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Em equilíbrio com a natureza

CB, Gastronomia, p. 36
18 de Mar de 2010

Em equilíbrio com a natureza
Slow food reúne em Brasília produtores, cozinheiros, pesquisadores e líderes do movimento. Iguarias como a mangaba e o pequi passam a fazer parte de alimentos protegidos pela iniciativa criada como uma reação à globalização da culinária

Liana Sabo

Na Itália, berço de uma das cozinhas mais tradicionais e artesanais do mundo, surgiu há mais de duas décadas um movimento que se opõe à globalização de sabores e procura, de várias maneiras, resguardar o mosaico gastronômico humano. Tudo começou em 1986, quando a rede McDonald's abriu sua primeira loja em Roma, na Piazza di Spagna, coração do centro histórico venerado pelos romanos. Com o apoio de grande parte da população, a associação dos donos de restaurantes, liderada pelo comunista Renato Nicolini, protestou, assinando manifestos e realizando uma passeata, que culminou com uma gigantesca espaguetada ao molho bolonhesa em frente ao fast food. "Foi um enorme alvoroço", lembra o restaurateur italiano Sandro Melaranci, do Belini Ristorante, na época sócio-proprietário com o irmão do restaurante Manuia, no bairro Trastevere.

A reação contra os hambúrgueres e as batatas fritas chegou à cidadezinha de Bra, no Piemonte, onde um grupo de intelectuais convocados pelo jornalista Carlo Petrini articulou um movimento de resistência, que seria fundado oficialmente em Paris, em 1989. A turma não conseguiu desalojar o McDonald's, que se multiplicou em Roma e no mundo inteiro, mas tomou-lhe como nome a antítese do serviço. Apesar de ser representado por um caracol, slow food, o movimento, tem mais a ver com qualidade do que com velocidade. "O slow food busca exaltar a territorialidade da cozinha, do vinho e da cultura de cada lugar", explica Melaranci, que foi o primeiro representante do movimento em Brasília.

Em São Paulo, a ideia tomou corpo durante conversas mantidas no Massimo, na época um dos mais sofisticados restaurantes paulistanos de propriedade de Massimo Ferrari, cujo irmão Venanzio representou o Brasil no primeiro encontro internacional, quando o manifesto oficial do slow food foi assinado em Paris por representantes de 20 países, como Itália, Espanha, França, Alemanha, Estados Unidos, entre outros. Hoje, são mais de 100 mil associados organizados em 150 países.

"Realizar um prato é trabalhar com a história, a economia, além da genética e da química", costuma dizer o fundador Carlo Petrini, que estará pela primeira vez em Brasília para participar do Terra Madre Brasil, encontro que reúne, a partir de amanhã até segunda-feira, chefs, produtores e pesquisadores para discutir questões como alimentação escolar e agricultura familiar e a formação do consumidor consciente, além de trocar experiências com pessoas envolvidas na produção de sabores da Mata Atlântica, da Amazônia e do cerrado.

Preservação
A Terra Madre é uma rede mundial lançada em 2004 para articular agricultores, produtores artesanais, acadêmicos, cozinheiros e consumidores. A cada dois anos, a iniciativa se encontra em Turim, na Itália, onde uma galeria multinacional de participantes realiza intercâmbio cultural e alimentar no chamado Salon del Gusto. Lá, em um mesmo dia, pode-se ver o herdeiro do trono britânico, príncipe Charles, e o genial chef catalão Ferran Adrià; o humilde plantador de feijão canapu do Piauí e o rico produtor do suculento porco de Siena; o chef israelense Moshe Basson e o representante da Cooperativa de Agricultores Familiares de Canudos, da Bahia, região onde o umbu é nativo. É que o movimento apoia projetos agrícolas cujo cultivo esteja ameaçado de extinção, caso do guaraná dos índios do Amazon a s , d o palmito jussara do Vale do Ribeira e do arroz vermelho da Paraíba.

Chama-se Arca do Gosto o grande balaio que protege, desde 1996, mais de 750 produtos de dezenas de países. Para ser incluído, o alimento precisa ter qualidades gastronômicas, ligação com a área geográfica local, ser produzido artesanalmente e de forma sustentável, além de correr risco de extinção.

Este ano, sete novos produtos brasileiros embarcam na arca: o berbigão, a cagaita, o cambuci, o licuri, a mangaba, a ostra de Cananeia e o pequi. Alguns deles serão utilizados no preparo do jantar com o qual chefs de Brasília, tendo à frente Francisco Ansiliero - que já cozinhou por duas vezes em eventos do Slow Food na Itália -, darão as boasvindas a Carlo Petrini.

No cardápio, mandioca crocante com costeletas de cordeiro caramelizadas, baião de dois, talharim de pupunha, frango com pequi, risoto de costelinha de porco e, de sobremesa, minicheesecake de cupuaçu. Cada prato será intercalado por sorbets de sabores como cagaita, macaúba, murici e caju-do-cerrado.

Renomadas mãos da cidade atuarão juntas na execução dos pratos, como as de Alice Mesquita, Dudu Camargo, Mara Alcamim, Rosario Tessier, Rita Medeiros e William Chen.

Em defesa da biodiversidade, das espécies e dos produtos.

Feira aberta ao público

Destinado aos iniciados, o encontro do movimento slow food na cidade abre espaço para o grande público por meio da Feira da Identidade Alimentar, que poderá ser visitada a partir de amanhã até segunda-feira, no Complexo Cultural da Funarte, atrás da Torre de TV. Produtos artesanais das cinco regiões do Brasil estarão expostos. Dividida em nove tendas, a mostra revela o ofício, a cultura, a música e o artesanato de produtores, pescadores e agricultores ligados à rede Terra Madre.

Na tenda Afro e quilombolas, catadores de aratu de Sergipe; produtores de marmelada de Santa Luzia (GO); e catadores de ostras de Cananeia (SP) trocam experiências, assim como os indígenas terão rodas de conversas sobre os seus fazeres, especialmente no cultivo da mandioca.

Uma tenda especial exibirá os tipos de farinha produzida no Brasil, incluindo degustação de tapioca, beiju e bijajica (cuscuz de massa de mandioca).

Uma das atrações do Centro-Oeste será a quebra da castanha do baru, além da gastronomia do cerrado e uma coletânea de geleias de frutas nativas. O Nordeste traz o umbu, a fabricação de beiju de coco-babaçu e a cajuína, além da presença de produtores de mel, pequi e licuri. Grupo de forró anima os visitantes. Já na tenda da Região Norte, representada por pescadores de pirarucu e piracuí e por produtores de castanha, o show fica por conta das quebradeiras de babaçu, do Maranhão. A feira vai funcionar das 18h às 22h, e a entrada será franca. (LS)

CB, 18/03/2010, Gastronomia, p. 36

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