico] e disse que a arma que usava era essa [a Bíblia]. Me senti ameaçado, saquei a arma e efetuei os disparos, não me lembro quantos tiros dei", afirmou o pistoleiro.
O advogado Américo Leal, que defende o fazendeiro Bida, negou que tenha ocorrido pagamento a Fogoió ou à família dele.
O presidente do Tribunal do Júri, juiz Claudio Montalvão, encerrou a sessão de julgamento às 19h15. O resultado do julgamento deve sair hoje. (KB)

FSP, 10/12/2005, p. A11

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