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Economia construída a partir do lixo

OESP, Economia, p. B3
18 de Ago de 2014

Economia construída a partir do lixo
Movimento criado pelo alemão Michael Braungart diz ser possível criar produtos 100% recicláveis - e começa a provar a teoria

DER SPIEGEL - O Estado de S.Paulo

Brad Pitt é, sem dúvida, seu fã mais célebre. Mas o químico Michael Braungart prefere esconder seu orgulho com essa associação lançando mão do sarcasmo. O ator norte-americano e ativista ambiental confessa que o livro Cradle to Cradle é um dos três mais importantes de sua vida. E como Braungart responde a esse fato? "Bem, não tenho certeza se Pitt já leu mais de três livros."
Este é um comentário típico de Braungart, professor de Hamburgo, Alemanha. Mas, para fazer uma observação assim, ele tem de esquecer sua revolução por um momento.
Na realidade, o professor sente-se muito orgulhoso com o fato de o astro elogiar o trabalho da sua vida. E ele precisa de todo estímulo para o que planeja, que é nada menos do que uma reorganização ambiental e industrial do mundo.
No universo de Braungart, todo produto deve ser basicamente projetado para se decompor sem causar nenhum dano, ou para ser reciclado sem perder a qualidade. Sua ideia é de um planeta onde nenhum lixo seja acumulado porque tudo vai se transformar em alimento.
"Nosso mundo de produtos, hoje, é totalmente primitivo", afirma. "Produzimos coisas repletas de poluentes que acabamos lançando na natureza."
Para o professor, nossas práticas são subdesenvolvidas, fazendo parte de um mundo sombrio. "Um produto que se transforma em lixo é prejudicial. É uma química prejudicial."
Braungart quer aplicar a química apropriada e fabricar produtos sem nenhum poluente, que se transformam em fertilizantes ou retornam ao ciclo técnico como matéria-prima pura. Se isso for alcançado em grande escala, muitas coisas mudarão.
O desperdício não será mais algo negativo, mas uma virtude e viveremos num mundo de abundância, não de escassez. Nosso mundo será uma cópia da natureza, imitando, por exemplo, o florescer de uma cerejeira, que se transforma em cereja, húmus ou uma nova árvore - um "elixir de vida", nos três casos. O eco-hedonismo é o credo de Braungart. "Quero que as pessoas vivam em profusão."
Para transformar sua teoria em prática, ele criou uma companhia, a Epea. Entre seus clientes alemães estão a Beiersdorf, dona da marca Nivea, e a fabricante de lingerie Triumph. Braungart também assessora Volkswagen, Unilever e BMW. Com sua ajuda, a HeidelbergCement desenvolveu um cimento especial que purifica o ar quando transformado em concreto.
Em 2013, a Puma lançou a primeira coleção de roupas para atletismo inteiramente reciclável, incluindo sapatos que podem ser transformados em fertilizantes.
Críticos. Mas Braungart também tem muitos críticos. Friedrich Schmidt-Bleek, 82 anos, que redigiu lei aprovada na Alemanha em 1980 que rege a área química e tem como objetivo proteger as pessoas e o ambiente contra os efeitos prejudiciais dessas substâncias, questiona se as ideias de Braungart poderão ser implementadas em grande escala.
"São ideias sedutoras, mas ele atua em nichos", afirma Gays Rosenkranz, ex-porta-voz de uma comissão parlamentar do German Environmental Aid. Já Michael Muller, que assessora uma comissão parlamentar alemã como especialista em sustentabilidade, chega a se irritar. Para ele, Braungart não se preocupa com as consequências políticas e, portanto, não tem credibilidade.
Para Braungart, seus críticos estão presos a limitações de ordem política. Ele provavelmente precisará desta firmeza para manter seu entusiasmo por décadas e continuar concentrado em seu projeto.
Com seu ar distraído e óculos com aros de metal, Braungart é uma alternativa aos defensores da austeridade, mas também aos químicos da velha escola.
'Show'. Quando dá palestras - como numa conferência para proprietários de pequenas empresas em fevereiro -, expressa-se de improviso, vai e volta no palco como um comediante e fala sobre suas ideias como se elas tivessem surgido naquele momento.
Ele diz que as bonecas Barbie são bombas químicas e as bolsas Louis Vuitton são um caso flagrante de lixo perigoso. Esse tipo de declaração chama a atenção de gente importante.
Susanne Klatten, grande acionista da BMW, investe em tecnologias sustentáveis e com vistas para o futuro. Ela foi a uma de suas palestras. Como resultado, a montadora acabou aplicando conceitos do professor em seu novo carro elétrico.

Dinamarca e Holanda são principais entusiastas
Cerca de 30 empresas dinamarquesas já adotaram a iniciativa; governo holandês também é adepto do C2C

Na Dinamarca, cerca de 30 grandes empresas já se comprometeram com o princípio C2C (Cradle-to-Cradle, ou do berço-ao-berço, conceito que supõe o reaproveitamento integral dos materiais usados num processo industrial no início de um novo ciclo).
A Nike produz tênis C2C, e a clássica cadeira Aeron de Herman Miller é quase inteiramente reciclável. A ideia pegou até na China, onde a Goodbaby, maior fabricante mundial de carrinhos de bebê e assentos para crianças (Maxi-Cosi) vende uma coleção especial com certificação C2C.
Mas em nenhum outro lugar há tanta empolgação com C2C do que na Holanda. O químico Michael Braungart aconselha o governo holandês e, desde 2010, todo o programa de compras públicas do país tem se baseado em critérios de sustentabilidade. Uma área do Aeroporto Schipol, em Amsterdã, está sendo desenvolvida segundo os critérios C2C. A feira internacional de jardins Floriade foi baseada inteiramente no lema C2C, com os principais edifícios, restaurantes e instalações sanitárias gerando sua própria energia. Talheres, pratos e até papel higiênico eram C2C.
Stef Kranendjik, ex-executivo sênior da fabricante de produtos de consumo Procter & Gamble, descobriu Braungart muitos anos atrás. Dono da Desso, uma empresa holandesa que fabrica carpetes e pisos para instalações atléticas, Kranendjik se inspirou para reconstruir a companhia segundo critérios C2C. O processo começou com a busca de materiais não tóxicos e fios recicláveis.
A companhia aumentou seu consumo de energia verde para 50% do consumo total de energia. A Desso também encontrou uma cola não tóxica que podia ser removida. Desde então, os desenvolvedores da Desso criaram o Airmaster, um carpete que usa bactérias especiais para purificar o ar e absorver poeira fina. A companhia verde também fabrica a grama artificial dos carpetes usados em navios de cruzeiro. "A Desso teve um crescimento de 20% na receita", diz Kranendjik.
A indústria alemã, no entanto, ainda luta contra o conceito de Braungart, apesar de suas histórias de sucesso. Segundo ele, isso é consequência de uma "visão romantizada da natureza". "Somos muito bons em melhorar ao máximo a coisa errada", diz Braungart. Ademais, acrescenta, as companhias alemãs ganham muito dinheiro exportando plantas de incineração de lixo para o resto do mundo.
Durante anos, a carreira de Michael Braungart foi limitada por alguém muito próximo dele: sua mulher. Monika Griefahn, ex-ministra do meio ambiente do Partido Verde na Baixa Saxônia, com frequência enfrentou acusações de privilegiar seu marido e seu trabalho. Ela já tentou nomeá-lo para uma comissão de especialistas, e depois apoiou o envolvimento dele na Expo Hannover, a Feira Mundial, de 2000. Quando isso quase custou o emprego da mulher, Braungart reduziu sua exposição na Alemanha. Ele só voltou à ofensiva desde que ela se retirou da política, em 2012.
Na primavera alemã, representantes do setor de construção e imobiliário participaram do primeiro Cradle to Cradle Forum na Schloss Solitude, em Stuttgart. A lista de participantes mostra o quanto líderes empresariais superaram suas reservas. Audi e BMW estavam lá, assim como Carl Zeiss, Siemens, Bosch, Lindner, Knauf Gips e a fabricante de freios Knorr Bremse.
Christianne Benner, membro da diretoria do sindicato de metalúrgicos IG Metall, vê o C2C como uma grande oportunidade para a economia alemã. Em vez de tentar competir com países que pagam salários baixos, argumenta, a Alemanha deve se tornar a líder inovadora em reconstrução ambiental. Para introduzir a ideia de Braungart a seus engenheiros, ela fez do C2C o principal tópico de uma reunião anual há dois anos.

Maersk adota C2C em seu maior navio

Donos de empresas são dissuadidos pelos altos custos iniciais da proposta Cradle-to-Cradle (C2C), ou do berço-ao-berço. Outros gostam do princípio, mas fazem objeção à obstinação do químico e idealizador do C2C, Michael Braungart. Por que ele é tão rigidamente contrário a economizar recursos adicionais? Outros suspeitam de que ele meramente quer forrar os próprios bolsos com seu monopólio de certificação.

Respondendo a essas especulações, Braungart e seu sócio William McDonough estabeleceram rapidamente um escritório de certificação sem fins lucrativos. Uma acusação já parece ter sido refutada: que o C2C só é factível em produtos com designs simples.

A Maersk, multinacional dinamarquesa de petróleo, gás natural e navegação, construiu o maior navio de contêineres do mundo com base nos princípios de Braungart. O navio tem 400 metros de comprimento, 59 de largura e 73 de altura - 98% dele é constituído de aço.

Quando estava construindo o novo navio, a Maersk instalou as partes de tal modo que elas pudessem ser precisamente catalogadas e facilmente separadas. "Os sucateiros nos pagam 10% mais se soubermos a qualidade dos materiais", diz Jacob Sterling, diretor da Maersk.

Em um momento em que o aço se torna escasso, o navio é um valioso estoque de matéria-prima.

OESP, 18/08/2014, Economia, p. B3

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