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Efeitos colaterais

O Globo, Economia Verde, p. 28
Autor: VIEIRA, Agostinho
31 de Out de 2013

Efeitos colaterais

Agostinho Vieira
oglobo.globo.com/blogs/economiaverde

Existem várias semelhanças entre a medicina e a economia. Entre elas, a falta de certeza sobre o futuro, as dores que causam e as palavras incompreensíveis de certos especialistas. Mas há, pelo menos, uma grande diferença: a bula. Não dá para reclamar se o remédio que controla o colesterol ataca o fígado ou se o anti-inflamatório é terrível para o estômago. Estava escrito nas letras miúdas, bastava ler.
Já as decisões econômicas não vêm com bula. É possível até imaginar o que vai acontecer, mas não existe um papelzinho dentro da caixa dizendo quais serão os efeitos colaterais. É o que vem acontecendo no Brasil nos últimos anos. O governo vestiu o seu uniforme branco e decidiu que precisava combater os efeitos da crise financeira, garantir o crescimento e o nível de emprego. Para isso, prescreveu doses cavalares de isenção fiscal em setores chaves, como energia, transportes e agropecuária.
Resultado: a economia não cresceu muito, a crise continua rondando por aí, mas o paciente sobreviveu. Em compensação, nossas ruas estão mais engarrafadas do que nunca, e batemos todos os recordes no consumo de agrotóxicos e fertilizantes. Além disso, os gases de efeito estufa gerados pela agropecuária e pela energia respondem hoje por 67% de todas as emissões brasileiras.
Um estudo divulgado esta semana pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o Instituto Ethos e a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado mostrou que os setores mais beneficiados pela política de isenção fiscal foram exatamente os que mais contribuíram para o aumento das emissões de C02. Os dados revelam que a pegada de carbono da energia aumentou 41,5% entre 1995 e 2005 e outros 21,4% entre 2005 e 2010. lá os lançamentos da agropecuária subiram 23,5% e 5,3% nestes períodos.
De acordo com o relatório "A Pegada de Carbono da Política Tributária Brasileira; a renúncia fiscal do segmento de energia cresceu 69% ao ano, desde 2001. Enquanto o aumento da isenção de impostos para a agricultura foi de 38% e o do setor automobilístico ficou em 18%. Só entre 2011 e 2012, o consumo de combustíveis subiu 7,6%. lá a venda de automóveis leves ficou 4,6% maior. Graças à redução do IPI e ao fim da Cide. Esta última representará, só em 2013, uma renúncia fiscal de R$ 8 bilhões.
A isenção de PIS/PASEP e Cofins na compra de gás natural e carvão mineral chegou a R$ 210 milhões no período 2008/2012, enquanto as emissões de carbono destas duas fontes subiram 18,6%. No campo, os vilões do aquecimento global são a criação de gado e o uso crescente de fertilizantes sintéticos. lá a renúncia fiscal do setor chegou a R$12 bilhões, somente em 2012. Na agricultura, entretanto, é importante reconhecer que o volume de C02 por tonelada produzida vem caindo ano a ano. E cresce a adesão ao programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono).
Em 2009, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em, pelo menos, 36% até 2020. A queda no desmatamento permitirá que a meta seja batida até com alguma facilidade. O problema é que, depois dessa data, todas as projeções indicam que o país voltará a ser um grande emissor. Puxado pela agricultura e, principalmente, pela energia. Incluindo aqui a dúvida sobre o que faremos com o petróleo do pré-sal.
Um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentando esta semana no Rio mostrou que uma parte significativa do problema está nos subsídios que o setor de energia recebe em todo o mundo. As cifras variam entre US$ 492 bilhões e US$ 2 trilhões, dependendo do critério utilizado. A conta maior inclui as chamadas externalidades. Os efeitos do óleo, do gás e do carvão na vida das pessoas e no meio ambiente. O cálculo considera US$ 36 por cada tonelada de carbono emitida.
O FMI relaciona quatro problemas provocados pelos subsídios. Em primeiro lugar, eles dificultariam o crescimento do país, impedindo novos investimentos em energia. Principalmente em energia limpa. Além disso, trariam danos às finanças públicas e ao meio ambiente. Por fim, eles estariam contribuindo fortemente para a desigualdade entre ricos e pobres.
O argumento é simples. Ao subsidiar combustíveis, os governos estariam transferindo recursos para as pessoas que mais os utilizam. Aqueles que andam de avião, que possuem carros particulares e as grandes indústrias. Nas estimativas do FMI, 43% de todos os subsídios são usados diretamente pelos 20% que têm maior poder aquisitivo. Mais um efeito colateral que não aparece nas bulas. Mas esse já é bem conhecido.

67%
De todas as emissões de gases de efeito estufa do Brasil vêm dos setores de agricultura e energia. Os mesmos que têm sido beneficiados nos últimos anos com os maiores volumes de incentivos fiscais.

O Globo, 31/10/2013, Economia Verde, p. 28

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