VOLTAR

Documento final do Encontro BR-163 Sustentável

Instituto Socioambiental - http://site-antigo.socioambiental.org
20 de Nov de 2003

Documento final do Encontro BR-163 Sustentável

Organização: Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com o Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Instituto Centro de Vida (ICV), Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT), Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia (IPAM), WWF-Brasil, The Nature Conservancy (TNC) e Conservation International (CI)
e com o apoio do Grupo Agroflorestal de Proteção Ambiental (GAPA), do Greenpeace, da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Água Boa, da ONG Roncador-Araguaia, da Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), da Rainforest Foundation US, da Norwegian Rainforest Foundation, da Rainforest Action Network, da ICCO, da Moore Foundation e da Environmental Defense (EDF)

A abertura da Rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), em 1973, representou uma oportunidade de integração nacional e expansão das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, um dos episódios mais sofridos da História recente do nosso país. Diante da ausência de qualquer esforço consistente de planejamento, implicou na instalação de frentes de colonização e de ocupação econômica que promoveram migrações desordenadas, desflorestamento e exploração predatória dos recursos naturais, além de significativas perdas de vidas humanas, sendo o exemplo mais notório o genocídio que vitimou o povo Panará, que habita a região desde tempos imemoriais.
Esta rodovia, não pavimentada, serve muito pouco ao desenvolvimento econômico da região afetada e do país, tendo em vista a sua inutilidade durante boa parte do ano devido às chuvas, que a tornam intransitável, precisamente no período subseqüente ao da colheita da produção agrícola, apresentando, portanto, baixíssimo benefício comparado com seu alto custo econômico, social e ambiental.
Por esta razão, a perspectiva da sua pavimentação nos parece uma providência racional e desejável, longamente reclamada pelas populações que hoje vivem em sua área de influência, que dela necessitam para o escoamento dos seus produtos e para a atenção às suas demandas de assistência básica.
No entanto, a implementação desta obra pública de grande envergadura, envolvendo extensas regiões de duas unidades da federação, coloca-nos preocupações elementares quanto às conseqüências socioambientais que possam advir de processos de migração desordenada, grilagem e ocupação irregular de terras públicas, concentração fundiária, desmatamento, desertificação, aumento da criminalidade e agravamento das condições sanitárias, tendo em vista a quase total ausência do poder público na região.
Com o objetivo de contribuir para que o processo de implementação da obra não implique, como tem ocorrido em outras similares, no aumento dos já impressionantes índices de desmatamento observados em ambos os estados que integram o chamado Arco do Desmatamento, assim como não precipite a intensificação da grilagem de terras públicas, dos assassinatos de líderes sindicais e da deterioração das condições de vida nas regiões afetadas, diversas organizações da sociedade estão mobilizadas na discussão e definição de um modelo de gestão territorial para a região de influência da rodovia através da proposição de ações e estratégias visando a sustentabilidade social, econômica e ambiental da região, de forma a garantir que os benefícios da pavimentação da estrada beneficiem os diferentes segmentos da sociedade e garantam a perenidade da cobertura florestal e da grande riqueza de biodiversidade da região.
Este encontro que encerramos hoje foi organizado com este objetivo, que é a construção de uma agenda de propostas e ações prioritárias de gestão para o eixo mato-grossense da BR-163, voltadas à sustentabilidade socioambiental da região e das populações locais e indígenas. Estiveram reunidos aqui mais de 200 pessoas, representando sindicatos de trabalhadores rurais, organizações não-governamentais, prefeituras municipais, representantes de assentados e povos indígenas e pesquisadores, além de técnicos do Estado sensíveis às questões discutidas neste encontro.
Com base em diversas informações existentes e o conhecimento de cada um dos participantes, foram discutidos problemas e desenvolvidas propostas referentes a temas como infra-estrutura e ordenamento fundiário, áreas protegidas e biodiversidade; viabilidade das atividades produtivas, monitoramento ambiental e manejo de recursos; e fortalecimento social e cultural das populações locais.
Neste contexto, no que concerne ao fortalecimento da participação da sociedade, consideramos que o governo federal deve atuar no sentido de fortalecer as iniciativas e a ampliação de espaços públicos de participação nos processos de desenvolvimento regional, criando um grupo de trabalho inter-institucional com participação paritária da sociedade civil organizada, governos federal, estadual e municipais para acompanhar o ordenamento territorial ao longo da BR-163.
A socialização de informações e a disponibilização e discussão dos resultados do diagnóstico realizado pelo Zoneamento Econômico-Ecológico são fundamentais para a definição de planos integrados de manejo dos recursos naturais da região, com participação qualificada dos atores envolvidos.
Além disso, é possível e necessária a articulação da sociedade civil para a criação de Fóruns Regionais Permanentes que reúnam as representações de toda a sociedade organizada e dos povos indígenas para discussões e elaboração de propostas de desenvolvimento que interessem a maioria do povo desta região.
É preciso democratizar os investimentos públicos em obras que viabilizem a agricultura familiar, os povos indígenas e demais populações tradicionais. Para tanto, entendemos serem urgentes investimentos para construção de infra-estrutura social de prestação de serviços de educação, saúde, capacitação profissional, etc., especialmente em áreas de assentamento, além de construção de estradas que façam a conexão entre os municípios e assentamentos da região. É necessário também que o Poder Público aja de forma inequívoca na regularização fundiária e na demarcação e proteção de terras indígenas, na conservação da biodiversidade, através da intensificação da fiscalização, na retomada de terras públicas das mãos de grileiros e na mediação de conflitos entre índios e assentados.
No que tange à gestão territorial, o aprimoramento e a consolidação do sistema de licenciamento ambiental único da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema) e o fortalecimento da gestão ambiental no âmbito municipal, incorporando a participação das organizações da sociedade na fiscalização e no monitoramento, devem ser priorizados. Também se faz necessário desenvolver campanhas e ações em conjunto com os produtores rurais, visando a recuperação das áreas degradadas e a divulgação e implementação de práticas agrícolas sustentáveis.
Outra ação importante é promover a recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs), as matas ciliares, em toda a região. Em especial, nas cabeceiras dos rios formadores do Xingu, que estão localizadas fora dos limites das terras indígenas, e cujo processo de degradação torna vulneráveis as populações indígenas que dependem dos rios para sua sobrevivência física e cultural.
Também deve ser estabelececido um sistema de unidades de conservação que contemple áreas representativas das diferentes formações florestais existentes na região. A criação de novas unidades de conservação pode viabilizar a superação do passivo ambiental dos assentamentos onde não há reserva legal, conforme previsto no Código Florestal. É também fundamental implementar efetivamente as unidades de conservação já existentes na região, a exemplo da Reserva Ecológica Culuene e da Estação Ecológica do Rio Ronuro, nas cabeceiras do Rio Xingu e o Parque Estadual do Cristalino.
Tendo em vista que o eixo da BR-163 atravessa uma região de alta biodiversidade da Amazônia, é fundamental a manutenção de corredores ecológicos entre as diferentes áreas. Neste sentido, é preciso desenvolver estratégias para que a localização das áreas de reserva legal nas propriedades garantam essa conectividade. Além disso, é importante incluir a região da Serra do Cachimbo entre as prioridades do Programa de Expansão de Áreas Protegidas na Amazônia (ARPA).
O crescimento do processo de ocupação da região torna urgente a necessidade de ampliar os mecanismos de proteção das terras indígenas, especialmente em relação à proximidade das pousadas pesqueiras, à invasão do fogo, ao desmatamento contíguo e à exploração madeireira muito próxima aos limites do Parque Indígena do Xingu.
A criação de uma faixa de proteção de 10 km no entorno das terras indígenas, a exemplo das existentes nas unidades de conservação, pode ser uma solução para o ordenamento do processo de ocupação e o controle das atividades econômicas, de forma a minimizar seus impactos negativos sobre as terras e populações indígenas. A incorporação às Terras Indígenas de parcelas importantes de territórios tradicionais de algumas etnias, que não foram contempladas nos processos demarcatórios, representa uma prioridade para essas populações.
Da mesma forma, o apoio às iniciativas dos índios de proteção e fiscalização de suas terras, com o objetivo de reavivar os seus limites, reformar os marcos e placas e estruturar os postos de fiscalização já existentes com meios de transporte e comunicação são fundamentais. É importante estabelecer mecanismos de financiamento e capacitação para estas iniciativas, bem como promover a articulação com os órgãos públicos como o Ibama, a Fema e a Funai, integrando-as em um programa mais amplo de proteção e monitoramento ambiental das áreas protegidas da região.
Com relação à viabilidade das atividades produtivas, é fundamental investir em processos educativos de formação e capacitação de agricultores familiares e populações indígenas. Principalmente por meio da criação e do fortalecimento de cursos de nível médio e superior, a fim de profissionalizar técnicos nas áreas de produção agroflorestal, aos moldes do Programa de Ciências Agroambientais da UNEMAT- Alta Floresta e das escolas rurais no modelo da Pedagogia da Alternância, já existentes no município de Guarantã do Norte.
Fortalecer os órgãos governamentais (federal, estadual e municipal) que atuam na Assistência Técnica e extensão rural à produção familiar com recursos humanos e estrutura para atender a demanda dos trabalhadores rurais e populações tradicionais, de maneira integrada com outras entidades da sociedade civil que atuam na mesma direção.
Promover a comercialização da produção através de estudos e garantia de infra-estrutura básica (estradas, feiras, financiamentos) da cadeia produtiva agroflorestal e políticas e incentivos adequados à viabilização da produção familiar, como, por exemplo, o estabelecimento de programas que organizem o comércio inter-municipal, tanto na venda de produtos quanto na aquisição de insumos através de consórcios municipais.
Incentivar o manejo florestal sustentável através da desburocratização e facilitação na emissão de créditos adequados que possam ser feitos por agências públicas (BASA, BNDES, BB e SUDAM), bem como estabelecer linhas de microcrédito solidário menos burocráticas e mais acessíveis aos agricultores familiares favorecendo a viabilização da produção agroflorestal, como a criação de pólos do Proambiente no eixo da BR-163.
Reformular o modelo de reforma agrária dos assentamentos para um modelo sustentável que inclua o desenvolvimento de Plano de Desenvolvimento Ambiental (PDA) em cada assentamento rural e área de pequenos agricultores familiares, com estrutura que favoreça a viabilidade socioeconômica (escoamento da produção, acesso a serviços básicos de educação e saúde) e respeito à legislação ambiental através do planejamento por microbacias hidrográficas.
Os participantes do encontro reafirmam a necessidade e a importância da pavimentação da Cuiabá-Santarém e consideram que a implementação destas medidas constituem condicionantes fundamentais para que a iniciativa de asfaltamento da BR-163 possa promover o desenvolvimento da região de forma inclusiva, atendendo aos interesses dos diversos segmentos da população, trazendo melhoria da qualidade de vida e assegurando a conservação dos recursos naturais e a sustentabilidade social, econômica e ambiental da região necessários ao bem estar das futuras gerações.
________________________________________
© 2001 - Instituto Socioambiental
Para reproduzir qualquer trecho deste site, é necessária a autorização expressa e por escrito do Instituto Socioambiental.
É vedada a reprodução das fotos e ilustrações.

http://site-antigo.socioambiental.org/website/noticias/brasil/doc_final…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.