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Divergências emperram tramitação do projeto

GM, Politica, p. A8
10 de Dez de 2003

Divergências emperram tramitação do projeto
Bancada ruralista aponta burocratização do processo; CTNbio perderá poder; palavra final ficará com conselho.

A falta de um consenso mínimo no Legislativo empurrou para o ano que vem a apreciação do projeto que traça a política de biossegurança do País. O líder do governo na Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) alegou duas razões para a retirada da urgência constitucional ao texto. Seriam elas a votação da medida provisória da Cofins, prevista para amanhã, e a necessidade de maior tempo para que debater o tema. Mas está evidente dentro das bancadas que, de fato, os motivos do entrave são as divergências profundas em torno da proposta assinada por Luiz Inácio Lula da Silva no final de outubro.

Pelo projeto, seria criado um conselho com doze ministérios para dar a palavra final sobre o tema. De quebra, também seriam retirados poderes da Comissão Nacional de Biossegurança (CTNbio). O órgão poderia dar parecer conclusivo apenas se a decisão fosse negativa. Sendo positiva, o processo seria encaminhado a ministérios como Agricultura, Meio Ambiente e Saúde, conforme o caso.

Na prática, por exemplo, os experimentos no campo precisariam do aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), comandado pela pasta do Meio Ambiente. Esta redação agrada a ambientalistas, mas provoca rejeição profunda dos representantes do agronegócio no Parlamento. "Isso é péssimo, pois protela decisões que podem prejudicar não só a pesquisa como os negócios no campo", afirma o deputado Luís Carlos Heinze (PPS-RS), da Comissão de Agricultura da Câmara. "O que o Brasil precisa é desobstruir ao máximo o processo, sob pena de perder um espaço conseguido a duras penas, através de muito trabalho e competitividade, no mercado internacional para seus produtos", argumenta Heinze.

"Este governo não vai terceirizar o poder político do Estado e pretende manter a atribuição de definir a política de biossegurança", responde Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo na Câmara. "É um equívoco dizer que a proposta burocratiza o andamento da pesquisa".

Albuquerque adianta que apresentou uma emenda ao projeto, a fim de abrir caminho para a criação de uma empresa nacional, que desenvolva e comercialize produtos a partir da biotecnologia, nos moldes da Petrobras. O contraponto duro do parlamentar governista reflete-se também na forma como o Planalto age na condução do relatório, em debate numa comissão especial da Câmara dos Deputados.

Foi significativa a escolha para relator de Aldo Rebelo, líder do governo na Casa e conhecido por sua firmeza ao defender os projetos do Executivo. Ele ficou com o trabalho que seria destinado a Josias Gomes (PT-BA), que chegou a ser visto como nome certo para a função. Um dos assistentes de Aldo para acomodar o parecer do projeto de lei 2.401 de 2003 é o próprio Albuquerque, que envolveu-se de cabeça na condução das votações de interesse de Lula, como as reformas tributária e Previdência, além da nova Lei de Falências.

Debates

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aproveitou ontem sua passagem pela Câmara para participar de uma homenagem ao seringueiro Chico Mendes e defendeu a proposta. "O projeto salvaguarda os interesses da pesquisa, os interesses da produção e da sociedade civil que tem o legítimo direito de ter informações adequadas quanto aos produtos que quer ou não consumir", disse a ministra.

"De sorte, que quem está seguro daquilo que está propondo, da consciência daquilo que está fazendo, não tem medo de enfrentar o debate", completou Marina Silva. Em especial, as palavras da ministra referem-se sobre o princípio da precaução, pelo qual sempre que houver dúvidas sobre os efeitos na saúde ou meio ambiente, o produto será proibido. Este item está previsto no projeto de lei, bem como a rotulagem de alimentos e ingredientes transgênicos.

Ontem, os debates chegaram ao seu ponto mais alto desde que o projeto começou a tramitar. Inclusive com a participação da comunidade científica, que levou até os parlamentares suas demandas. Os pesquisadores fizeram manifestações no Salão Verde da Câmara e participaram de um seminário promovido por PSB e o PCdoB.

O PT maior partido da base aliada, com 93 deputados, também fez um encontro na semana passada, na tentativa de fechar uma posição. Tanto o líder da legenda, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), quanto seu presidente José Genoíno, pregam que a bancada vote unida como ocorreu ao longo dos anos no Congresso. Uma das poucas exceções ocorreram nas reformas, neste ano, quando houve rebeldia a uma decisão da cúpula, que será punida com expulsão dos chamados radicais.

"O partido tem o compromisso de defender o projeto", afirmou Genoíno. Entretanto, é cada vez mais escancarada a divisão petista sobre essa questão. "Tem gente do PT falando a nossa linguagem", avalia Heinze. Os fatos lhe dão certa razão. Afinal, nesse aspecto as idéias da chamada bancada ruralista são muito próximas de bandeiras levantadas por petistas como os deputados Josias Gomes (BA) e Paulo Pimenta (RS).

Cientistas defendem o papel da CTNbio

A comunidade científica brasileira quer que as regras de pesquisa de transgênicos sejam desatreladas da regulamentação do comércio desses produtos. Esta é a principal modificação defendida por cientistas e pesquisadores no texto do Projeto de Lei (PL) da Biossegurança, em tramitação no Congresso Nacional. Eles alegam que submeter o licenciamento de pesquisas na área à deliberação de um conselho não-técnico, como está proposto no PL 2.401, de 2003, impediria qualquer tipo de avanço no domínio tecnológico sobre Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), no País.

A discussão que mobiliza os cientistas a freqüentarem o Legislativo passa pela redefinicão das atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS). Os pesquisadores defendem que o debate sobre a pesquisa de transgênicos e sua liberação para cultivo ou consumo são decisões técnicas. "Portanto, devem ser delegadas a um conselho técnico, no caso a CTNBio", afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciência, Hernan Chaimovich. As implicações sociais, econômicas e políticas ficariam a cargo do CNBS, mais qualificado para essa discussão, argumenta Chaimovich.

Mesmo dentro da comunidade científica existem diferentes alinhamentos em relação aos transgênicos e às normas de biossegurança, que têm atraído a presença da classe para o debate político como poucas vezes se viu no Parlamento. Ambientalistas e ecólogos, como Mohamed Habib, do Instituto de Biologia da Unicamp, defendem a manutenção texto original enviado pelo governo ao Congresso.

Eles acreditam que qualquer alteração pela qual a competência de autorizar atividades com OGMs fique com a CTNBio atenderá apenas a interesses de multinacionais que detém a tecnologia, como a Monsanto, por exemplo. "São os empecilhos à pesquisa em transgenia que atendem aos interesses dessas empresas", contra-argumenta o biotecnólogo da Embrapa, José Carlos Nascimento.

"A pesquisa nessa área já está parada no Brasil há oito anos", diz Nascimento. Para ele, esse atraso significa a falta de domínio tecnológico sobre transgênicos que resultará, a médio prazo, na dependência do País em relação à tecnologia importada. "Nesse cenário, ou seremos obrigados a pagar royalties pelo conhecimento do qual não dispomos, ou perderemos competitividade no mercado mundial de alimentos, diante de uma técnica mais barata e produtiva de cultivo", assinala Nascimento.

Além da tradicional falta de verba, a situação de paralisia da pesquisa sobre OGMs tem fundo legal, explica o presidente do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Em 1995, o veto do então presidente Fernando Henrique Cardoso ao Artigo 6o da Lei 8.974, que dava à CTNBio o poder de decisão sobre as normas para concessão de licenciamento ambiental a pesquisas sobre transgênicos deu origem a um entrave legal para a área. A posterior edição do decreto n o 1.752/95, que buscou preencher a lacuna legal decorrente do veto, fez com que as pesquisas passassem a ser submetidas à normatização do Ibama. "Foi o atalho que levou para o abismo", avalia Capobianco.

Na opinião da pesquisadora da Embrapa, Maria José Amsterdã Sampaio, as normas são "excessivamente rígidas", mesmo com a redução das exigências para licenciamento ambiental, publicada pelo Ibama no Diário Oficial de ontem. Uma das exigências retirada da regra do Ibama foi o condicionamento da licença de pesquisa à implementação de programas de educação ambiental para os habitantes da região onde o experimento fosse realizado.

Maria José acredita que a submissão da autorização de pesquisas à deliberação de um órgão não-técnico agravaria o quadro. "Concordo com a idéia de um conselho de ministros, mas submeter a aprovação de procedimentos de pesquisa a um órgão como esse só traria mais impedimentos ao desenvolvimento científico na área", diz a pesquisadora da Embrapa.

GM, 10/12/2003, Política, p. A8

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