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A dolorosa chaga da exclusão

CB, Crise nas Escolas, p. 30
28 de Mai de 2007

A dolorosa chaga da exclusão

Érika Klingl
Da equipe do Correio

Está na Constituição, no seu artigo 205: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Às vésperas de completar 20 anos da promulgação da lei maior brasileira, esse artigo ainda não virou realidade para nada menos que 35 mil crianças e adolescentes na capital do país. São meninos e meninas em idade escolar, mas excluídos do sistema educacional.

É o caso dos irmãos descendentes de índios Irassuri, de 8 anos, e Iacuiná, de 6. Filhos de Edilene Conceição, há poucos dias eles tiveram que tomar uma decisão de gente grande: mudar para uma aldeia em Alagoas, distante 2 mil quilômetros de casa, ou morar perto da mãe, na Asa Norte, mas sem estudar. O dilema associado ao futuro, que normalmente atinge jovens em vias de cursar o ensino superior, deixou a família abalada. "Minha irmã nunca foi na aldeia deles e os meninos ainda não conhecem a avó índia, mas lá eles poderão estudar porque tem uma escola dentro da tribo", explica Ednalva Conceição Cavalcante, tia dos dois meninos.

No dia em que conversaram com a reportagem do Correio, os indiozinhos do povo Kariri-chocó ainda moravam no coração do Parque Burle Marx, localizado no final da Asa Norte. Mas estavam de mochilas prontas para encontrar suas raízes e, principalmente, a cidadania. No meio dos 175 hectares do parque, a menos de 2km do Parque Nacional de Brasília (Água Mineral), existe um perímetro cercado com grades verdes e que pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai). Lá, moram nove famílias indígenas. Em todas as casas, existem crianças. Sem exceção, independentemente da idade, elas sofrem com o acesso a escola. "A gente até conseguiu a escola, mas é longe demais e a gente fica muito cansado", reclama Irassuri. "Eles estavam faltando mais que indo, por isso, optamos pela mudança e pela saudade", lamenta Ednalva.

O filho mais velho de Ednalva, Tainã Uauá , de 16 anos, conhece bem a dificuldade de estudar quando se está à margem da sociedade. Ele passa seis meses por ano fora da escola quando está no DF, na casa da mãe. Nos outros seis meses, freqüenta a sala de aula na aldeia Fulni-ô, em Pernambuco. Lá, ele aprende yatê - a língua nativa da tribo. "Venho todo ano para Brasília para conseguir coisas para o nosso povo e quando estou aqui não tenho como estudar. Fico em uma situação difícil, porque lá falta de tudo e aqui fico longe da escola", conta. Não à toa, ele está com cinco anos de defasagem escolar. Depois de tanto esforço, desistiu da formação. "Meu futuro é trabalhando pelo meu povo. Assim posso ser útil. De que adianta ter diploma se temos fome?", pergunta.

Excluídos
O número de 35 mil excluídos sempre esteve escondido por trás dos excelentes índices de matrículas. Para se ter uma idéia, em 2005, o DF alcançou a marca de 98,1% de crianças com idade entre 7 e 14 anos na sala de aula. Nos ensinos infantil e médio, os dados foram um pouco piores com 84,6% e 87,3%, respectivamente.

O fenômeno é nacional e, mesmo que o percentual de crianças fora do ensino fundamental pareça pequeno (veja o quadro), o dado ganha peso ao se abandonar os números gerais e partir para a análise de grupos específicos. Há mais negros excluídos do que brancos, mais pobres fora da escola do que ricos. E, entre todos os grupos, as crianças e adolescentes indígenas estão na pior situação. São 7,9% fora da escola em todo o país, representando 4 mil indígenas, com idades entre 7 e 14 anos.

Não são poucos os motivos da exclusão. Muitas vezes, a escola é longe. Em outras, é pouco atraente. Há também casos de crianças que deveriam estar aprendendo a ler, a fazer contas e, principalmente, a conquistar a cidadania, mas, em vez disso, estão trabalhando ou simplesmente marginalizadas.

"Já faz uma década que comemoramos o sucesso da inclusão de crianças na escola com índices de mais de 95%. Eu me pergunto como vamos alcançar os que historicamente ficam de fora," lamenta a secretária-geral do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, Neide Castanha.

Adriana Moraes, de 23 anos, mora dentro do câmpus da Universidade de Brasília (UnB) em um barraco de lona e vive com uma pequena renda como catadora de papel. Apesar de tão jovem, tem três filhos, entre 1 e 6 anos. Ela, que não sabe nem assinar o nome, teme pelos meninos. "Quero que eles tenham futuro e não vivam tão mal quanto eu, mas não sei como fazer. Não tenho endereço, não tenho dinheiro, não tenho nada para oferecer", lamenta.

De acordo com a secretária de Educação, Maria Helena Guimarães, o DF apresenta índices de escolaridade dentro dos padrões exigidos pelos países desenvolvidos. "A Organização para o Desenvolvimento Econômico dos Países Desenvolvidos trabalha com o percentual de 98% das crianças matriculadas em idade escolar", explica.

A evasão escolar, na avaliação da secretária, ocorreu devido ao crescimento desordenado da população. "Os governos anteriores não planejaram a construção das novas cidades.

Com isso, temos locais onde não há escolas e não temos onde construí-las, como a Estrutural", comenta.

CB, 27/05/2007, Crise nas Escolas, p. 30

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