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É cedo para culpar o etanol pela inflação

OESP, Economia, p. B21
Autor: RODRIGUES, Roberto
13 de Abr de 2008

'É cedo para culpar o etanol pela inflação'
Influência dos biocombustíveis na alta dos preços dos alimentos não faz parte da realidade brasileira, diz ex-ministro

Andrea Vialli

O peso do Brasil como potência agrícola apavora o mundo e é a base do protecionismo dos países ricos e da reação contra o etanol de cana-de-açúcar. "Com 71 milhões de hectares ainda disponíveis para a agricultura, é possível alimentar o mundo e ainda produzir etanol."

A avaliação é de Roberto Rodrigues. Para o ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), há quem queira aproveitar o assunto para alimentar mitos sobre o etanol de cana-de-açúcar. "Essa discussão sobre a influência da produção de biocombustíveis na alta dos preços dos alimentos não faz parte da realidade brasileira, e sim da americana."

A polêmica sobre a influência dos biocombustíveis na alta dos preços dos alimentos voltou a esquentar na semana passada. O presidente Lula foi à Europa defender o etanol de cana-de-açúcar e ouviu do primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende, que há, sim, relação entre a inflação e produção de agroenergia. A alta no preço dos alimentos entrou para a agenda dos países ricos e dominou o discurso dos dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, nos EUA. Lá, a produção de etanol a partir do milho, amplamente subsidiada pelo governo, foi responsável pela escalada no preço dos grãos.

Para Rodrigues, é cedo demais para culpar a produção de etanol pela inflação dos alimentos. "Ainda nem existe um mercado global para o etanol. O que está acontecendo é um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos." A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Estado.

Quais são as razões para a alta no preço dos alimentos?

O que está acontecendo no mundo é um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos, que não era esperado nem imaginado. E isso ocorre por causa de dois fatores principais. O primeiro é um crescimento explosivo da demanda entre os consumidores dos países emergentes, cuja renda per capita cresceu muito nos últimos três anos.

Enquanto isso, a oferta diminuiu, e por uma razão objetiva: houve seca. Na Austrália, na Ucrânia, Europa Central, no Brasil. Nos últimos três anos, tivemos secas tão profundas no sul do País que perdemos 40 milhões de toneladas de grãos. Então, com a diminuição da oferta e a demanda crescente, a conseqüência imediata é o aumento dos preços. Os estoques de milho, trigo e arroz hoje, que são os cereais básicos para a alimentação do mundo, estão em 70% do que eram há sete anos.

Mas isso foi decorrente apenas de questões climáticas?

Há temas laterais que são igualmente importantes. O primeiro é o aumento exponencial do custo dos fertilizantes: em um ano, houve elevação de 140% no preço desse insumo. O preço do petróleo triplicou nos últimos quatro anos. Então, o custo de produção também. Um outro fato secundário, mas igualmente importante, é a especulação. Muitas empresas e investidores migraram para as commodities agrícolas por causa da crise do mercado imobiliário americano. A especulação retroalimenta esse processo.

Não há relação direta entre o aumento dos preços dos alimentos e a produção de biocombustíveis?

Aí entra a história do etanol americano, que a gente conhece. Os EUA destinaram um quarto da safra de milho para fazer etanol, via subsídios elevadíssimos. Isso criou uma distorção do mercado. O que acontece é que os especuladores e outros agentes de mercado - somados à desinformação geral - misturaram no mesmo saco todo tipo de etanol: de milho, de cana. Que são coisas absolutamente diferentes.

Essa discussão faz sentido no Brasil?

De forma alguma. No Brasil, cana não concorre com alimentos. Mais do que isso: a cana está ocupando no Brasil áreas de pastagens. O Brasil tem 7 milhões de hectares de cana cultivada, sendo 3,6 milhões para produção de etanol. Isso para uma área total cultivada de 72 milhões de hectares. Ou seja, o etanol ocupa só 5% da área cultivada brasileira. Isso não é um problema. No caso do milho, existe uma concorrência entre o milho produzido para etanol e o milho para comida, humana ou animal. A cana não, ela não tira terra de grãos. E com uma característica que é a mais importante de todas: a cana, onde entra, permite que se passe a produzir outros alimentos.

Por causa da rotação de culturas?

A cana é uma cultura semipermanente. De 15% a 20% da área com cana precisa ser renovada anualmente, e nessa renovação, os produtores brasileiros estão plantando leguminosas. Sojicultura com a cana, por exemplo. É uma rotação agronomicamente favorável: a leguminosa fixa nitrogênio no solo, o que é um adubo natural para a cana. De modo que municípios canavieiros são hoje grandes produtores de soja, amendoim, feijão. A desinformação, ou a contrapropaganda por interesses setoriais, está misturando tudo, como se álcool de cana e de milho fossem a mesma coisa.

Estamos diante de um novo argumento protecionista?

Eu não acho que seja um argumento protecionista. Acho que é um argumento especulativo, de interesses empresariais, setoriais, de gente que está perdendo dinheiro e querendo desmanchar o processo. Interesses específicos, contrariados.

E quem seriam esses grupos?

Tem gente aproveitando a questão protecionista. Mas, quando você vê a reação de gente como Jeffrey Sachs (economista da Universidade de Columbia, nos EUA, que defende a retirada imediata de subsídios para a produção de etanol de milho), você vê que há discernimento técnico e acadêmico. Então, não acho que o protecionismo seja a razão. A razão é de mercado mesmo. Alguns ramos da indústria de alimentos estão preocupados porque o milho subiu muito de preço. Olha o caso das tortillas.

Então seria mais um argumento especulativo de quem perderia mercado com a expansão do etanol?

Mas a questão é que nem existe ainda um mercado global para o etanol. Ele só vai existir quando acontecerem quatro coisas. Primeiro: quando houver mais países exportando - o Brasil é hoje o único exportador de peso. Segundo: quando a legislação dos países consumidores obrigar a mistura na gasolina, porque sem a obrigatoriedade ninguém vai misturar. A indústria do petróleo não vai permitir isso. Terceiro: quando esses mitos forem eliminados. Quarto: quando for criada uma estratégia global, baseada em estratégias nacionais. Nós não temos uma estratégia nem para o Brasil. Quando tivermos um mercado é que essas questões de protecionismo ganharão dimensão forte. Mas hoje eu reitero que é muito mais especulação.

Essa discussão alimentos versus biocombustíveis pontuou a visita do presidente Lula à Holanda. A Europa embarcou na história de que o etanol brasileiro pode repetir os problemas ocorridos com o milho americano?

Eu acho que sim. Eu conversei há 15 dias com o presidente da Comissão Européia, Manuel Durão Barroso, e ele estava preocupado. Ele é um defensor dos biocombustíveis, mas também está sentindo uma pressão forte nessa área lá. Agora, nós temos que fazer a propaganda adequada, destruir esses mitos, de uma maneira pragmática, acadêmica. Isso é um erro, misturar as duas coisas. Trata-se de má fé. E de uma questão geopolítica.

Uma questão geopolítica?

Sim. O Brasil tem hoje 72 milhões de hectares cultivados, e 180 milhões de hectares de pastagens, dos quais 71 milhões de hectares são cultiváveis. Então, nós podemos dobrar a área agricultável do Brasil. E é disso que o mundo tem medo, do potencial brasileiro. Por isso o País tem sido bombardeado com essas críticas. Agora, desses 71 milhões de hectares, só 22 milhões são próprios para cana, o que dá uma sobra de 49 milhões de hectares para comida. Então, o Brasil pode abastecer o mundo inteiro de comida e de etanol. É isso que apavora esse mundão.

Daí vêm as críticas de que a produção de etanol em larga escala no Brasil geraria alta nos preços?

As pessoas se aproveitam desse desequilíbrio entre oferta e demanda nos alimentos para lançar outros temas na roda, e acabam misturando os assuntos. Existe uma realidade: os preços subiram. Existe outra realidade: os americanos estão usando milho para fazer combustível, e isso elevou os preços. Não é verdade que a cana contribui para isso. Além disso, agroenergia é um assunto que pode mudar a geopolítica mundial. Porque agroenergia vai produzir riqueza, emprego e renda em países emergentes, que tenham terras disponíveis, água e sol à vontade. E onde isso vai acontecer? Na América Latina, África, Ásia. São os países pobres que podem produzir um elemento essencial para a economia mundial, que é energia. Não podemos deixar que estraguem a oportunidade que temos de transformar a geopolítica mundial, de distribuir melhor a renda no mundo. É o que a agroenergia pode fazer.

Quem é: Roberto Rodrigues
É presidente do Conselho Superior de Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Foi ministro da Agricultura no governo Lula, de 2003 a 2006. Pediu demissão do cargo após divergência com outras áreas do governo
Natural de Cordeirópolis (SP), tem formação em Engenharia Agrônoma

OESP, 13/04/2008, Economia, p. B21

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