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É preciso destravar o investimento privado na economia verde

Valor Econômico, Especial, p. A11
Autor: STEINER, Achim; CHIARETTI, Daniela
21 de Set de 2015

"É preciso destravar o investimento privado na economia verde"

"Temos que entender as implicações dramáticas se não chegarmos a um acordo climático em Paris"

"Não se pode dizer onde colocar o dinheiro [privado], mas ele pode ser atraído para uma direção"

Daniela Chiaretti

Finanças são um ponto crucial na questão climática. Sem recursos, a transição da economia atual para outra, à base de energia, indústria e infraestrutura limpas, não ocorrerá. "Mas vivemos tempos estranhos", diz o principal nome das Nações Unidas na área ambiental, o alemão Achim Steiner, "Há enormes desafios para mobilizar investimentos, mas a ironia é que, ao mesmo tempo, o mercado financeiro e de capitais está sentado sobre trilhões de dólares aguardando oportunidades."
O diretor-executivo do Programa das Nações Unidas sobre meio ambiente (Pnuma) desembarcou em São Paulo para falar em dois eventos a empresários e executivos do mercado financeiro. Sua intenção é atrair o mercado financeiro e de capitais a investir na economia de transição, a do baixo carbono. "Não são decisões fáceis", diz, reconhecendo as crises do presente.
"É desafiador não olhar só para o amanhã, mas projetar também para o médio e longo prazos. É preciso lembrar que a economia irá se movimentar novamente."
Steiner, que nasceu e passou a infância no Brasil, diz ter "esperanças ambiciosas e expectativas pragmáticas" em relação à CoP 21, a conferência do clima de Paris, em dezembro. "Paris não irá resolver, em uma tacada, o desafio de se limitar o aquecimento a 2oC. Mas trata-se de um marco vital: ou irá acelerar os esforços do mundo ou torná-los mais lentos." Steiner, que também é subsecretário da ONU, pensa nas ameaças no mundo, se a CoP 21 falhar. "O que significaria para a vida das pessoas, governos e empresas, se sairmos de Paris sem um acordo?" Ele lembra o potencial que a crise climática tem de ampliar o drama dos refugiados, a instabilidade que pode provocar em governos, as perdas nas empresas. "Temos que entender as implicações dramáticas de não se chegar a um acordo." E rebate quem diz que as eleições nos EUA representam mais para o clima do que o regime da ONU: "É uma visão estreita."
Steiner participa esta semana do congresso sobre economia verde da federação dos bancos, a Febraban, e da conferência do Instituto Ethos. Segue para a Assembleia Geral da ONU em Nova York, onde serão aprovados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), 17 metas que buscam pautar os investimentos globais até 2030. Leia trechos da entrevista que ele concedeu ao Valor do escritório do Pnuma, no Quênia, pouco antes de partir para o Brasil:

Valor: O mundo parece estar em uma rota que não é mais do crescimento. A China freou, a performance europeia está fraca e o desempenho dos Estados Unidos não inspira confiança. Quem depende de commodities, como o Brasil, sofre com a queda dos preços. Vai ter dinheiro para investir em clima?

Achim Steiner: Há poucos anos o mundo estava no meio de uma crise financeira profunda, e a economia global começou a se recuperar. O que aconteceu nos últimos meses na China e no Brasil é um revés, claro. E é desafiador não se olhar só para o amanhã, mas projetar a economia para o médio e longo prazo. A economia irá se movimentar de novo, e a questão é se irá receber só incentivos de curto prazo ou se serão construídas estratégias com estímulos mais estáveis para o futuro.
Não são decisões fáceis, mas o que testemunhamos agora no mundo não se compara ao que vimos em 2008.

Valor: O que quer dizer?

Steiner: Talvez em 6 ou 12 meses vejamos a economia global voltando aos trilhos. Há bons sinais nos EUA, alguma recuperação na Europa, a China estabilizou-se no momento. Na ótica da mudança do clima, a questão é não só prover estímulos para a economia agora, mas colocar as bases também para o futuro.

Valor: É questão de escolha?

Steiner: Sim. Vivemos tempos estranhos. Há enormes desafios para mobilizar investimentos, mas a ironia é que, ao mesmo tempo, o mercado financeiro e de capitais está sentado sobre trilhões de dólares aguardando oportunidades. Os ativos financeiros dos bancos somam mais de US$ 140 trilhões. Investidores institucionais, como fundos de pensão, gerenciam mais de US$ 100 trilhões, e o mercado de capitais, mais US$ 100 trilhões. Temos, na essência, uma economia financeira global e uma economia real não alinhadas. A escolha da política econômica pode desbloquear e mobilizar o capital, ou deixá-lo em um lugar conservador.

Valor: Como, por exemplo?

Steiner: Mudança do clima pode ser a oportunidade de se investir em mais eficiência energética, em renováveis, em melhor transporte público. São setores da economia que, se puderem ser estimulados com algum recurso público, podem desencadear investimentos do mercado financeiro. Seria um duplo benefício: estimular a economia no curto prazo e atrair o mercado financeiro para construir uma economia resiliente. Pode parecer teoria para alguns, mas é o que está ocorrendo na China.

Valor: O que acontece na China?

Steiner: No seu novo plano quinquenal, que começa em 2016, a China estima que serão necessários US$ 320 bilhões ao ano em "finanças verdes" para combater a poluição e tornar a indústria, a infraestrutura e a energia mais limpas. Estudam, com o Banco do Povo da China [o BC chinês], como enviar sinais corretos ao mercado. Sabem que podem mobilizar 15% daqueles US$ 320 bilhões ao ano, mas o resto terá que vir do setor privado e do mercado financeiro. Agir na mudança do clima pode ser um estímulo para desenvolvimento e recuperação econômica.

Valor: Com tantas crises no mundo - econômica, política, os refugiados -- que espaço o sr. sente nos governos para priorizar este tema?

Steiner: Vejo movimentos em toda parte. Na China ou na Índia, onde o primeiro ministro Narendra Modi acionou o maior investimento da história em renováveis, com 100 mil MW só em solar. Nos EUA, na gestão Obama, somas significativas de dinheiro público estão sendo mobilizadas para estimular a transição para a economia de baixo carbono. Na Europa há países gerando mais de 1/4 de sua eletricidade com renováveis.

Valor: No Brasil, que passa por crise econômica e política séria, qual a sua percepção do interesse do governo nesta pauta?

Steiner: Nos encontros da presidente Dilma com Barack Obama e Angela Merkel se viu que, mesmo enfrentando desafios múltiplos, o Brasil está buscando ser parte do esforço climático global e também fazer com que a transição para o baixo carbono aconteça na economia. Acho que o Brasil pode fazer com que essa mudança ocorra, mas não me cabe falar sobre as escolhas do governo. Posso apenas apontar as oportunidades.

Valor: Qual sua expectativa para a conferência de Paris?

Steiner: Tenho esperanças ambiciosas e expectativas pragmáticas. A ambição é que se mande sinais claros de que a resposta à mudança climática e à transição ao baixo carbono é o futuro da nossa economia. O resultado da CoP 21 tem de ser um acordo robusto nos sinais a investidores e empresas. Pragmático, porque sei que Paris não irá resolver, em uma tacada, o desafio de limitar o aquecimento a 2oC. Mas é crítico que se reconheça que se trata de um marco vital: a CoP 21 irá acelerar os esforços do mundo ou torná-los mais lentos.

Valor: Que tipo de acordo o sr. acha que teremos neste Natal?

Steiner: Acredito que os entraves do processo de negociação serão superados, e isso vai requerer que os chefes de Estado e governo digam aos seus negociadores que têm que conseguir um acordo que reconheça, em primeiro lugar, que entramos em uma nova era.

Valor: Qual nova era?

Steiner: Os INDC [planos que todos os países têm que fazer com sua contribuição com o enfrentamento do problema] representam um grande passo à frente. Significam que todos os países estão comprometidos com a mudança do clima.
Sabemos, pela análise das INDC anunciadas até agora, que não são ainda suficientes para a meta dos 2oC, mas conseguimos mais do que teríamos sem elas. É um ponto positivo que mostra que há uma ação significativa, no mundo, na redução de gases-estufa.

Valor: Quais os outros pontos importantes o acordo deveria ter?

Steiner: Como o mundo irá lidar com a adaptação aos impactos da mudança do clima. O Pnuma divulgou em 2014 um estudo que estima que, em 2050, podemos ter que gastar US$ 500 bilhões ao ano em adaptação. Paris talvez não resolva isso, mas tem de conseguir que o mundo se comprometa a investir junto na capacidade de se adaptar. O compromisso de US$ 100 bilhões ao ano [acordado em 2009 pelos países desenvolvidos] para adaptação, de 2020 em diante, é fundamental para se aumentar a confiança no acordo de Paris. Finanças é um ponto crucial.

Valor: O que mais?

Steiner: É importante ter um compromisso de longo prazo que leve a economia a ter emissões líquidas zero depois de 2050. A meta de longo prazo garantirá que a ambição do acordo possa ser revista e fortalecida nos anos que virão.

Valor: Meta para 2050?

Steiner: Não é tanto uma questão de data específica, depende de quão rápido nos mexermos. O espaço que ainda temos para emitir carbono na atmosfera indica que, entre 2050 ou 2060, não poderemos emitir mais CO2 do que pudermos capturar e estocar através de novas tecnologias. Então, os quatro elementos do acordo de Paris, para mim, são: aumentar a ambição, porque as INDC são um passo adiante mas não suficiente, um caminho global para adaptação, finanças e os US$ 100 bilhões ao ano como pré-condição para os países se sentirem seguros, e uma meta de longo prazo.

Valor: Quando a CoP-21 terminar, o que mudará na vida das pessoas, dos governos e das empresas?

Steiner: Gostaria de reverter esta pergunta: o que significaria para a vida das pessoas, governos e empresas se sairmos de Paris sem um acordo? Acho que a vida será muito mais desafiadora do que podemos imaginar. Já vemos hoje no mundo pessoas sendo forçadas a abandonar o lugar em que vivem em função de secas, inundações, degradação da terra. Imagine que o mundo continue no ritmo de emissões de agora, e os cenários do IPCC se tornem realidade. Seria um desastre, principalmente para países em desenvolvimento e pequenas ilhas, mas também para o resto do mundo. Como o mundo iria se parecer se a maioria das pessoas tivesse que sair dos lugares onde viveram? Para os governos, isso pode ser um tema de segurança nacional. Torna-se um tema de segurança global. Alguns dizem que um dos fatores que contribuíram para o conflito na Síria foi a seca de quatro anos que forçou pessoas a se deslocarem. Para as empresas, há o fenômeno dos ativos nos quais os investidores não querem mais colocar dinheiro. Temos de entender as implicações dramáticas de não se chegar a um acordo. E que, se chegarmos a um acordo, também não é garantia que tudo ficará bem, mas ainda é nossa melhor chance de levar o mundo ao limite da margem de 2o C.

Valor: Tem quem defenda que a eleição nos EUA é mais importante do que o acordo de Paris.

Steiner: É um jeito muito estreito de pensar. O que acontece politicamente nos EUA ultrapassa suas fronteiras e rebate na economia global, mas, por mais significativa que seja sua influência, não é o único determinante. Hoje 50% dos novos investimentos no mundo em infraestrutura de eletricidade são em renováveis, excluindo grandes hidrelétricas. Os EUA importam, mas não são o único determinante de que a comunidade global aja em desafios como a mudança do clima ou outros.

Valor: Como evitar que o acordo saia em Paris, mas seja fraco?

Steiner: Parece-me importante que os líderes instruam os seus negociadores para que mostrem flexibilidade sem abandonar princípios fundamentais. Há que haver boa vontade para superar as diferenças que, claramente, estarão lá.

Valor: Como orientar o fluxo de capitais para a economia verde?

Steiner: A chave do que estudamos no Pnuma há dois anos é que a transição para a nova economia começou. Descolar o crescimento da poluição e da degradação dos recursos ficará mais forte no mundo. Mas colocar a economia na rota do baixo carbono não terá sucesso se não houver financiamento. Há uma desconexão da economia real, em sua demanda de ter uma agenda de desenvolvimento sustentável, e onde a economia financeira efetivamente está. Temos de criar incentivos para que os mercados invistam na transição. O conceito de "finança verde" é fundamental, assim como o papel dos bancos centrais e das autoridades regulatórias. Não se pode dizer onde colocar o dinheiro, mas ele pode ser atraído para uma direção.

Valor: O petróleo do Pré-Sal deveria permanecer no fundo do mar?

Steiner: Não me cabe comentar como o Brasil irá explorar suas opções, mas me sinto confortável em dizer que seria um grande revés se o futuro do Brasil, em termos de infraestrutura e sistema energético, fosse bancado nos combustíveis fósseis. O Brasil tem esse retrospecto invejável de ter investido décadas em uma economia de energia renovável. Há tantas oportunidades, em renováveis e eficiência energética. Porque não tirar vantagem disso agora? Além disso, vemos o mercado de petróleo com grandes oscilações, e o horizonte de 2050 parece o de um mundo menos dependente de fósseis.

Valor: Como evitar que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fiquem nas boas intenções?

Steiner: Será um momento histórico quando os líderes mundiais estiverem em NY para adotar, pela primeira vez, metas de desenvolvimento que integram as três dimensões: social, ambiental e econômico. Não podemos continuar a ter sucesso econômico a custos da equidade social ou da sustentabilidade ambiental. O sucesso dos ODS depende de se tornarem parte do debate nacional sobre desenvolvimento, das campanhas eleitorais, da pauta dos Congressos.

Valor Econômico, 21/09/2015, Especial, p. A11

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