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Editorial - Hidrelétrica Belo Monte

Estado de S.Paulo-SP
Autor: Eugênio Melloni
01 de Fev de 2002

O maranhense José Antônio Muniz Lopes, presidente da Eletrobrás, viu-se irremediavelmente associado ao projeto da hidrelétrica de Belo Monte em março de 1989. Lopes assumira em janeiro daquele ano o recém-criado cargo de diretor de Planejamento e Engenharia da estatal e foi obrigado a encarar talvez o maior desafio de sua longa carreira no setor elétrico: uma reunião com grupos indígenas e com entidades ambientalistas em que seriam debatidos os projetos das hidrelétricas de Cararaô, mais tarde rebatizada de Belo Monte, e de Babaquara.
O projeto das duas hidrelétricas causara profundo desagrado entre as comunidades indígenas da região da Volta Grande do rio Xingu, onde seriam instaladas, e também entre entidades ambientalistas nacionais e internacionais. A expectativa de grande impacto social e ambiental - associada a um erro estratégico da empresa, de batizar uma das usinas justamente de Cararaô, o grito de guerra dos povos índigenas da região - contribuiu para que a reunião ocorresse sob muita tensão.

Em certo momento, em meio a grande exaltação dos presentes, uma índia, chamada Tuíra, levantou-se, aproximou-se de Muniz e, de forma ameaçadora, encostou-lhe um facão no rosto, tornando óbvio o seu descontentamento com o projeto. Muniz permaneceu impassível. "Percebi que, se eu reagisse de alguma forma, algo de pior poderia ter acontecido. O índios estavam muito exaltados", contou Muniz, anos depois.

Desafio

A foto da índia Tuíra com o facão roçando a face do então diretor da Eletronorte correu o mundo como símbolo da resistência indígena às usinas, que logo teriam seus projetos engavetados. Mas o contato com o aço frio do facão, por outro lado, transformou o projeto da hidrelétrica de Cararaô/Belo Monte em um desafio pessoal para Muniz, que ele espera vencer em breve.

Em 1996, Muniz, que havia deixado a Eletronorte para assessorar a presidência da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (Chesf), voltou à empresa nomeado presidente. Desde então, tem dedicado especial atenção à viabilização da hidrelétrica, que sofreu transformações muito mais profundas que a simples troca de nomes para tornar-se viável do ponto de vista sócio-ambiental.

O alagamento do reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, foi reduzido para um terço da área prevista no projeto original da usina de Cararaô. "Temos discutido o projeto amplamente com a comunidade da região e incorporado críticas que resultem em melhoria do projeto. Belo Monte é a melhor hidrelétrica do mundo", garante ele.

Nordeste

Belo Monte, contudo, não é o projeto da vida de Muniz. "O projeto da minha vida é levar água para o Nordeste", diz, com a experiência de quem escalou o organograma da Chesf, empresa que administra o parque hidrelétrico do rio São Francisco, em 40 anos de carreira no setor elétrico.

Talvez o projeto esteja relacionado com a infância pobre em Caiema, cidade do interior do Maranhão conhecida pela produção de farinha d'água. Muniz nasceu em uma família humilde, que sobrevivia da fabricação da farinha e do trabalho na manutenção da linha ferroviária que liga Teresina (PI) a São Luiz (MA) e que atravessava sua cidade natal.

Mais tarde, mudou-se para Recife, onde cursou a escola técnica federal de eletrotécnica. Ainda estudante, seria contratado, em janeiro de 1963, como estagiário na Chesf no mesmo dia em que entrou na empresa Mário Santos, hoje presidente do Operador Nacional do Sistema (ONS). "A diferença é que ele era o chefe e eu o estagiário", lembra.

Transferência

Na Chesf, formou-se engenheiro e tornou-se adjunto da diretoria de Construção da estatal. Por não concordar com mudanças na forma de gestão da empresa, pediu, em 1985, transferência para a Eletronorte, onde recomeçou como engenheiro. No ano seguinte, assumiu o cargo de coordenador geral da presidência da estatal. Em 1989, foi promovido a diretor de Planejamento e Engenharia, quando enfrentou a tensa reunião.

No ano seguinte, foi transferido novamente para a Chesf, como assistente da presidência. Depois, passou pela Secretaria Federal de Energia. Em dezembro de 1993, foi promovido a presidente da Chesf. Por questões políticas, diz ele, foi remanejado para a diretoria-financeira da estatal. Voltou, então, para o Ministério das Minas e Energia, onde permaneceu por um ano.

Descontente, resolveu afastar-se, em 1995, do setor elétrico. "Primeiro, tirei as minhas primeiras férias, viajando dois meses pela Europa", disse ele. Na volta, passou a tocar uma empresa de consultoria. Em 1996, voltaria à Eletronorte e ao mundo das estatais.

Muniz acredita que a criação recentemente da Companhia de Energia e Desenvolvimento Hídrico do Nordeste, a partir da cisão da Chesf, poderá de fato realizar o seu sonho levar água para o Nordeste. Mas ele diz que não é candidato a uma nova transferência. "Estou muito feliz na Eletronorte", afirma.

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