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Autor: Wilson Nogueira
21 de Set de 2024
A avaliação é do presidente do Conselho Geral das Tribos Saterê-Mawé, tuxaua Obadias Garcia
Os saterês-mawés afastam-se, desde a década de 70, das suas práticas culturais por conta de políticas assistencialistas e educacionais impostas às aldeias pelo poder público.
A avaliação é do presidente do Conselho Geral das Tribos Saterê-Mawé, tuxaua Obadias Garcia.
Ele e o secretário-geral da entidade, Erivelton Oliveira, com apoio de organizações indígenas, articularam o encontro simultâneo das aldeias dos rios Andirá e Marau. São indígenas que moram nas cidades de Maués, Parintins, Barreirinha, no baixo rio Amazonas, e de Manaus.
E evento ocorreu no dia 15 de setembro. Seus resultados serão apresentados em relatório, ainda em fase de redação. Pronto, o documento seguirá para o Ministério dos Povos Indígenas, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e entidades de defesa dos direitos.
Garcia disse que o Estado não cumpre a Constituição de 1988, que determina educação diferenciada aos povos indígenas.
Em vez disso, aplica os mesmos conteúdos e metodologias voltadas para atender às demandas do mercado.
Isso implica, segundo ele, que os indígenas, depois de formados, não retornem às aldeias e busquem empregos em instituições governamentais e na iniciativa privada.
Os que voltam acabam descolados do ambiente sociocultural do seu povo. Isso porque não sabem mais - ou estão desestimulados - cuidar das águas, das terras e da floresta, para tê-las com meio de vida.
"O sistema [capitalista] criou uma educação formal, desde o ensino infantil ao universitário, para preparar o cidadão para o mercado de trabalho; não é para plantar e criar, não é para o desenvolvimento territorial indígena. Por isso, todos que estudam e chegam no ensino médio não ficam mais nas aldeias", disse Garcia.
Do jeito como está - observa o líder indígena -, a educação gera problemas sérios de frustração aos que não conseguem trabalho institucionalizado dentro e fora das aldeias, tais como: suicídio, homicídio, feminicídio, prostituição, dependência de drogas e de álcool etc.
"Esses parentes entram em depressão ou acabam correndo atrás de ganhar dinheiro fácil", disse o tuxaua.
Sabedoria ancestral
Para Garcia, as novas gerações são vítimas do que ele chama de "doença secular", o consumismo, porque se inspiram em seus professores - indígenas ou não indígenas - que conseguem comer, comprar objetos de uso pessoal, e viver com o dinheiro que recebem do governo.
Antes - lembra ele - as crianças e os jovens ouviam os conselheiros anciãos, que os preparavam para cuidar da natureza e dela obter o sustento das aldeias. "Mas, esses anciãos morreram".
Com os anciãos aprendia-se a caçar, a plantar e a coletar frutos e madeiras da floresta desde criança, porém, hoje "esse tipo de criação" pode ser punido pelo conselho tutelar [dos brancos].
As políticas assistencialistas do governo, como Bolsa-Família e auxílio-maternidade, também prejudicam o povo indígena, à medida que elas são invasivas culturalmente.
"As bolsas prendem os pais às mesmas obrigações exigidas à população não indígena. Para receber o dinheiro das bolsas, nem os pais nem as crianças e jovens podem trabalhar. Isso não é recomendado na nossa cultura, porque as crianças precisam acompanhar os pais nas atividades do dia a dia das aldeias".
Do jeito como os programas sociais do governo são aplicados dentro das aldeias, Garcia disse que "é o mesmo que o sistema comprar os pais e suas crianças", para fazê-los reféns do mercado de trabalho.
Religião
Garcia também fez críticas à presença das igrejas cristãs no território indígena do seu povo.
Isso porque, na sua opinião, elas "só querem dinheiro" e dividem os indígenas em seguidores de várias denominações.
"Há ciúmes entre essas denominações religiosas e elas arrastam os índios para a briga deles, assim prejudica a harmonia do povo indígena".
Enquanto os índios são arrastados para a discórdia, Garcia afirmou que as igrejas e seus pastores ficam milionários porque exigem que os indígenas paguem um décimo do dinheiro que ganham, seja da aposentadoria, da bolsa-família ou do que produzem e vendem.
"A lei da bíblia deles é o rico cada vez mais rido e o pobre cada vez mais pobre".
Educação diferenciada
Garcia espera que o relatório da reunião simultânea sateré-mawé, composta por 13 grupos de trabalho, reforce a luta dos povos indígenas pela educação diferenciada, para que se livrem das amarras da educação que só atende aos interesses do mercado.
A educação diferenciada autoriza, também, que os indígenas estabeleçam metodologias de ensino em seus próprios idiomas e conteúdos voltados à resolução das suas necessidades culturais.
Ele entende que, para garantir a preservação do ecossistema em que vivem, precisam de uma educação que fortaleça as culturas dos cultivos sustentáveis de madeiras de lei, de madeiras de resinas (breus, copaíba, andiroba etc.) e frutos silvestres, entre os quais, o guaraná, também um ente mitológico.
Na opinião de Garcia, somente a educação diferenciada fortalecerá a identidade indígena, milenarmente vinculada à terra, aos rios e às florestas.
"Para salvar a Amazônia, o poder público tem que apoiar quem a protege de verdade".
O chefe da Coordenador Técnico Local (CTL) da Funai/Parintins, o indigenista João Melo Farias, destacou que comunga com os sentimentos que o líder Obadias Garcia externa, por também entender que as escolas preparam o indígena para virar um acadêmico; as igrejas, em cristãos; o Exército, em soldados; o estado, em cidadãos nivelados por baixo da cidadania plena.
"E quem prepara o indígena para ser o protagonista do seu próprio destino do bem viver?", pergunta o indigenista.
O que diz a Constituição de 1988
O artigo 210 também estabelece que o ensino fundamental regular deve ser ministrado em língua portuguesa, mas que as comunidades indígenas podem utilizar suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Artigo 231 reconhece aos índios "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".
Os saterês-mawés
O povo sateré-mawé habita partes dos rios Andirá (Barreirinha) e Marau (Maués).
Estão distribuídos em 117 aldeias, na divisa dos territórios do Amazonas com o Pará.
A terra indígena Saterê-Mawá, de 7.800 hectares, foi homologada em 1986.
Ela faz divisa com áreas dos municípios de Parintins, Maués e Barreirinha, no Amazonas; e com Itaituba, Aveiro e três comunidades em processo de reivindicação no município de Juriti, no Pará.
Vindos do Tapajós
O antropólogo Manoel Nunes Pereira (1923-1985), por meio de consulta à literatura de religiosos e viajantes, assinala, em seu livro "Os índios maués", a presença desse povo no rio Tapajós e afluentes há mais de três séculos.
À medida que o processo colonial avança, os saterês-mawés se confinam nas cabeceiras dos rios Maracuã, Araticum, Maué-Açu-, Maué-Mirim, Abacaxis, Canumã e os paranás do Ramos e do Urariá.
"Já hoje o fator que lhes reduz o meio onde os fomos encontrar (mais ou menos 2.000) é uma concorrência movida pelos pseudocivilizados, nordestinos e até estrangeiros - italianos, portugueses e japoneses - no plantio e no comércio do guaraná", assinala Nunes Pereira em "Os índios maués" (Valer, 2020), publicado pela primeira vez em 1954.
Nesse livro, o antropólogo denuncia que os maués "são mal assistidos pelos poderes públicos, esbulhados por pseudocivilizados, há século em luta com regatões e comerciantes inescrupulosos que lhes arrebatam periodicamente o principal, o mais valioso, o mais útil produto da sua lavoura - o guaraná".
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