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Em 10 anos, programa de cisternas fez menos da metade do que prometeu

O Globo, País, p. 6
14 de Abr de 2013

Em 10 anos, programa de cisternas fez menos da metade do que prometeu
Meta era um milhão até 2008; ao todo, foram entregues pouco mais de 419 mil

Letícia Lins
leticia.lins@oglobo.com.br

Resultante de uma das maiores mobilizações da sociedade civil contra a seca, o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), lançado há dez anos, ainda não conseguiu atingir sua meta, que deveria ter sido alcançada em 2008 e ajudaria a amenizar os impactos da maior estiagem dos últimos 50 anos. De acordo com levantamento da Articulação do Semiárido (ASA), rede formada por organizações da sociedade civil que coordenam o projeto com apoio do governo federal, elas somavam 419.178 até fevereiro deste ano, beneficiando cerca de 2,1 milhões de pessoas.
O programa, que conta com doações da iniciativa privada, depende principalmente do governo federal. E, segundo a ASA, foi justamente a inconstância dos repasses públicos que causou atraso no P1MC.
Em 2011, o governo federal lançou iniciativa própria para acelerar a construção de cisternas: o programa Água Para Todos. Desde 2011, no entanto, dos R$ 2,9 bilhões previstos para serem gastos até 2014, apenas 28% foram investidos e 270 mil reservatórios de água entregues. Mesmo assim, o Ministério da Integração Nacional afirma que, até o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff, entregará 750 mil equipamentos.
Além de sofrer com atrasos, as iniciativas de entrega de cisternas à população ainda enfrentam outro problema: a rejeição de moradores e de algumas prefeituras a um dos tipos de cisternas comprado pelo governo federal. As feitas de polietileno, que totalizam até o momento 56 mil do total já entregue e custam mais do que as tradicionais, de placa (R$ 5.090 ante R$ 2.200).
No município de Cumaru, no agreste do estado de Pernambuco, a 110 quilômetros da capital, pelo menos 95% das famílias residentes na área rural já contam com cisternas de concreto. E a população decidiu não aceitar as de plástico. De acordo com os moradores, as industrializadas duram pouco, deformam com o calor e não há orientação adequada quanto ao seu manejo. A rejeição já chegou até aos ouvidos da presidente Dilma. Em sua última visita a Pernambuco, quando esteve no município sertanejo de Serra Talhada, o presidente da Federação de Trabalhadores de Agricultura, Doriel Saturnino de Barros, reclamou das cisternas industrializadas distribuídas pelo governo.
- A presidente realmente mostra disposição de universalizar o acesso à água. Mas com a velocidade que estamos precisando e com as dificuldades impostas até mesmo ao transporte das de PVC, não há como fazer tão rápido. Tem sido complicado para instalá-las, principalmente em áreas de difícil acesso no meio da caatinga, onde os caminhões não chegam. A partir da leitura deles (do governo), a de plástico é implantada com maior rapidez. Mas também é mais cara e não está suportando o solo quente do sertão, tanto que muitas já estão amassando - conta Barros.
- As de plástico não vêm suportando os altos índices de insolação da região, amolecem com o calor e a impressão que dão é que estão derretendo. Não são poucas as amassadas pelo sertão afora. E o trabalhador não sabe como fazer manutenção, até porque ela não vem com kit durepoxi - ironiza Givanilson Porfírio da Silva, presidente do Instituto de Cidadania do Nordeste e assessor da Confederação de Trabalhadores da Agricultura do Brasil (Contag).
Moradora do Sítio Pedra Branca, onde vem resistindo bravamente à seca - preservando seus bichos e produzindo mel e queijo - Joelma da Silva Pereira, de 36 anos, desafiou a Ministra Tereza Campelo, em recente reunião do Conselho de Segurança Alimentar, em Brasília.
- Ninguém aqui confia nessas cisternas plásticas. Tem família que mora em alto de colina e não se sabe como o caminhão vai chegar lá para levá-las. Já as de placa, a gente faz cavando o chão, instala em qualquer lugar e se for preciso, carrega cimento em lombo de jumento, que o bicho sobe em qualquer canto. O material é comprado no município, onde o dinheiro fica circulando. A mão de obra aproveitada é a local. Com as de plástico, isso não ocorre e o dinheiro vai para uma indústria só - reclama.
Plantação perdida por conta da seca
Para quem não tem quase água, as cisternas representam muito, matam a sede mas ainda não são tudo. É preciso também fazer a água chegar aos sítios, às fazendas, às torneiras ainda raras na zona rural do agreste e do sertão. O governo federal garante que a água vai chegar, que está investindo R$ 20,12 bilhões em adutoras, barragens e poços que vêm sendo construídos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E se obras grandiosas como a transposição do rio São Francisco se arrastam a passos lentos, pequenas intervenções vêm mudando a vida do sertanejo, através de tecnologias simples mas que garantem água para o plantio e para o gado.
Da mesma forma que foi deflagrado o P1MC, agora o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) vem sendo gerido pela Asa. Tecnologias desconhecidas pelo homem do Sul, começam a ficar populares no sertão onde já foram implantadas 13.150 cisternas calçadão, 1.230 cisternas enxurrada, 724 barragens subterrâneas, 700 barraginhas, 1.650 barreiros trincheira, 640 tanques de pedra e 508 bombas de água populares. Moradora do sítio Cabugi, Ana Paula Ferreira da Silva, de 39 anos, três filhos, ainda está consumindo a água acumulada em sua cisterna doméstica durante o inverno de 2011:
- Em 2012, ela (cisterna doméstica) pegou uma "chuvadinha" mas foi pouca.
Ela tem outra cisterna de 52 mil litros, com a qual está garantindo a água do jumento e de dez bovinos. Perdeu os frutos do plantio de acerola, coco, romã, ervas e pitanga porque não usou a água "com medo de secar". Comprou recentemente água de um caminhão-pipa e mandou derramar em um barreiro (pequeno açude) para ter mais água para o gado. O marido dela acaba de furar um poço, porque quer ter lavoura o ano todo. Mas a água ficou salobra.
- O sonho dele é um dessalinizador, mas é muito caro.

Governo diz que entrega 240 mil cisternas até dezembro
Ministério da Integração afirma já ter investido R$ 800 milhões

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Integração afirmou que o governo federal trabalha com cisternas de polietileno e de placa, e que, desde 2011, foram entregues 270.611 cisternas no Nordeste, pelo programa Água para Todos, somando os dois tipos. "O governo federal já investiu cerca de R$ 800 milhões na implantação das cisternas. O investimento é de cerca de R$ 2,9 bilhões. Serão entregues 130 mil até julho deste ano e 240 mil até dezembro. Até dezembro de 2014, serão entregues 750 mil", afirmou a pasta.
Sobre as denúncias de má qualidade das cisternas, o ministério disse que adota "controle de qualidade rigoroso durante a fabricação e a entrega das cisternas de polietileno". Sublinhou que aquelas "que inicialmente apresentaram defeitos de fabricação foram substituídas, conforme contrato, sem custos para o governo federal e os beneficiários do programa"; e que "as cisternas de polietileno do Água para Todos possuem qualidade e durabilidade comprovadas por seu uso no Brasil e em outros países que possuem regiões de clima desértico, como Austrália, México, China, Peru e Índia. Nessas localidades, o tempo de vida útil das cisternas foi calculado em mais de 35 anos".
Segundo o Ministério da Integração, o polietileno tem "alto desempenho e durabilidade", além de ser "não tóxico, inodoro e de alta resistência (não é PVC). É especialmente desenvolvido para o contato com a água e alimentos. É impermeável, o que impede vazamentos e a entrada de contaminantes, além de evitar o surgimento de doenças de origem bacteriológica, parasitária ou microbiológica".
- Esta é a primeira grande estiagem enfrentada pela ASA desde a implantação do P1MC. Mesmo que a água das cisternas tenha se acabado, as famílias, pelo menos, têm mais autonomia com relação à estocagem, podem esperar a oferta do governo ou comprar a água de um carro-pipa. Pelo menos não há aquelas filas humilhantes, onde os lavradores ficavam, nos distritos, implorando água com baldes e latas na cabeça - avaliou Cristina Nascimento, uma das coordenadoras da ASA.
O ministério afirmou ainda que, além do Projeto de Integração da Bacia do São Francisco, "o governo está investindo em dezenas de outras obras que estão gerando soluções definitivas para a falta d'água na região do semiárido. Para cada R$ 1 investido no Projeto de Integração do Rio São Francisco, outros R$ 2 são investidos em outras obras estruturantes para garantir a segurança hídrica no semiárido". Segundo a pasta, em 2012 ela firmou com nove estados convênios de "R$ 1,2 bilhão, dos quais R$ 1,19 bilhão são de repasses da União".
Além disso, a pasta destacou que no PAC Semiárido o governo aprovou, no fim de 2012, investimentos de R$ 2,6 bilhões em dez estados, "em 179 obras de abastecimento de água para consumo humano. Somados aos empreendimentos que já estavam previstos no PAC, o governo federal está investindo R$ 20,12 bilhões para enfrentar a questão da oferta de água no semiárido. São adutoras, barragens e poços construídos com recursos do PAC".

O Globo, 14/04/2013, País, p. 6

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