VOLTAR

Educador wajãpi declara guerra contra o preconceito

O Dia-Mcapá-AP
Autor: Emanoel Reis
22 de Jun de 2005

Caulbi | Tornou-se um homem retraído e sobressaltado

Aos 45 anos de idade, o membro da etnia wajãpi Caulbi de Souza descobriu que não quer mais ser índio. Pelo menos se recusa a ser identificado como tal. Revela que tomou a decisão quando passou a perceber-se vítima de maledicências, zombarias e, o mais grave de todos, do preconceito da sociedade. Já não suporta ser apontado nas ruas por adultos e observado, à distância e com curiosidade indisfarçável, pelas crianças e adolescentes. Com tanto constrangimento, Caulbi se tornou um homem retraído e sobressaltado.
Com pouco mais de um metro e sessenta de altura, Caulbi se agiganta quando os interesses de sua aldeia estão em jogo. Reconhecido pelo talento como educador indígena e pela dedicação em transmitir aos jovens da etnia wajãpi os conhecimentos absorvidos com os "homens brancos", Caulbi também ganha visibilidade como defensor intransigente dos direitos políticos e sociais de seu povo.
Um dos porta-vozes dos wajãpi em Macapá, Caulbi se queixa do abandono, por parte das autoridades, em relação às comunidades indígenas do Amapá. Reclama das péssimas condições da Perimetral Norte, BR-210, que dificulta o escoamento dos produtos agrícolas plantados na aldeia dele. De acordo com o educador, os recursos obtidos com colheita de frutas, pesca e fabricação de farinha de mandioca são insuficientes para garantir a sobrevivência dos pouco mais de 700 habitantes da aldeia.
Devido às atividades políticas, Caulbi tem passado mais tempo na capital amapaense do que junto aos demais indígenas de sua aldeia. No exercício desta ocupação, conforme revela, pôde perceber o elevado nível de rejeição à sua presença em determinados locais. Ao freqüentar restaurantes, livrarias e bares nota que os olhares se voltam para ele, sempre acompanhados de sussurros e risinhos debochados. Esse comportamento o incomoda porque não se sente diferente dos outros homens, pelo contrário, tem orgulho de suas origens indígenas, da tradição do povo wajãpi, do trabalho que desenvolve pela educação dos jovens e adultos da tribo. Contudo, o desdém dos "civilizados", comenta entristecido, o tem prejudicado, pois entende que segundo os ensinamentos cristãos "todos são iguais perante Deus".
A percepção do preconceito contra sua condição indígena se tornou mais aguda nos últimos seis meses, quando as atividades como educador e representante wajãpi na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) começaram a se avolumar. "Em Macapá, participo de muitas reuniões de trabalho. Então, como tudo é perto [refere-se à pouca distância entre os prédios públicos], prefiro andar. Nas ruas vejo as pessoas me olharem, espantadas, e apontarem os dedos na minha direção. Ouço elas comentarem: 'lá vai o índio'; 'olha o índio'. Mesmo no lazer, se dirigem a mim desse jeito: 'vem cá, índio'; 'fala, pajé'. Eu fico muito sentido", confessa, cabisbaixo.
Caulbi lembra, ainda, que o preconceito de parte da sociedade contra os índios remonta do descobrimento do Brasil. Salienta, de acordo com estudos que diz ter feito durante o período de formação pedagógica, que os índios sempre foram perseguidos, maltratados e vilipendiados, quando, na verdade, deveriam ser respeitados na condição de primeiros habitantes do Brasil.
A questão mais intrínseca, prossegue o educador, está exatamente na visão distorcida de algumas pessoas, cujo conhecimento histórico está restrito a almanaques de bancas de revista, por isso mesmo, têm um entendimento minguado da importância cultural, geográfica e política do indígena na construção do vernáculo pátrio, das manifestações artísticas, quer seja na música, no artesanato, na culinária, na pintura e, principalmente, na literatura.
Para o educador wajãpi, o preconceito contra sua condição de indígena prejudica as relações com outros segmentos sociais que, conforme ressalta, também sofrem discriminação e são alijados dos processos decisórios mais importantes. Refere-se aos negros, às mulheres, às prostitutas e aos pobres. Na opinião dele, se não houvessem essas barreiras, erigidas e fomentadas pelas próprias autoridades, todos poderiam conviver em harmonia e unidos poderiam ultrapassá-las mais facilmente.
Caulbi diz que só quer ser reconhecido por sua etnia, é um wajãpi e tem orgulho disso. Não gosta de se sentir oprimido ao ser apontado nas ruas como se fosse um mal a ser evitado. Exige respeito, se algumas pessoas não sabem o que é isso, que pelo menos o tratem com polidez. "É assim que eu quero", comenta, com um sorriso triunfante nos lábios.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.