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'É impossível atacar todos os problemas'

OESP, Vida, p. A28
Autor: SOUZA, Álvaro Antonio Cardoso de
10 de Set de 2006

'É impossível atacar todos os problemas'

Entrevista: Álvaro Antonio Cardoso de Souza, presidente do conselho diretor do WWF-Brasil

Cristina Amorim

Empresas e governo dividem a responsabilidade de conservar a natureza e usar seus recursos de forma sustentável. É o que afirma o presidente do conselho diretor da organização ambientalista WWF-Brasil, Álvaro Antonio Cardoso de Souza. "Sem unir esforços, não se consegue impacto", adverte Souza, ex-presidente do Citibank do Brasil e consultor de empresas.

Como unir interesses econômicos e conservação?

Há uma diferença conceitual importante entre preservação e conservação ambiental. A preservação é a linha que algumas ONGs seguem, de deixar a natureza totalmente intocada, como uma dádiva. É uma visão absolutamente romântica da vida. Formamos um planeta com quase 7 bilhões de pessoas e, em 25 anos, 10 bilhões de pessoas. Não é realístico achar que vai se conseguir manter a natureza intocada. Nós atuamos na conservação, que é integrar o homem como parte do bioma. Batalhamos para aumentar o grau de conscientização da população.

A política ambiental em prática hoje tem incentivado reservas extrativistas. É um caminho?

Estamos tentando desenvolver programas sustentáveis, com manejo da natureza. Não adianta falar: "Não extraia a madeira!". Não tem jeito, precisamos, é importante, mas deve ser feito com sustentabilidade. Sob o ciclo que nós vemos no Brasil de extração, monocultura e gado, em 30 ou 40 anos a terra estará absolutamente destruída. A recuperação é muito difícil porque a natureza foi estuprada.

Por que pedir ajuda às empresas?

Ainda há no Brasil uma mentalidade de ajuda, assistencial, não sustentável. Os programas do governo em sua maioria não têm princípio, meio e fim. Não se pensa em uma forma de a comunidade caminhar por suas próprias pernas. Os governos mudam, as prioridades e os programas se alteram. O trabalho é imenso e, sem unir esforços, não se consegue impacto. E dinheiro é tão escasso quanto bons programas de conservação.

É difícil conseguir dinheiro para conservação ambiental?

Hoje essa área não é prioridade no País. Do que aplicamos nos programas brasileiros, 80% vêm de doações da rede internacional. Nas empresas que fazem doações, educação vem em primeiro lugar, saúde em segundo, programas sociais em terceiro e ambiente em quarto. As empresas mais evoluídas perceberam que a conservação ambiental é o pano de fundo para isso tudo. Não adianta fazer um programa de saúde em uma área que está de tal modo deteriorada que não existe saneamento. É dinheiro jogado fora porque as pessoas vão ficar doentes. Essa ficha está começando a cair, o que é bom.

Então ambiente é prioridade?

Não é que educação e saúde não mereçam cuidado. No setor privado, começa a haver conscientização de que as empresas podem fazer um programa conjunto de educação e preservação. Não há mais egocentrismo entre as pessoas que dirigem as fundações. Se elas se unem em torno de uma causa única, a fragmentação de esforços diminui.

O que isso significa?

Existe tanta coisa a ser feita que caímos na tentação de fazer muita coisa, mas que acaba se fragmentando. É impossível atacar todos os problemas.

Então como focar, já que são muitos os problemas?

De cinco anos para cá, estamos tentando concentrar os recursos em programas, não em projetos, que tenham impacto positivo no ambiente. Temos projetos que têm um ciclo de vida curto, muito importantes para uma micropopulação de uma determinada região, mas que acabam se esgotando. Agora buscamos uma estratégia chamada Keystone Initiatives, iniciativas mundiais, entre as quais a Amazônia é uma das prioridades.

As ONGs querem internacionalizar a Amazônia?

Não. Há ONGs com atuação que incentivam a compra de terras para proteção, que levantam meios e preservam a área. O propósito é nobre: comprar uma área para preservar, que fica intocada. Mas do ponto de vista de entendimento da população local, do que é soberania, é muito difícil. A mata atlântica está cheia de pessoas físicas, cidadãos brasileiros, que fazem isso, então tudo bem porque é gente nossa. Não acho que o intuito é espúrio, mas, em bom português, pega mal.

OESP, 10/09/2006, Vida, p. A28

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