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Em busca do DNA do petróleo

O Globo, Economia, p. 37-38
25 de Mar de 2012

Em busca do DNA do petróleo
Para conter vazamentos, país precisa de banco de dados, alertam especialistas

Marcio Beck
marcio.beck@oglobo.com.br

Diante do novo vazamento de petróleo da gigante americana Chevron e do ritmo acelerado de exploração de petróleo em alto-mar no país previsto para os próximos anos com o pré-sal, especialistas alertam que o Brasil precisa com urgência criar um banco de dados que identifique o "DNA" dos óleos produzidos nos campos do país. Segundo técnicos e pesquisadores do setor de petróleo e gás, a medida é essencial para agilizar a identificação dos responsáveis por acidentes.
As características básicas da formação de um reservatório de óleo - tipos de rocha, sedimento, matéria orgânica, além de condições de tempo, temperatura e pressão - são tão particulares quanto uma impressão digital ou o DNA, afirma o coordenador do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (Lamce) da Coppe/UFRJ, o engenheiro Luiz Landau. Assim, é possível determinar se uma amostra veio do campo de uma petrolífera ou de outra, fazendo com que a empresa responsável pelo vazamento seja acionada mais rapidamente para tomar medidas de contenção do derramamento e recolhimento do óleo.
- Com isso, acabaria o mistério sobre as chamadas manchas órfãs - diz ele, referindo-se à classificação dada pelo setor às manchas provocadas por vazamentos de óleo sem autoria comprovada.
O vazamento da Chevron de novembro, inicialmente, foi considerado mancha órfã, identificada pela Petrobras entre os campos de Frade e Roncador. Só dois dias após o início do derramamento, no dia 9, a empresa comunicou oficialmente sua responsabilidade e iniciou procedimentos de segurança.
A Chevron afirma que o petróleo que tem vazado, este mês, nas águas da Bacia de Campos não veio do mesmo poço do acidente do fim do ano passado. Para embasar isso, segundo comunicado emitido na quarta-feira, a empresa alegou que uma análise feita pelo Ipex, laboratório do grupo HRT Oil & Gas, e revisada por seus próprios técnicos, atestava que as origens das amostras são diferentes.
Mas invocando um contrato de confidencialidade com a Chevron, o Ipex não deu informações sobre o material analisado para a petrolífera nem quis explicar os procedimentos e parâmetros que adota para as análises. A Chevron alegou que o estudo está na fase final de elaboração e não pode fornecer detalhes.
Nova medida pode culpar petroleira
Para Luiz Landau, da Coppe-UFRJ, o banco de dados brasileiro deve ser centralizado e conter a "assinatura química" do óleo de cada poço:
- As companhias possuem bancos de dados porque interessa comercialmente. A informação sobre a composição de petróleo e sua relação com outras tem um valor estratégico para a definição de atividades de exploração.
Geólogo e coordenador do Laboratório de Estratigrafia Química e Geoquímica Orgânica da Uerj, Egberto Pereira, diz que um banco de dados abrangente e mais acessível à sociedade do que os atuais - restritos às empresas de petróleo - também é fundamental para culpar ou inocentar uma companhia.
- Se um navio deixa vazar uma quantidade de petróleo e ela não bate com o de nenhum campo, teremos a certeza de que não se trata de óleo extraído do Brasil. Pode ser da Costa da África, do Golfo do México - exemplifica.
A análise do óleo produzido nos poços do país é feita, basicamente, por três métodos, com crescentes graus de complexidade e confiabilidade: análise isotópica (em que se avalia a presença de carbono-12 e carbono-13, que são as variações naturais e estáveis do elemento), cromatografia (em que se faz uma análise geral das substâncias presentes na amostra) e análise de biomarcadores (compostos orgânicos que ocorrem em petróleo, extratos de rochas ou sedimentos).
Informações sigilosas por até dez anos
Os aparelhos necessários, segundo Pereira, professor da Uerj, custam entre US$500 mil e US$1,5 milhão cada. Na maioria das vez, diz ele, precisam ser importados:
- Nada que esteja fora do alcance dos acadêmicos, considerando as atuais verbas de fomento à pesquisa.
Ao mesmo tempo em que pode determinar de onde veio uma amostra de óleo, a análise do seu perfil químico oferece indícios importantes sobre o possível valor do material no reservatório - o tempo de maturação do óleo, se é mais leve ou mais pesado. Por isso, são informações estratégicas para a exploração, sobre as quais as concessionárias mantêm direitos de sigilo de até dez anos, dependendo do tipo - o que é previsto na portaria 188 da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que estabelece regras para a coleta das informações.
- Na indústria do petróleo, quem quer ter dados relevantes para trabalhar, seja no que for, tem que colocar a mão no bolso - afirma um engenheiro químico com mais de 20 anos de experiência no setor de petróleo e gás. - Para os pesquisadores e pessoas em geral, são liberados gratuitamente dados pouco relevantes ou ultrapassados, que certamente não se aplicam a avaliar, por exemplo, responsabilidades em vazamentos.
As empresas normalmente possuem bancos de análises dos óleos dos poços em que opera, que podem ser requisitados pela ANP. Desde 2000, a agência, que regula o setor e herdou as informações do PetroBank Master Data Store, da Petrobras, obtidas ao longo de seu período de monopólio, opera o Banco de Dados de Exploração e Produção (BDEP). Nele as empresas que operam no país depositam diferentes dados sobre os reservatórios. Hoje, o BDEP acumula 3,12 petabytes de informações.
Os dados são vendidos em pacotes para clientes regulares, que vão de R$30 mil (dados de 46 poços) a R$ 430 mil (300 poços) por ano. Há ainda uma listagem com oito serviços de dados adicionais para estes pacotes, variando de R$ 320 a R$ 1.150 e de 12 serviços para clientes eventuais, de R$ 580 a R$ 1.550. O site lista 39 clientes, incluindo muitas das principais empresas nacionais e internacionais do setor - exceto a Chevron.
Superintendente de Dados Técnicos da ANP e coordenador do BDEP, Sérgio Henrique Almeida diz que o sistema não foca em utilizações. No site do BDEP, no entanto, a missão descrita na página de abertura é "receber, armazenar, gerenciar e disponibilizar dados e informações visando o fomento das atividades de E&P (energia e petróleo) no país".
- Há dados sobre os perfis geoquímicos dos óleos de alguns poços, mas o BDEP congrega principalmente informações sobre as bacias sedimentares - diz Almeida.
De acordo com a ANP, a criação de um sistema desse tipo teria de ser avaliada pelo governo federal, via Ministério das Minas e Energia (MME). Até o fechamento da edição, o ministério não havia respondido se tem intenção de criar um banco de dados nestes moldes.

Dispersante químico é motivo de polêmica
Produto poderia colocar em risco a fauna e a flora marinha

Danilo Fariello
danilo.fariello@bsb.oglobo.com.br
Mônica Tavares
monicao@bsb.oglobo.com.br

BRASÍLIA. A sequência de vazamentos de petróleo nos últimos meses no Brasil levanta discussões sobre a forma de controle desses acidentes. Na visão do assessor da diretoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Silvio Jablonski, não há risco zero de vazamentos. Portanto, mesmo que sejam exigidos mais esforços das petroleiras, a forma de combatê-los é um debate constante.
Recentemente, governo, ambientalistas e indústria ampliaram a discussão sobre o uso de dispersantes químicos no país. Eles funcionam como uma espécie de detergente contra a gordura, dissipando o óleo concentrado no mar. Foram usados no vazamento de Tramandaí, envolvendo a Transpetro, no Rio Grande do Sul, em janeiro, mas descartados no vazamento da Chevron, no campo de Frade, em novembro.
Setores do Executivo defendem que o uso de dispersantes químicos seja melhor regulamentado. Segundo a norma atual, o dispersante é usado somente se resultar em menor prejuízo ambiental, quando comparado ao efeito causado por um derrame sem qualquer tratamento. Também pode ser usado como alternativa ou, ainda, opção adicional à contenção e recolhimento mecânico, no caso de ineficácia desse procedimento.
A discussão sobre o uso de dispersantes foi ampliada porque o produto químico pode causar danos à fauna e à flora. O uso desses produtos é regulamentado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e para produzir, importar ou comercializá-los é preciso fazer registro no Ibama. Até novembro, estavam cadastrados dois tipos: Ultrasperse II e o Corexit EC 9500.
O professor Luiz Horta, ex-diretor da ANP, defende o uso prioritário do sistema mecânico. Para ele, a vantagem é que esse sistema tira o óleo do mar, enquanto o dispersante o mistura com a água, e o óleo afunda:
- É como limpar uma pia suja. Primeiro, passa-se o papel toalha, mas depois é preciso usar detergente.
A coordenadora de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, Leandra Gonçalves, explica que o dispersante não acaba com o petróleo, mas quebra o produto em partículas muito pequenas, invisíveis a olho nu, que afundam no mar. Quando ocorreu o problema no Golfo, equipes do Greenpeace fizeram coletas na região e verificaram que existia toxicidade tanto de petróleo quanto do dispersante nos microcorais, que servem de alimentos para os peixes menores. Isso significa que os resíduos acabam atingindo toda a cadeia alimentar.
- A indústria de petróleo é de alto risco e precisamos ver se o país está realmente preparado para ela. É necessário ter um plano de contingência - diz.
Para o professor Edmar Almeida, coordenador do Grupo de Energia do Instituto de Economia da UFRJ, as consequências do uso de dispersantes, se vão levar ao extermínio da fauna e da flora, dependem do tipo de produto químico utilizado e do tipo de concentração.
- Em geral, a posição das empresas é que o tipo de concentração de produtos químicos na água seria tão insignificante que não afetaria a água - disse.
Segundo o professor, dependendo do tipo, o óleo desaparece por evaporação. Em outros casos, afunda e pode afetar a vida marinha. Ele considera que este tema ainda tem muito a ser pesquisado:
- Não existe uma visão pacificada entre os especialistas.
Recentemente, o Ibama emitiu nota técnica, encaminhada ao Instituto Brasileiro de Petróleo, propondo atualizações tecnológicas para prevenir vazamentos, como visualização aérea noturna com sistema infravermelho, que torna a identificação de manchas tão eficiente quanto a visão a olho nu durante o dia. A nota deve evoluir para um termo de referência que passaria a ser adotado por todos os produtores do país.

Geólogos apostam em erro humano
para explicar acidente da Chevron
Condenação prévia é uma das preocupações levantadas por especialistas

Liana Melo, Ramona Ordoñez
e Bruno Rosa
economia@oglobo.com.br

Foi culpa da mãe natureza ou erro humano? A Chevron tem 15 dias para explicar o que ocorreu a 3.329 metros de profundidade a partir do solo marinho do campo de Frade, na Bacia de Campos, no Norte Fluminense. O diagnóstico da Agência Nacional do Petróleo (ANP) reforça a tese de erro humano ao acusar a empresa de ter se equivocado no cálculo de revestimento do poço. O presidente da Chevron, George Buck, declarou à Polícia Federal (PF) que a "mãe natureza é muitas vezes imprevisível". Geólogos concordam que as incertezas na pesquisa geológica são muitas, mas preferem apostar na tese de erro humano. Caberá a Chevron derrubar a premissa científica.
Briga de versões sobre o mesmo acidente
Para o geólogo John Forman, ex-diretor da ANP, um dos maiores conhecedores de geologia do país, houve uma combinação de fatores que levou ao vazamento da Chevron: o gerenciamento do poço e a pressão natural do reservatório. O protocolo na indústria do petróleo para resolver o segundo problema é injetar água ou gás natural via poços injetores. Uma de suas hipóteses é de que a empresa teria usado uma pressão maior do que o recomendável:
- Poderia se estar fazendo uma injeção de água ou gás para aumentar a pressão para expulsar o petróleo da coluna do poço - avalia Forman.
Em depoimento ao Senado, na última semana, o assessor da diretoria da ANP Sílvio Jablonski foi taxativo ao acusar a empresa de erro.
- A situação poderia ter sido evitada se o revestimento do poço fosse mais extenso, por mais 300 a 400 metros. Mesmo que houvesse ruptura, esse óleo não teria condição de chegar ao oceano - explicou Jablonski. - A Chevron fez uma avaliação incorreta do projeto do poço.
Teste de sísmica não dá conta de todo o subsolo
O geólogo Leonardo Borghi, do Laboratório de Geologia Sedimentar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), prefere não debruçar-se especificamente sobre o caso Chevron, dado que não estudou o assunto. Mas deixou claro que, a seu ver, estaria havendo uma condenação prévia, já que o laudo técnico ainda não ficou pronto.
- Se a pesquisa geológica fosse infalível, a indústria de petróleo não encontraria poços secos na fase de prospecção. Ao contrário. Todos os poços perfurados acabariam jorrando petróleo - disse Borghi.
Procurada, a Chevron não respondeu à afirmação feita por Jablonski. A tal imprevisibilidade da natureza alegada por Buck talvez venha do fato de que pequenas fissuras não são mesmo detectadas pelos testes de sísmica.
- A sísmica não fica procurando fissuras de dez metros. O foco é lá embaixo, no reservatório. A partir de agora esse tipo de estudo passa a ser importante. Até então os estudos sísmicos não focavam nessa questão. Mesmo os estudos que são feitos, não conseguem prever tudo, pois dependem da direção em que são conduzidos. Agora, estamos aprendendo com isso - admite Cleveland Maximino Jones, pesquisador do Instituto Nacional de Óleo e Gás.
Não bastasse a estrutura geológica do campo, o fundo marinho apresenta características diferentes, que podem variar numa distância de apenas alguns quilômetros.
- O fundo do mar não é estático. Há erosão, há correntes marinhas, por isso a pressão no poço é um cálculo tão rigoroso - destaca Henrnani Chaves, professor emérito da Faperj/Uerj.
O dia a dia do poço da Chevron está registrada no Boletim de Perfuração (BDP). É nesse documento, sigiloso, que está registrado o segredo que todos querem saber: a causa do vazamento.

O Globo, 25/03/2012, Economia, p. 37-38

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