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Em defesa do peixe-boi

CB, Ciência, p. 22
03 de Jul de 2009

Em defesa do peixe-boi
Pesquisadores do Inpa lutam, há 30 anos, para entender o mamífero aquático mais ameaçado de extinção no Brasil

Bruno Costa

Estudos sobre o peixe-boi da Amazônia têm permitido aperfeiçoar os cuidados com o animal, hoje o mamífero aquático com maior risco de extinção no Brasil. Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) já sabem, por exemplo, como determinar o padrão sanguíneo de um peixe-boi saudável e como definir a quantidade de alimentos que ele precisa consumir por dia. O trabalho dos cientistas do Inpa é feito há três décadas, sempre com os animais sob estudo mantidos em cativeiro. O peixe-boi é um animal muito arisco, e a escuridão das águas dos rios amazônicos torna quase impossível estudá-lo em seu habitat natural.

Desde 1967, o peixe-boi é um animal protegido por lei federal, mas mesmo assim, alguns pescadores ainda atraem as fêmeas com seus filhotes e as abatem para consumir a carne. Os filhotes resgatados com vida são levados para o laboratório de mamíferos aquáticos do Inpa. Segundo a pesquisadora Vera Maria Ferreira da Silva, quando chegam ao instituto, eles são encaminhados ao bercário, como é chamado o tanque de tratamento dos filhotes.

Para o veterinário do Inpa Anselmo da Fonseca, a população amazônica hoje tem mais informação sobre os peixes-bois e isso tem melhorado o estado físico em que o animais chegam ao instituto. "Hoje em dia, a comunidade também informa imediatamente quando ocorre algum caso de animal em cativeiro", informa Fonseca. Ele também lembra que, quando alguém é pego com um desses animais, costuma alegar que havia resgatado o bicho e estava cuidando dele até poder doá-lo. "A Amazônia é outra realidade", afirma, com um certo ar de resignação.

Quando os animais estão prontos para serem reintroduzidos na natureza, são soltos em dupla. Vera explica que isso acontece sempre na época de enchente, antes da cheia completa. "Para que o animal tenha alimento suficiente na época da seca, já que ele praticamente hiberna nesse período", completa. Dois animais foram soltos em 2008 e outros dois desde o início de 2009. Vera, porém, ressalta que a grande dificuldade dos peixes-bois que saem do cativeiro é estarem acostumados com a presença humana e, por isso, costumarem se aproximar das embarcações. Para Fonseca, essa também é uma das razões pela qual os pesquisadores diminuíram o contato com os animais. "Para que eles continuem ariscos. Tem filhote que é arredio naturalmente, e esse é o perfil de animais que são liberados na natureza, machos jovens e arredios. Porque o homem ainda é o pior inimigo do peixe-boi", lembra ele.

Tentativa de reprodução
Atualmente, existem 36 animais em cativeiro. "O segundo filhote no Inpa foi Abu, uma fêmea que já teve três filhotes em cativeiro", disse Vera. Um dos filhotes de Abu nasceu morto, mas em compensação ela adotou dois outros filhotes órfãos, que estavam debilitados. Fonseca lembra que essa adoção aconteceu imediatamente. "Assim que colocamos os filhotes no tanque, ela os adotou. Ela é uma grande mãezona", afirma Fonseca. Abu tem 36 anos e foi resgatada quando tinha seis meses. Outras duas fêmeas também tiveram filhotes no Inpa.

Fonseca ressalta que as fêmeas não costumam ser devolvidas à natureza. "Como a espécie está em risco, nós mantemos as fêmeas em cativeiro para ao menos garantirmos a reprodução."

Além de reabilitar os filhotes em cativeiro e os devolver à natureza, o instituto também conseguiu grandes avanços nos estudos com esse mamífero. "Já podemos verificar os peixes-bois saudáveis a partir do padrão hematológico desses animais", confirma Vera. Esses animais atingem a idade adulta a partir dos 7 anos, e podem viver até, aproximadamente, os 60. Fonseca confirma que o peixe-boi é um animal que vive isolado. "É muito difícil ver esse animal. Tem gente que mora no interior, e passa a vida inteira sem ver o peixe-boi", comenta.

As pesquisas do Inpa determinaram a similaridade genética dos peixes-bois de diferentes regiões da Amazônia. Isto é, um animal em cativeiro pode se adaptar em qualquer parte da bacia amazônica. "Também comprovamos a quantidade de alimentos que o peixe-boi consome por dia. Entre 8% e 10% do próprio peso corporal em massa vegetal", afirma Vera. O peixe-boi da Amazônia se alimenta de plantas aquáticas e semiaquáticas nos rios e lagos da região. "Ele tritura o capim e transforma em partículas menores, que são utilizadas por outros organismos aquáticos, como peixes e crustáceos, e suas fezes funcionam como adubo."

O peixe-boi vive em águas quentes nas áreas tropicais para manter a temperatura corporal, que varia entre 36oC e 37oC. "Ele não consegue manter essa temperatura em águas geladas, com menos 20oC, e pode até morrer. A água dos rios da bacia do Amazonas tem, em média, entre 24o e 25o, e é adequada ao peixe-boi", diz Vera. O Inpa também trabalha com bioacústica, técnica utilizada com aparelhos gravadores de som no fundo dos tanques, para no futuro determinar a quantidade de animais nos rios e lagos da Amazônia.

Vera vai apresentar uma palestra com enfoque nas pesquisas do Inpa sobre os peixes-bois durante a 61ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento ocorrerá entre 12 e 17 de julho, na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

CB, 03/07/2009, Ciência, p. 22

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