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Educação põe a mesa

CB, Brasil, p. 19
22 de Jan de 2004

Educação põe a mesa
Governo destinará R$ 9 milhões a projetos idealizados por grupos de estudo para mudar hábitos alimentares e combater a fome no país. Dos 100 programas escolhidos, dois foram apresentados por professores da UnB

Érika Klingl

Cem grupos de pesquisa de todo o país têm um desafio a vencer nos próximos dois anos: pôr em prática os trabalhos teóricos produzidos em salas de aula e laboratórios para combater a fome e a desnutrição no Brasil.
Eles foram selecionados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e pelo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar (Mesa), responsável pela coordenação do programa Fome Zero, para receber bolsas de apoio. Os estudos foram selecionados entre 730 projetos. Dois deles são da Universidade de Brasília (UnB).
Para concorrer valia todo o tipo de idéia que ajude o governo a cumprir a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de garantir três refeições por dia para cada brasileiro. "E de qualidade", ressalta a nutricionista Patrícia Martins, uma das responsáveis pelo programa A Escola Promovendo Hábitos Alimentares Saudáveis.
A pesquisa de Patrícia e outras professoras de nutrição da UnB está entre as escolhidas. Ela explica o motivo: "Não adianta só alimentar sem respeitar as necessidades diárias de cada um". O outro projeto de Brasília trabalhará com a comunidade remanescente dos quilombos Kalungas, em três municípios de Goiás: Cavalcante, Monte Alegre e Terezina.
Também integram a lista dos programas selecionados pesquisas para a produção de medicamentos e alimentos da biodiversidade amazônica. E o aproveitamento de algas marinhas como suplementos nutricionais para alimentação alternativa.
A parceria entre os dois ministérios conta com verba de R$ 9 milhões, a serem divididos entre os 100 projetos. Os recursos devem ser utilizados na compra de equipamentos, materiais e financiamento de bolsas de estudos - que variam de R$ 400 a R$ 4 mil - para professores, alunos e técnicos.

Proposta de vida nova para kalungas
Uma parcela da população miserável do Brasil está longe de ter três refeições diárias e de qualidade. Os remanescentes dos quilombos estão tão à margem da sociedade que nem fazem parte dos escolhidos para participar dos programas de crédito familiar ou agrícola do governo federal. Perto de Brasília, nos municípios de Cavalcante, Terezina e Monte Alegre, em Goiás, estão os quilombolas do Kalunga, foco de estudos da antropóloga Ana Lúcia Valente. O trabalho dela foi um dos selecionados pelos ministérios da Segurança Alimentar e da Ciência e Tecnologia para receber ajuda financeira.
A idéia de Ana Lúcia e da equipe de estudantes de veterinária e agronomia da UnB é criar, respeitando a cultura e tradição dos kalungas, possibilidades de sobrevivência. Serão destinados R$ 47 mil para o projeto, que vai ajudar os quilombolas a se fixar na terra e cultivar algo mais que mandioca, base da alimentação dos kalungas.
A população desses três municípios são descendentes de escravos fugidos do trabalho forçado em minas de ouro do nordeste goiano no século 18. Eles viveram 200 anos isolados em vales próximos a afluentes do Rio Paranã, nas bordas da Chapada dos Veadeiros. Nesse período, miscigenaram-se com índios, posseiros e fazendeiros, criando uma cultura híbrida, católico-africana, no sertão goiano.
Nos últimos 30 anos, a tradição a cultura kalunga vêm sendo ameaçadas pela chegada de fazendeiros. Cerca de 50 deles controlam quase metade dos 237 mil hectares da área quilombola demarcada em 1995 por uma lei estadual. O resto da terra tem propriedade indefinida. Sem escritura, eles não têm como conseguir financiamento para começar nenhuma produção, diz Ana Lúcia. Impedidos de plantar roças e criar animais nas melhores terras, os Kalungas vivem situação de penúria.
Por isso, a alimentação está longe de ser a única preocupação dos professores que cuidam dos quilombos. Por falta de dinheiro, os rapazes deixam de lado as tradições e vão trabalhar para grandes proprietários rurais de regiões vizinhas. Sina semelhante é enfrentada pelas mulheres. Em busca da sobrevivência, as mais jovens deixam as terras dos ancestrais para trabalhar como domésticas nas cidades. Raramente voltam.
Venda de artesanato
A solução para que a cultura não se perca, propõe a professora da UnB, é inserir os kalungas em atividades econômicas auto-sustentáveis. Vamos ajudar a criar mercado para vender artesanato e produtos agrícolas da região, afirma. É uma forma de promover a inserção de alguns produtos etnicoculturais que eles nem sabem que têm valor. O ecoturismo também é uma boa saída para os kalungas, garante a professora, uma vez que as regiões de Monte Alegre, Terezina e Cavalcante, em Goiás, são repletas de cachoeiras, corredeiras e outras belezas naturais.
Pesquisa concluída, a professora torce para que o governo cumpra o combinado no projeto e insira os kalungas na lista de beneficiados no programa de auxílio financeiro Bolsa Família. Para nós, essa é uma condição vital, afirma.

Educacao alimentar de alunos de 3 a 10 anos
Recursos: R$ 150 mil // Alvo: escolas públicas e privadas do Distrito Federal, com possibilidade de extensão para outros estados // Objetivo: balancear a merenda das crianças
Segurança alimentar de moradores de Quilombos
Recursos: R$ 47 mil // Alvo: kalungas em Teresina (PI), Calvalcante e Monte Alegre (GO) // Objetivo: ajudar os kalungas a desenvolver projeto auto-sustentável

CB, 22/01/2004, Brasil, p. 19

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