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Dois caciques sao acusados de contrabando

O Globo, O Pais, p.8
19 de Abr de 2004

Dois caciques são acusados de contrabandoBernardo de la PeñaBRASÍLIA. Os caciques da tribo dos índios cintas-largas João Bravo e Pio, que vivem na reserva Roosevelt, em Rondônia, onde 29 garimpeiros foram mortos num confronto com índios no dia 7 de abril, já respondem a ação penal por contrabando de diamantes e formação de quadrilha. Eles são acusados junto com funcionários da Funai e atravessadores de pedras preciosas de participar da exploração ilegal de diamantes na reserva. O processo corre na Justiça Federal, em Rondônia, sob segredo de Justiça. A informação foi dada ontem pela subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko de Castilho, coordenadora da 6 Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que trata de temas ligados a comunidades indígenas e minorias. Ela citou o caso como um exemplo de que não há impedimento na legislação para que índios sejam processados por crimes cometidos. Polícia Federal investigava exploração de diamantes O envolvimento dos dois caciques com a exploração ilegal de diamante já vinha sendo investigado pela Polícia Federal. Agora, a PF vai buscar os responsáveis pelos assassinatos dos garimpeiros, mas, para Ela Castilho, será muito difícil identificar os autores: — Vai ser instaurado um inquérito para investigar as circunstâncias e identificar quem são os autores. Mas vai ser difícil essa identificação. Especialista no tema, a subprocuradora defende que os crimes praticados por índios sejam julgados dentro de uma análise antropológica, que leve em consideração a cultura da tribo do índio que eventualmente tenha cometido o delito. Segundo ela, essa é a orientação que vem sendo dada no Ministério Público Federal sobre o assunto. — Poder ser processados, eles (os índios) podem. Tem que verificar se a atuação deles tem uma causa que exclui o crime. Em tese, não é porque são índios que não podem ser processados. Defendemos que haja uma análise antropológica. Temos que entender o contexto deles como participantes de um grupo indígena — explicou a subprocuradora. O professor de direitos humanos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e procurador da República Daniel Sarmento concorda: — Antigamente, se achava isso (que os índios não podiam ser punidos pelos crimes). Hoje, a questão da imputabilidade do índio vem da constatação se ele tinha ou não capacidade para compreender o caráter ilícito da conduta. Portanto, depende. Tem que se fazer uma análise mais particular dos índios e do caráter antropológico em que eles se encontram — disse. Sentença precisa prever o grau de integração do índio O jurista Luiz Roberto Barroso explica que a versão anterior do Código Civil, reformada no governo Fernando Henrique, tratava os índios como incapazes. O novo texto tem um artigo que remete para o Estatuto do Índio a competência para regular o assunto. O artigo 56 do código prevê que, em caso de condenação de um índio por infração penal, a sentença deve ser atenuada e, na sua aplicação, o juiz leve em conta o grau de integração do índio. O texto prevê ainda que as sentenças de prisão dos índios sejam executadas, se possível, em regime semi-aberto sob responsabilidade da Funai. A subprocuradora cita como exemplo de problemas na relação com a sociedade o caso dos cintas-largas, que têm histórico de violência em contatos com brancos. Ela diz que eles só conheceram a civilização há cerca de 30 anos. — São um povo sobre quem sempre consideramos a possibilidade de um genocídio. Estão sendo dizimados porque o garimpo entrou lá. Há problemas de saúde com as doenças trazidas pelos garimpeiros. Isso é uma tragédia e mostra que o estado brasileiro não está dando conta do problema.
Diamantes motivam conflitoA exploração ilegal de diamantes transformou a reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, numa área de conflitos, atraindo garimpeiros e mudando a vida dos caciques. Em 2002, o GLOBO mostrou que graças aos diamantes, 11 caciques enriqueceram. Desfilavam com caminhonetes importadas e telefones celulares. Um deles, João Bravo, confirmou que cobrava pedágio para permitir que garimpeiros explorassem a reserva. No fim de 2001, cinco funcionários da Funai e um do Ibama de Rondônia foram acusados de comandar a máfia de extração ilegal de diamantes na reserva. Eles seriam responsáveis por pelo menos dez casos de tortura e quatro assassinatos. A Polícia Federal revelou que eram cobrados entre R$ 10 mil e R$ 18 mil para permitir a entrada de máquinas de extração de diamantes. A Roosevelt abriga 1.300 cintas-largas. Sua jazida de diamante é uma das maiores do país, suficiente para mais dez anos de exploração.

O Globo, 19/04/2004, p. 8

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