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Do sonho à desilusão

A Crítica, Cidades, p. A7
10 de Nov de 2003

Do sonho à desilusão
Conflito com índios tira a possibilidade de riqueza de garimpeiros. Hoje, suas atividades se resumem em beber e se envolver em brigas

Seis mil homens com uma convicção: encontrar diamante.
Peregrinação que já custou a vida de pelo menos 30 pessoas, conforme dados oficiais, ou mais de 200, segundo eles mesmos. 0 desfecho de histórias de vidas parecidas -- pessoas que deram tudo o que tinham, na tentativa de ficarem ricas - é um só., a desilusão. Três anos de muito trabalho e sacrifício, que deixaram apenas a esperança de poder voltar e recuperar o que se perdeu.
São centenas de Joãos, Josés, Pedros. É assim que eles se identificam, quando não se escondem atrás de um apelido. Estão espalhados nas cidades rondonienses de Cacoal, Pimenta Bueno e Espigão do Oeste, que fazem fronteira com a Reserva Indígena Roosevelt (a 600 quilômetros de Porto Velho/RO), onde se encontra um dos maiores garimpos de diamante do mundo.
Hoje, sem ter como trabalhar, ocupam o tempo bebendo nos bares ao longo da BR 364 (que liga Porto Velho a Cuiabá). Em alguns momentos, causando transtornos e cometendo crimes. Até o ano passado, quando podiam garimpar no "eldorado", chegavam a faturar o equivalente a R$ 200 mil em duas horas de trabalho. A notícia de uma nova Serra Pelada, mas agora com diamantes, produto bem mais cotado no mercado, atraiu milhares de garimpeiros de várias partes do Brasil e de países vizinhos. Mas, tudo acabou num conflito com os índios. 0 trabalho de extração de diamante nos rios Laje e Baton, afluentes do rio Roosevelt (a 95 quilômetros de Espigão do Oeste) é descrito pelos garimpeiros como sofrível. Ninguém pode entrar no garimpo. As fotos que ilustram esta matéria, por exemplo, foram feitas em um garimpo vizinho, conhecido como da Viúva.
0 trajeto de 95 quilômetros no meio da mata é completado em dois dias de viagem. No trajeto, eles são obrigados a empurrar e desatolar caminhões carregados de máquinas para serem 'usadas no garimpo. Em alguns casos os caminhões só conseguem chegar ao destino final com a ajuda de patrolas e retro escavadeiras.
No início da exploração, o acerto entre os índios da etnia Cinta Larga, da reserva Roosevelt, e garimpeiros era feito da seguinte forma: os índios procuravam os garimpeiros na cidade e decidiam quantos e quem entraria para garimpar. 0 proprietário das máquinas usadas para extrair o diamante teria que concordar em pagar um valor estipulado pelos caciques para poder entrar. Em seguida, pagaria uma porcentagem que ia de 10 a 30 por cento sobre a produção. "No início, eles cumpriam com o acordo. Depois, começaram á nos prejudicar. Eu cheguei a levar três dias para conseguir chegar na margem do rio onde fica o garimpo, mais dois dias para montar o maquinário. Só aí foram cinco dias perdidos. Quando comecei a trabalhar, fui expulso", disse Amarildo Soares, um dos poucos que forneceu nome e sobrenome. 0 maquinário que ele se refere é um conjunto formado por um motor com uma bomba de sucção, uma mangueira de quatro polegadas chamada de "cobra" e uma resumidora - máquina que separa o diamante do resto do cascalho.
Segundo os garimpeiros, o "pedágio" que no começo custava R$ 10 mil passou para R$ 100 mil. Além desse valor, havia também um rancho (compra de comida) semanal para a aldeia do cacique que autorizou a entrada, no valor de R$ 15 mil e um veículo de R$ 40 ou 50 mil. "Eles gostam muito de carros importados. A pick up Hilux é a predileta. Tem caciques com até três", afirmou Amarildo Soares, acrescentando que o preço pago era alto, mas, o minério extraído compensava a perda.
Em cada barranco trabalhavam até cinco pessoas e o garimpeiro chegava a ter dez "maquinários". Chagas, garimpeiro há quase trinta anos, diz que nunca trabalhou em um garimpo tão rico. "Já cheguei a faturar R$ 1 milhão, facilmente. Já comprei Toyotas e outros carros para garantir meu espaço dentro da reserva" afirma.
Descontrole
Com o passar do tempo, aumentou o número de garimpos dentro da reserva, o que fez com que os índios perdessem o controle da produção de minério. Eles então pediram ajuda da Fundação Nacional do índio (Funai) para retirar os garimpeiros, contando com a ação da Polícia Federal. Cinco mil garimpeiros foram retirados da reserva, em janeiro deste ano.
"Nós perdemos tudo. Não tivemos a chance nem de retirar os equipamentos. Tenho mais de R$ 700 mil em equipamentos lá dentro. A informação que temos é a de que as minhas máquinas estão sendo usadas. A denúncia de quem está usando já foi feita por vários garimpeiros, mas ninguém faz nada", reclama outro garimpeiro que se identificou como Neguinho. Eles são conhecidos por apelidos e não gostam de dar o nome completo.
Fora do garimpo, espalhados pelas ruas da cidade eles passam o tempo relembrando as atrocidades de que foram vítimas. Cada garimpeiro tem mais de uma história para contar. A maioria tem final parecido, sempre de extorsão ou assassinato. Segundo eles, quem ousa enganar algum índio, morre. Os assassinatos são sempre com requinte de crueldade. Luiz conta que chegou a presenciar uma cena que jamais vai esquecer. "Eles chegaram bêbados, quem sabe drogados, por que muitos usam cocaína. Pediram para os companheiros do barraco, ao lado do meu, mostrar a produção. Eles apresentaram as pedras que haviam encontrado. Os índios desconfiaram que estava faltando uma pedra. Em seguida, armados de escopeta e metralhadora, levaram os cinco companheiros para a floresta e colocaram um ao lado do outro. ,Sorrindo muito, decidiram atirar na cabeça do primeiro para ver até onde a bala alcançaria. Eu sei que parece história de pescador, mas é verdade. Quem está lá em Brasília por exemplo, não acredita. Mas é verdade", disse.
. Muitas pessoas morreram depois que os índios Cinta Larga descobriram que eles haviam engolido alguma pedra. "Matam e abrem a barriga", diz um garimpeiro. A prática de engolir diamantes como forma de enganar a fiscalização é comum nos garimpos.

Atividade devasta o meio ambiente

0 governador de Rondônia, Ivo Narciso Cassol, disse ter encaminhado ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, um dossiê com provas de envolvimento em extração ilegal de diamante e assassinatos de funcionários da Funai e da Policia Federal. Acompanhando o dossiê foi também uma proposta para o aproveitamento econômico de diamantes no rio Roosevelt.
Conforme a proposta, as associações indígenas que existem na reserva e que são de responsabilidade dos caciques ficariam responsáveis pelo aproveitamento econômico das jazidas. Ao término da exploração, serão feitas análises do subsolo para saber que tipo de correção será preciso fazer para recuperar a cobertura vegetal e deixar o terreno como era antes. "Depois serão realizados estudos para identificar qual o processo de recuperação será implementado", disse o governador.
Os garimpeiros trabalham sem consciência ecológica. Os danos ao meio ambiente podem ser observados dentro da Reserva Roosevelt, por meio de fotos aéreas e de satélite. Para o governador, "se a exploração continuar desordenadamente, os prejuízos contra o meio ambiente serão ainda maiores".

A Crítica, 10/11/2003, Cidades, p. A7

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