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DO PARAÍSO AO INFERNO: sucessivas mortes de índios revelam o retrato da miséria dos "povos da floresta" em aldeias do Acre

Agência Contilnet - http://www.contilnet.com.br/
Autor: Silvânia Pereira
26 de Mar de 2012

Fome, aliciamento, violência sexual, corrupção, alcoolismo, doenças e uma série de denúncias baseadas em documentos e depoimentos de vítimas do descaso revelam uma miserável e cruel realidade de pelo menos 60% dos povos indígenas do Acre, diferente do paraíso encontrado pelos navegantes europeus nas terras de Vera Cruz , em 22 de abril de 1500, sob o comando de Pedro Alvares Cabral.

Tanta indiferença está registrada com detalhes inusitados em cartas -denúncia e uma variedade de documentos protocolados no Ministério Público Federal (MPF); Polícia Federal (PF); Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e na Fundação Nacional do Índio (Funai) por organizações como: Movimento Indígena Unificado (MIU); Federação do Povo Huni Kui do Acre (Fephac); Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Conselho de Missão entre Índios (Comin).

Como resultado do descaso denunciado, ocorreram sucessivas mortes, além de retaliações de gestores públicos a lideranças indígenas e servidores que se manifestam contrários à política aplicada nos setores responsáveis pelo atendimento aos povos da floresta.

A Agência ContilNet abre nesta reportagem uma série especial sobre a realidade dos povos indígenas no Acre, levando aos seus leitores e anunciantes até o dia 19 de abril, Dia do Índio, a situação vivenciada por índios que se encontram às margens dos privilégios anunciados pela mídia nacional e internacional.

Durante quarenta dias, nossa equipe conversou com mais de 30 pessoas, entre indígenas, autoridades administrativas e jurídicas, além de moradores dos municípios mais prejudicados com a problemática indígena no estado.

De dezembro de 2011 a fevereiro de 2012, pelo menos 22 crianças indígenas morreram no Acre, vítimas de um surto de rotavírus que atingiu várias aldeias em Santa Rosa do Purus, foi divulgado através de uma reportagem da Agência ContilNet.

Os dados oficiais da Secretaria de Saúde Indígena no Acre (Sesai) somam 12 mortes, o que é contraposto pelo assessor de assuntos para Educação e Saúde Indígena, Adriel Lima Guimarães. Há, também, registro de mais quatro mortes de adultos em Feijó e duas em Manoel Urbano.

De acordo com ele, a Força Nacional esteve no Acre, mas as mortes continuam ocorrendo, e vêm dizimando índios acreanos em mais de 60% das 46 aldeias localizadas entre Santa Rosa, Manoel, Urbano, Assis Brasil, Feijó e Tarauacá.

O avanço de doenças como desnutrição, hepatite B, malária, rotavírus, câncer, leishmaniose, coqueluche e tuberculose ameaçam dizimar uma população que amarga com a carência de medicamentos, hospitais e um tratamento humano adequado para suas condições sociais.

Um dos agravantes da situação é a Casa de Saúde Indígena (Casai) em Rio Branco, que mesmo interditada pela Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros devido às péssimas condições, continua com superlotação e diversas vezes precisa mandar pacientes ainda em tratamento de volta para as aldeias

Os casos relatados atingem cerca de 80% das crianças indígenas das tribos Jaminawa, Mad Ja e Huni Kui. Há informações que, de 12 aldeias visitadas pela Força Nacional e Ministério da Saúde, apenas uma não estava afetada pelo rotavírus.

Nas delegacias de polícia de Sena Madureira, Manoel Urbano, Santa Rosa, Jordão, Feijó e Tarauacá tornaram-se rotineiros os boletins de ocorrência envolvendo indígenas em casos de agressão, alcoolismo, furto e estupro. Os abusos são praticados, em sua maioria, pelos "brancos", que alcoolizam menores e oferecem dinheiro e alimento em troca de sexo.

No Acre, existem atualmente 222 aldeias, somando uma população aproximada de 21 mil índios, residindo em locais fragmentados em 90% do estado. De acordo com dados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi), cerca e 60% desses povos são da etnia Jaminawá, cujo nome antropológico foi mudado para Huni Kui.

"Liderança morre sob circunstâncias duvidosas", dizem indígenas

No dia 15 de março deste ano, João Marcelino Ashaninka, 58, morreu de repente, segundo seus familiares. Cacique dos Hananeris e uma das principais lideranças da região, ele foi o responsável pela maioria das denúncias que estão no Ministério Público Federal sobre o descaso da Saúde Indígena no Alto Envira.

As informações oficiais dão conta de que ele teria sido atingido por um raio, mas a família e o movimento indígena pediram a instauração de um inquérito ao delegado Alex Danny para averiguar a causa real da morte. Eles também solicitam ao MPF que acompanhe o processo, e não descartam a possibilidade de pedir a exumação do corpo de João Marcelino.

"Há dois anos nenhuma equipe de saúde é enviada para acompanhar a situação dos indígenas na região. Lá não há escolas, postos de saúde e nenhuma estrutura para os serviços básicos de políticas públicas", diz Ninawá, presidente da Fephac.

Com a morte de Marcelino, o povo indígena do Envira está desorientado, já que é dele a autoria das denúncias levadas à Justiça sobre os desmandos na região. Existem vídeos datados de 26 de janeiro de 2011, nos quais ele autoriza o movimento indígena a divulgar as imagens para as autoridades e a imprensa.

Um dossiê e uma fuga da morte

Patrícia Ferreira, 34, é funcionária do Conselho de Missão entre Índios (Comin) e trabalha com causas indígenas há mais de 10 anos, quando veio do Maranhão para as aldeias do Acre.

Após morar em Feijó por dois anos, ela foi obrigada a deixar a cidade na calada da noite devido às ameaças de morte que passou a receber, constantemente, através de telefonemas e cartas anônimas.

Na época, ela havia entregado ao MPF um dossiê de 37 páginas contendo inúmeras denúncias sobre desvios de recursos na Saúde Indígena acreana.

Patrícia chegou a prestar depoimentos na Polícia Federal e na Polícia Civil, que segundo ela iniciou as investigações sobre o caso, mas terminou em omissão.

Como retaliação a seus posicionamentos, Patrícia foi intimidada por várias autoridades. Devido à omissão dos investigadores e, também por medo, ela foi retirada do Envira sob a proteção do Movimento Indígena.

Revoltada, ela lamenta que os povos indígenas do Acre sejam usados como propaganda para turismo, mas na realidade apenas enriquecem peças de marketing para gringos (estrangeiros).

"Existem várias pessoas pregando um Acre onde todos são amigos dos indígenas. Essas pessoas certamente pensam que a vida dos índios é perfeita, que as aldeias são paraísos, mas na realidade eles amargam uma triste realidade", diz ela.

Na concepção da missionária, os povos indígenas devem se unir para evitar mais mortes, doenças, assaltos aos seus recursos e exigir dignidade. E faz um apelo: "Somos humanos, somos irmãos. O governo apregoa que está tudo bem, mas nosso povo está morrendo à míngua e à margem dos seus direitos e de justiça. É só isso que queremos".

Morte de um filho: uma dor sem remédio

No dia 17 de março, dois dias depois de ser internado no Hospital Geral de Feijó, morreu o pequeno Juan Nunes Kaxinawá, de um ano e cinco meses. Segundo os pais da criança, Ruy Nunes Barbosa Kaxinawá, 24, e Veronilsse Lima Kaxinawá, 22, a morte aconteceu após Juan receber duas injeções de dipirona quando o termômetro registrava 40 graus de febre.

Nas imagens divulgadas é possível ver o tórax da criança escurecido e com evidências de fortes hematomas. Além de queimaduras e ferimentos nas pernas, o que intriga ainda mais a família.

Segundo Ruy Nunes, ao dar entrada no hospital, seu filho não realizou nenhum exame para confirmar as suspeitas de doenças como H1N1, primeira hipótese levantada pelo médico de plantão.

"Nós acreditamos que o bebê morreu de intoxicação medicamentosa. Após ele morrer, os enfermeiros e o médico sumiram do hospital e minha irmã Nina Juana teve que ir buscá-lo embrulhado num lençol. Foi triste, muito triste!", relata o pai.

Kaxinawá registrou um Boletim de Ocorrências na Delegacia de Feijó para comprovar a responsabilidade dos funcionários do hospital no caso, e a secretaria estadual de Saúde, Suely Melo, também está exigindo esclarecimentos sobre a causa da morte da criança.

Os Movimentos Indígenas buscarão na Justiça uma indenização para a família e a penalidade para os responsáveis pela morte de Juan, que era também portador de necessidades especiais.

Entenda a problemática da Saúde Indígena no Acre

O Ministério da Saúde tem um orçamento anual de cerca de R$ 15 milhões para investir em Saúde Indígena no Acre, tendo como foco de execução ações em saneamento básico, assistência diferenciada, orientações e treinamentos de agentes comunitários, com vistas a evitar problemas de saúde nas comunidades.

No ano de 2010, as ações da saúde indígena deixaram de ser executadas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e passaram para a Secretaria Nacional de Saúde Indígena (Sesai).

Antes, a Funasa repassava os recursos para as prefeituras acreanas, que executavam os serviços de atendimento básico.

A presidenta Dilma Rousseff (PT), ao assumir o governo, decidiu transferir tais poderes para a Sesai, criada especificamente para fazer a gestão da Saúde Indígena, alegando que a demanda das prefeituras era extensa e comprometia o atendimento às comunidades.

Dentro do organograma, foram criados os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI's). No Acre, existem dois. Um está localizado no Vale do Purus, responsável pelas comunidades de Sena Madureira, Manoel Urbano, Santa Rosa e Assis Brasil, e um no Vale do Juruá, cobrindo os municípios de Jordão, Cruzeiro do Sul, Feijó, Porto Walter, Marechal Taumaturgo e Mâncio Lima.

Os chefes dos DSEI's são responsáveis pelos vales do Purus e Juruá. Eles administram os recursos e movimentam os sete Pólos de Atendimento ao Indígena, situados nos municípios onde existem comunidades indígenas no estado.

Os dois administradores locais, principal alvo de revolta dos índios, estão sendo acusados de péssimo atendimento e má gestão frente aos recursos destinados à Saúde.

Há pelo menos 15 dias, a Agência ContilNet tentou encontrá-los em seus escritórios e através dos telefones (68) 8406 17XX e (68) 9972 38XX, mas ambos não foram localizados.

Por decisão do Ministério da Saúde, os recursos destinados aos DSEI`s do Acre são gerenciados por uma Ong paulista chamada SPDM - Associação Paulista para Desenvolvimento da Medicina, responsável por burocratizar ainda mais a saúde indígena no estado.

Em 2011, revoltadas com a falta de estrutura de atendimento médico-hospitalar no interior e nas aldeias, várias famílias acamparam na sede Funasa, permanecendo lá por nove meses.

Em agosto de 2011, foi realizado o I Fórum de Saúde Indígena do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, definindo quatro eixos temáticos como: Assistência à Saúde Indígena Diferenciada, Estrutura Física e Gestão Participativa, Saneamento Básico como Ação Preventiva e Segurança Alimentar como Melhoria de Qualidade de Vida. Cerca de 350 lideranças de base participaram do encontro e firmaram um consolidado para a execução da proposta.

Quebra de acordos, inércia e omissão

O caos da saúde indígena no Acre é atribuído a quebra de vários acordos logo após o consolidado de agosto de 2011. Durante a transição do gerenciamento da Funasa para Sesai quase nada aconteceu para melhorar a situação, e o subsistema criado para amparar os índios traduziu-se num fracasso que prevê vários conflitos futuros.

O movimento indígena sustenta as denúncias de omissão e negligência baseados em documentos, imagens e na declaração de inúmeras vítimas que falam da exposição e abusos sofridos por seu povo ao longo dos anos no estado, resultando no surgimento e proliferação de doenças em praticamente todas as aldeias da região, gerando a morte de dezenas de índios nos últimos meses.

"Uma das provas desta situação foi a decisão do MPF em ajuizar uma ação contra a União em janeiro deste ano para garantir a efetivação de uma política de saúde indígena com atendimento nas aldeias, com contratação de profissionais de saúde, obras de saneamento e construção de postos de saúde além de aquisição de produtos alimentícios e de higiene pessoal", afirma Ninawá Huni Kui.

Quanto ao Estado, no embróglio indígena, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) vem sendo poupada pelo movimento sob o argumento da ampla atenção e disponibilidade para liberar apoio na formação de agentes de saúde comunitários, liberação de médicos para atender as tribos e criar uma sala de situação para ouvir as reivindicações da classe.

Suely Melo: "Se for preciso, iremos para dentro das aldeias"

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) está fora do gerenciamento de recursos para Saúde Indígena no Acre, sendo responsável somente pelo atendimento de média e alta complexidades no Hospital das Clínicas, Hospital da Criança, Hospital de Saúde Mental, Hospital Santa Juliana e Maternidade, .

No entanto, há uma ação emergencial da Sesacre para amenizar a problemática indígena. A secretária estadual de Saúde, Suely Melo, recebeu a Agência ContilNet, em sua residência, para falar sobre o assunto e destacou que o estado tem procurado apoiar as ações do Governo Federal dentro das suas limitações legais, muitas vezes extrapolando a ajuda em casos extremos. "Se for preciso, iremos para dentro das aldeias". Leia a entrevista:

ContilNet - Secretária, nós sabemos que a realidade indígena no Acre, atualmente, apresenta várias contradições. Mas, no setor da saúde, existe um caos instalado no interior do estado. Qual o papel atribuído ao estado nesta área, especificamente?

Suely Melo - Nós estamos acompanhando esta situação e procurando apoiar os povos indígenas até mesmo no que não está dentro das nossas atribuições. Estamos liberando recursos para formar agentes comunitários, criamos uma Comissão de Integração de Serviços, liberamos médicos do Pró -Acre para atender indígenas em Feijó e criamos uma Sala de Situação para discutir as questões relacionadas a eles. Nosso tratamento com os indígenas está relacionado aos casos de média e alta complexidade, mas estamos atentos a vários problemas primários, e apoiando as comunidades no que for necessário.

ContilNet - Por que estão morrendo tantos índios no Acre?

Suely Melo - Temos informações sobre alguns óbitos, mas existe um esforço e uma estratégia de saúde montada para suprir as carências dos povos indígenas. A mudança na gestão da saúde indígena está enfrentando algumas burocracias, por isso o estado está ajudando no que for preciso até que esse novo sistema seja consolidado. Temos sido parceiros da Sesai, durante esse período de organização dela, no sentido de dar total atenção aos indígenas porque acreditamos que as mudanças que ocorreram foi para melhorar o sistema e não para prejudicar ninguém.

ContilNet - Após o surto de rotavírus em Santa Rosa, há uma doença desconhecida atacando índios em Feijó. No município, foram registradas várias mortes de índios em menos de um mês, inclusive de um bebê de 1 ano e 5 meses ainda sem explicação. Há informações de que a senhora foi a única autoridade que se mobilizou para resolver a situação. O que aconteceu realmente?

Suely Melo - Fomos informados desse caso do bebê quase meia-noite, e ligaram diretamente para o meu celular. Eu mandei liberar um legista em Feijó para analisar a criança. O governador Tião Viana entrou em contato com médicos do Instituto Evandro Chagas e solicitamos a presença deles para analisar o caso.

A imagem chamou a atenção, e eles estão no Acre acompanhando também outros casos de doenças ainda não detectadas em aldeias do rio Envira. Já enviamos uma equipe da Sesacre para lá com todos os equipamentos e medicamentos necessários. Eu gostaria de ir pessoalmente, mas estou cirurgiada e de licença médica. Estamos em busca de respostas e assim que as tivermos, tomaremos as providências necessárias para o caso.

ContilNet - A senhora tem conhecimento dos problemas enfrentados pelos índios nas unidades responsáveis para tratar da saúde indígena?

Suely Melo - Alguns, sim, e é por isso que o estado está ajudando a Sesai. Já criamos um Núcleo de Saúde Indígena na Fundhacre, contratamos enfermeiros e médicos e vamos criar o mesmo sistema em outros hospitais da capital. Em 2011,fiz uma visita leito por leito na Casai, doamos mais de 300 filtros para as aldeias. Tudo que podemos fazer estamos fazendo, inclusive saindo do nosso foco de atendimento para entrar numa outra estratégia de saúde. O que importa é resolver a situação.

ContilNet - O que falta para esse novo sistema do Governo Federal funcionar, de fato , para as comunidades indígenas? Na sua opinião, as falhas não são graves?

Suely Melo - Veja bem, eu procuro entender os dois lados. Por um lado, o Ministério da Saúde está se organizando para colocar em prática uma estratégia nova que certamente tenta implementar uma política de atendimento para melhorar a vida da sociedade indígena.

Nós nos sentimos responsáveis enquanto governo e percebemos que ainda existem muitas dificuldades. Esse trabalho não é simples porque existem muitas burocracias. Mas, estamos intervindo para priorizar as vidas que estão nesta situação e, se for preciso, iremos para dentro das aldeias até que esse problema seja solucionado.

Prefeitos querem solução imediata para o caso

O prefeito de Sena Madureira, Nilson Areal, é enfático ao afirmar: "Está morrendo índio e vai continuar morrendo porque os problemas são graves e não vemos nenhuma ação enérgica para solucionar esse problema que se instalou dentro dos municípios acreanos. A questão é que nós, que moramos aqui, é que acompanhamos os conflitos causados diariamente", desabafa.

Para Areal, a burocracia está matando os índios, e os problemas sociais estão se acumulando porque a Funai e outros órgãos responsáveis pelos indígenas não reagem.

"A situação é grave. Nós já acompanhamos vários conflitos em Sena Madureira, e é necessário que as autoridades façam alguma coisa porque não só os índios, mas toda a sociedade está sendo afetada pelos seus problemas. Eles são vítimas e fazem da população vítimas também. O caso é sério, muito sério!".

Em Feijó, o prefeito Dindim Pinheiro tem procurado manter uma relação de amizade com os indígenas, uma vez que dos 3.820 que lá residem, uma parte ocupa as margens do rio Envira, que banha o centro da cidade.

"Aqui, nós vemos muitos problemas, mas a prefeitura tem trabalhado no sentido de ajudá-los no que for possível. O problema é que tem muitas pessoas são pagas para cuidar dos índios, mas não encontramos nenhuma delas, situações que acabam sobrando para o município resolver", disse Dindim.

Ninawá Huni Kui, líder do movimento indígena que estáem Feijó, agradeceu o apoio da prefeitura aos indígenas que apresentaram problemas de saúde nas aldeias da região na última semana.

Sobre os desmandos nas comunidades indígenas do Acre, foi registrado também, este mês, no Ministério Público Federal (MPF); Polícia Federal (PF); Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e na Fundação Nacional do Índio (Funai) outra carta - denúncia assinada por Aldenira de Souza Cunha, relatora do Movimento Indígena Unificado (MIU), sobre crime por formação de quadrilha, crime contra o patrimônio público, crime contra o indefeso e omissão.

A base da denúncia partiu de uma visita realizada ao município de Feijó, onde o Movimento identificou um percentual significativo de desnutrição. Indo a campo para os estudos de caso, o acadêmico de Medicina e assessor do MIU, Adriel Lima Guimarães recebeu denúncias contra comerciantes e funcionários da Funai que, supostamente, se apoderaram dos cartões e senhas de indígenas aposentados das etnias Kampa e Kulina, do Alto Envira.

A suspeita foi confirmada quando a indígena Alzira Kampa, da aldeia Cocuaçu, isolado no Alto Envira, estava sem alimento, já que seu cartão estava com o coordenador do CLT de Feijó, Francisco Carlos Brandão, representante da Funai e presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Alto Juruá (Condisi). O fato foi denunciado, e a Funai enviou um grupo para averiguar a situação.

Quando o cartão foi devolvido por Carlos à Alzira, ele insistiu no bloqueio da senha do cartão e mandou que a mesma resolvesse o problema junto ao INSS.

"Como Alzira ficou a pé às margens do rio, nós a levamos até o INSS do município de Tarauacá. Chegando lá, descobrimos que seu cartão não estava bloqueado e que o senhor Carlos Brandão estava recebendo o salário dela todos os meses, tendo o último saque sido efetuado no dia 31 de janeiro deste ano, conforme extrato do INSS", relata a denúncia.

Brandão: "Apenas intermedio compras no comércio"

Procurado pela Agência ContilNet, o chefe da Funai e do Condisi em Feijó, Carlos Brandão, negou que tenha se apossado do cartão de vários indígenas, admitindo que os que ficaram em suas mãos foram apenas para fazer um intermédio com empresários locais para compra de alimento dos índios.

Brandão disse ter consciência de que não pode se apoderar dos cartões de benefício dos indígenas, e que tenta ajudar os índios que não falam português e têm dificuldades de se comunicar com os comerciantes de Feijó.

"Na verdade, essas denúncias terão que ser comprovadas. Não fico com cartões de indígenas. Parei de estudar porque tenho que trabalhar e pagar minhas contas, inclusive meu carro. O que faço é intermediar a compra no comércio para ajudar os que não falam português", defendeu-se Carlos.

Brandão ressaltou que os povos indígenas do Acre estão sendo exterminados e que o preconceito contra índio insiste em vigorar na maior parte da sociedade.

"Na mente da maioria das pessoas, índio tem que estar na mata, comendo bicho. Não podemos estudar, trabalhar, ter uma casa ou um carro. Existe muitos de nós que são sofredores", disse.

Carlos considera a transição do sistema de saúde indígena da Funasa para Sesai um atraso, o que está causando a morte de seu povo à míngua.

"Muitos indígenas moram distantes até 18 dias de barco da cidade, e vários morrem no meio da viagem. E, os que conseguem chegar até aqui também sofrem com o abandono", revelou.

Desvio de recursos e nepotismo sob investigação do MPF

Uma das cartas - denúncia protocoladas no MPF diz respeito a supostos abusos de gestores municipais pela falta de prestação de contas e chefes dos Polos e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), acusados de fazerem repactuações sem apresentarem prestações de contas para conhecimento de saldos e sobras dos recursos enviados pelo Ministério da Saúde.

Algumas das prefeituras receberam os recursos para assistência à Saúde Indígena, no entanto os Polos estão com pagamentos de funcionários atrasados, sem remédios, alimentos e combustível por falta de recursos.

Os dirigentes indígenas querem a abertura de um inquérito para apurar as denúncias de desvios de recursos indígenas em todas as prefeituras que recebem esses recursos, além de auditores fiscais em todas as repactuações dos DSEI`s com as prefeituras.

O MPF deve averiguar ainda casos de nepotismo, tanto nas prefeituras quanto nos DSEIs e ainda situações que contrariam os editais dos processos seletivos cujos nomes são vinculados à administração pública.

"Pedimos que os culpados sejam penalizados segundo à lei vigente no país, pois por conta desses atos corruptivos muitos indígenas morreram por falta de assistência nas comunidades, principalmente idosos e menores indefesos", diz o documento.

Funai garante se pronunciar sobre situação indígena no Acre

Em contato com a coordenadora da Fundação Nacional do Índio no Acre (Funai), Evanízia Apoyanos, a Agência ContilNet recebeu a confirmação de uma entrevista sobre os povos indígenas no Acre para esta segunda-feira, 26, já que sua agenda estava lotada.

Segundo ela, há várias ações positivas acontecendo no estado, fazendo-se necessário que a imprensa não fale somente de forma negativa sobre os índios. "Vamos conversar pessoalmente sobre esse assunto e vou lhe mostrar o que está acontecendo com os povos indígenas no Acre. Temos muitas coisas boas", disse ela à reportagem.

Cimi: cooptações comprometem respeito aos indígenas

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na Amazônia Ocidental, Lindomar Padilha, é direto ao afirmar que as condições sociais e culturais dos índios acreanos trata-se do reflexo da década de 90, a partir do momento em que se convencionou "o tempo do direito" para os povos indígenas, uma bandeira que embasou o tempo da florestania.

"Para nós, esse tempo passou a ser o fim da história. A partir desse momento, foi passada para a sociedade a ideia de que os índios não precisam de mais nada, que eles têm tudo. Quando esse tempo chegou, estancaram o movimento indígena da mesma forma que estancaram os demais movimentos sociais", frisa Padilha.

É dentro deste contexto que Lindomar acredita que foi instalado o caos que em se encontra hoje a saúde, a educação, a demarcação de terras e vários outros direitos da classe.

"O que acontece de fato não é um avanço, mas várias formas de cooptação, onde muitos se fazem de cegos, surdos e mudos. Temos, atualmente, centenas de indígenas sofrendo tentativas de cooptação através de ofertas de emprego e privilégios numa clara tentativa de descaracterizar os povos indígenas, que em grande parte não respeitam mais suas tribos, seus caciques e seu próprio povo por conta de influências externas", desabafa Lindomar.

Atualmente existem cerca de 200 indígenas exercendo a função de professores no estado e, cerca de 150, de agentes comunitários. Há também um grande número de indígenas ligados a grupos políticos e recebendo outras benesses que, segundo ele, colabora para o desgaste da categoria.

Casai: desmandos administrativos penalizam pacientes

A Casai vive uma precariedade em sua estrutura física. Ventiladores desativados, fossas a céu aberto e uma crise administrativa que torna a situação dos pacientes que conseguem chegar até lá ainda mais calamitosa.

A Agência ContilNet passou uma tarde inteira nas dependências da instituição e ouviu dos próprios pacientes relatos sobre o tratamento dispensado por funcionários e prevaricação cometida na unidade de saúde. O órgão, feito para alojar no máximo 60 pessoas, abriga geralmente cerca de 100, tendo que na maioria das vezes mandar indígena, ainda com soro no braço, de volta para suas aldeias.

Esse cenário conflitante poderia ser evitado com medidas simples como a capacitação de agentes de saúde e envio de medicamentos para as comunidades mais distantes, onde se leva até dois dias de barco para chegar à cidade. "Todas as orientações que a Força Nacional deu,há dois meses, para evitar essas mortes e outras doenças foram apresentadas pelos próprios indígenas em agosto de 2011, mas não fomos ouvidos. Agora estamos perdendo vidas de forma descontrolada", advertiu Adriel Guimarães.

O MPF já ordenou a mudança dos pacientes para outro local enquanto a Casai passaria por uma ampla reforma, mas nenhuma ação foi realizada.

"Estavam querendo alojar os índios no prédio do antigo IFAC, na Antônio da Rocha Viana, mas os indígenas não são acostumados com barulho e lá não é um local adequado para eles. Isso deve ser respeitado", diz ele.

Na Casai e na Funasa existem vários casos de improbidade administrativa, inclusive com determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) para a devolução de recursos enviados pelo Ministério da Saúde, somando mais de R$ 1 milhão.

Padre Paolino: 45 anos de luta e uma lástima pelo alcoolismo indígena

É possível ver nos olhos do padre Paolino Baldassari, com 45 anos de convivência com os indígenas, a tristeza por uma guerra que ele considera perdida: o vício do álcool entre os povos indígenas do Acre.

Em sua casa, padre Paolino conversou com a Agência ContilNet. Ele lamenta a dependência explícita dos Kulinas ao álcool e diz que a aposentadoria significou o fim dos povos indígenas porque os trouxe para a cidade e os levou a adquirir bebidas nos bares e boates urbanos.

O estudo, por outro lado, corrompeu os bons costumes de algumas culturas. Segundo ele, hoje existem índios enganando o próprio índio, tendo sido cooptados por pessoas que o incluíram num círculo vicioso.

"Eles estão morrendo e não há como resolver esse problema, a não ser se eles voltarem para as aldeias, onde é o seu lugar, sua vida e onde estarão distantes dos abusos cometidos contra eles. Na cidade, eles se embriagam, são agredidos, agridem, sofrem todas as formas de preconceito, comem lixo, tomam banho em esgoto. É uma pena!", diz Paolino.

Sobre a Funai, Baldassari revela uma guerra antiga, que tem como pivô a insistência do órgão em manter os índios na cidade, algo que ele historicamente vem discordando.

Numa entrevista especial com o padre que a Agência ContilNet postará esta semana, ele conta casos inusitados vivenciados nas aldeias indígenas e se declara triste por considerar que várias autoridades já tentaram ajudar os indígenas, mas no final, eles acabaram prejudicados por terem abandonado seus costumes e seu habitat natural, a floresta.

Delegacias convivem com denúncias em todos os níveis

A presença de uma grande massa de indígenas nas cidades acreanas mudou a rotina da sociedade e, consequentemente, registra casos inusitados nas delegacias regionais. Em Feijó, o delegado Alex Danny Tavares relata situações de vulnerabilidade plena entre os povos indígenas, lembrando que as diferenças de classes sociais é muito mais aparente em cidades pequenas como Feijó.

Os indígenas incomodam e são incomodados. Vez por outra se encontram envolvidos em questões que afetam toda a comunidade pelo simples fato de estarem nas ruas, sem alojamento ou alguém que se responsabilize por eles e por seus atos, levando-os a serem vítimas e vilões diante dos olhos da população.

Em Feijó, assim como em outros municípios, há casos de aliciamento, prostituição infantil e várias formas de exploração da miséria,mas o alcoolismo é, na opinião de Danny, a maior causa dos males que assolam os indígenas.

"Além de doenças, muitas mortes de indígenas vêm acontecendo em Feijó pelo envolvimento em casos de agressão física, cometidos principalmente com o uso de arma branca."

Em Sena Madureira, o delegado Odacir Guedes frisa que todas as mazelas sociais passam pela má administração dos recursos públicos. Ele e a escrivã Suelen Cruz de Oliveira confirmam que o alcoolismo é uma das principais causas do caos social em que se encontram os povos indígenas no estado.

http://www.contilnet.com.br/Conteudo.aspx?ConteudoID=17074

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