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Duas árvores, duas medidas

O Globo, Rio, p. 10
17 de Dez de 2007

Duas árvores, duas medidas
Prefeitura deixa desmatar encostas, mas faz muita exigência para autorizar cortes

Luiz Ernesto Magalhães

Enquanto as favelas crescem desordenadamente, desmatando as encostas até mesmo em áreas de preservação ambiental, como no caso da Favela Chácara do Céu, no Morro Dois Irmãos, a burocracia cerca o caminho do carioca que tenta obter autorização para derrubar, legalmente, uma única árvore em casa ou na rua. Em primeiro lugar, ele precisa contratar um especialista credenciado na prefeitura, que, conforme as dimensões da árvore, pode cobrar até R$ 5 mil. Depois, é obrigado a reunir uma série de documentos (planta arquitetônica indicando localização da árvore, laudo técnico caso haja risco para edificações e recibo do IPTU, entre outros) para entrar com um pedido de licença na Fundação Parques e Jardins (FPJ).
Para a análise ser feita, é cobrada uma taxa de 125,40 Ufirs (R$ 219,38) por árvore, caso o espécime não esteja contaminado por pragas ou morto. A multa para quem não cumpre as regras também é salgada: pode chegar a R$ 2.237,63 por árvore.
- O processo pode ser ainda mais complexo e caro caso a árvore esteja numa área da União ou do governo do estado, que têm exigências específicas - explica o engenheiro florestal Adyr Campbell Rodrigues Filho. - Se o caso exigir apenas licença do município, ela pode demorar até 40 dias para ser liberada.
As exigências são ainda maiores quando as remoções ocorrem com o objetivo de construir no local. Geralmente a prefeitura determina que se plante uma árvore no terreno para cada 50 metros quadrados construídos. 0 número de -espécimes poderá- ser exigido em dobro se, por falta de espaço, o plantio for feito em outro local. Ou até triplicado, caso o responsável pelo empreendimento prefira doar mudas para o horto municipal, que faz plantios por toda a cidade.
Autorização pode levar três anos
Em residências, as remoções são sempre de responsabilidade dos moradores. Nas ruas podem ser feitas pela FPJ ou por particulares, seguindo orientações de especialistas e com autorização do município. Para o engenheiro agrônomo Afonso Martins de Melo Franco, muitos síndicos de condomínios particulares preferem arcar com os custos da remoção em casos de emergência.
- Na maioria das vezes, os donos dos imóveis preferem pagar pelo serviço do que esperar pela prefeitura. Há casos nos quais a espera pela remoção pode levar até três anos - disse Afonso Melo Franco.
O presidente da FPJ, Osmar Caetano de Souza, explica que o órgão recebe mensalmente cerca de 30 pedidos de licenças para remoções por particulares. Ele, no entanto, nega que Paia demora para o atendimento dos casos de emergência. Segundo Osmar, as remoções particulares em vias públicas são mais freqüentes em condomínios da Zona Sul e da Barra da Tijuca. 0 presidente da FPJ acrescenta que os técnicos do órgão sempre inspecionam os locais. Eles emitem laudos que servirão de base para a concessão das licenças:
- 0 objetivo principal é preservar a vida da árvore. Muitas vezes ela está em mau estado, mas pode ser recuperada com tratamento adequado. Mas, se a árvore oferecer risco, a remoção é rápida - garante.
Colaborou Rafael Galdo

Um parque abandonado

Como o GLOBO já havia mostrado em julho deste ano, o medo da violência e o crescimento da Favela Chácara do Céu vinha afastando freqüentadores do Parque municipal Penhasco Dois Irmãos. No Alto Leblon, vizinhos da área de lazer diziam que a unidade era usada como caminho para a favela, mesmo fora do horário de visitação. Na época, a Secretaria municipal de Meio Ambiente informara que, após as 17h, o acesso era restrito a moradores da comunidade com placas de carros cadastradas na administração.
Presidente da Associação de Moradores do Alto Leblon, Evelyn Rosenzweig diz que a fuga dos visitantes se mantém:
- Quase ninguém vai porque falta segurança e infra-estrutura.
Tivemos que pedir que fosse fechada a entrada entre as ruas Sambaíba e Timóteo da Costa, que já foi usada para a fuga de bandidos.
Em outubro de 2006, um relatório do Tribunal de Contas do Município também identificou riscos. Segundo o documento, funcionários da prefeitura já foram ameaçados por homens armados.
A unidade de conservação fica na encosta do Morro Dois Irmãos, tem 390 mil metros quadrados e foi criada em 1992. A vegetação da área foi replantada, depois de ser quase totalmente devastada para dar lugar a pastos e lavouras, entre os séculos XVI a XIX. Nele, há vários mirantes, um teatro de arena e esculturas de Oscar Niemeyer.

Com essa vista e muito mais
Favela Chácara do Céu já tem imóvel à venda por R$ 38 mil e aluguéis de R$ 400

O negócio parece tentador. Que tal comprar um prédio de três andares na Zona Sul do Rio, com vista para o mar e estacionamento garantido no Parque Penhasco Dois Irmãos, por R$ 38 mil? A oferta, supostamente relativa a um imóvel à venda na Favela Chácara do Céu, foi publicada no dia 31 de outubro no site "Balcão.com" que abre espaço para anúncios de graça. Até ontem à tarde, 365 pessoas já haviam consultado a proposta, intitulada "Favela querida-Chácara do Céu-Com essa vista e muito mais".
Segundo o suplemento "Morar bem" do GLOBO de ontem, é possível encontrar imóveis de um quarto, em áreas formais, por valor um pouco inferior ao pedido pelo prédio na Chácara do Céu.
Nesta lista estão bairros como Centro, Madureira, Méier e Lins (R$ 30 mil); além de Andaraí, Grajaú e Ilha do Governador (R$ 35 mil).
0 anúncio inclui fotos do imóvel. Embora conte com apenas uma cozinha, o prédio tem acessos independentes para cada andar e vista para o mar. 0 responsável, que não foi localizado pelo GLOBO, diz no site que só está se desfazendo do prédio porque vai deixar o Rio. Mas ressalta que a área está se valorizando. "É um lugar muito lindo e fica numa comunidade tranqüila e hospitaleira", informa o anúncio. "Olha a vista, gente! Tem que chegar, né?", incentiva o anunciante do imóvel.
O suposto proprietário acrescenta que aluga dois andares do prédio por R$ 400 cada e que o imóvel pode ser uma fonte de renda para quem fechar o negócio. Por valor semelhante, é possível encontrar apartamentos de dois quartos para alugar em Andaraí e Grajaú (R$ 370), Méier, Lins, Tijuca e Rio Comprido (R$ 400).
Freqüentador do Parque Dois Irmãos, o artista plástico Antônio Veronese não se surpreende com a existência de um mercado imobiliário na Chácara do Céu. Em conversa com moradores, disse já ter ouvido ofertas para o aluguel de quitinetes de até R$ 500.
- Muitas vezes, quem desmaia para construir mora em áreas nobres da Zona Sul e se aproveita de quem precisa - diz Veronese.
O artista plástico lembra de uma situação semelhante quando presidia a Câmara Comunitária do Alto Leblon:
- Em 1992, moradores do Alto Leblon, do Alto Gávea e do Jardim Pernambuco conseguiram a remoção de 56 casas da Favela do Bosque do Alto Leblon e indenizaram as pessoas. Na época, descobrimos que uma pessoa que alugava imóveis para sete famílias da favela morava na Rua Jardim Botânico e tinha dois carros na garagem. Indenizamos quem morava na favela, mas não o suposto proprietário, porque tudo era irregular.
Para Gustavo de Paula, advogado especializado em direito ambiental e diretor do Grupo Ação Ecológica (GAE), o crescimento de comunidades como a Favela Chácara do Céu - seja horizontal ou verticalmente - é mais uma demonstração da incapacidade do poder público de reprimir as irregularidades urbanísticas por toda a cidade. Gustavo acrescenta que, mesmo que as comunidades não se expandam além dos eco-limites, também há conseqüências sérias quando o crescimento se dá apenas na vertical, com o acréscimo de novos pavimentos:
- A expansão desordenada sobrecarrega a infra-estrutura dos bairros, como o sistema de transportes e as redes de água e esgoto projetadas. E, no Rio, esse é um problema que ocorre tanto em construções irregulares em favelas como em imóveis projetados para a elite.

O Globo, 17/12/2007, Rio, p. 10

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