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Distante do Planalto, ATL começa em Brasília reafirmando direitos dos povos indígenas

Amazônia Real amazoniareal.com.br
Autor: Fábio Zuker
23 de Abr de 2018

O 15o. Acampamento Terra Livre (ATL), considerada a maior manifestação indígena no Brasil, podendo reunir cerca de 3.000 pessoas de hoje (23) a sexta-feira (27), já começou enfrentando pressões do poder público do governo do Distrito Federal. Como aconteceu no ano passado, o ATL deveria ter sido instalado na Praça dos Ipês, no Eixo Monumental, praticamento ao lado da Praça dos Três Poderes, onde estão os edifícios do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Entretanto, segundo lideranças indígenas, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), decidiu, às vésperas do acampamento, mudar o local para a Praça do Buriti, ao redor do Memorial dos Povos Indígenas.

Em 2017 foi Rollemberg, segundo Dinamam Tuxá, do povo Tuxá da Bahia, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que disponibilizou o espaço da Praça dos Ipês para realização do ATL. Com a mudança, os indígenas estão mais longe da Praça dos Três Poderes cerca de cinco quilômetros de caminhada em linha reta.

A assessoria do governo Rollemberg disse à reportagem que não teria como garantir a segurança do ATL na área prevista pelo movimento. A sensação geral entre as lideranças indígenas é de que o governo quer esconder e invisibilizar a manifestações para bem longe do Planalto e do Congresso Nacional, palcos de muitos protestos no ano de 2017.

Para Dinamam Tuxá, com a decisão do governo Rodrigo Rollemberg o ATL inicia de forma muito tensa. "Todas as nações indígenas do Brasil foram mobilizadas para aquele espaço [Praça dos Ipês]. Isso criou um clima de tensão. Mas nós não viemos aqui para entrar em conflito com o governo ou com qualquer outro segmento da sociedade civil, e sim para demandar a demarcação de terras e os nossos direitos".

Apesar da decisão do governador do Distrito Federal, nada poderia ser mais simbólico do que a ocupação de Brasília, cidade cuja construção é um marco de um movimento que significa o deslocamento do poder executivo nacional para uma cidade afastada dos grandes centros urbanos, no processo da chamada "expansão para o oeste". Se as consequências diretas desse movimento, como as disputas por terra, violentou diretamente os povos indígenas, o afastamento de Brasília e o urbanismo da cidade parecem impor barreiras a todo tipo de aglomeração política.

Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o ATL integra as atividades da semana da Mobilização Nacional Indígena. Além de encontros entre diferentes povos e debates políticos, o acampamento é o momento em que populações indígenas pressionam os poderes federais para a efetivação de direitos constitucionalmente garantidos ou a partir de acordos internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que, entre outras garantias, impõe que populações tradicionais sejam consultadas diante de projetos de extração de recursos naturais em seus territórios, ou mesmo a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Contexto político

Pode-se dizer, sem exageros, que as populações indígenas encontram-se no momento mais tenso e violento desde a redemocratização do país. O poder da chamada bancada ruralista é tamanho que pressionou o presidente Michel Temer para demitir o então presidente da Funai, o general da reserva do exército Franklimberg Ribeiro de Freitas.

Franklimberg decidiu antecipar a sua própria demissão pedindo exoneração antes da decisão de Temer, no último dia 19. Um dos motivos centrais para a pressão ruralista foi a sensação de que o general não atendia aos interesses políticos da bancada (para mais informações sobre as tensões e interesses recentes ao redor da Funai, veja a reportagem completa do Amazônia Real, Rolo Compressor da bancada ruralista atropela general na Funai).

À força ruralista soma-se, nesse cenário pouco favorável às reivindicações indígenas, a crescente militarização do governo Temer, também inédita desde a redemocratização, com militares ocupando cargos centrais na Funai, no Ministério da Casa Civil, na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e com a intervenção militar no Rio de Janeiro, em um dos principais estados da união. Além disso, o governo do presidente Michel Temer é o único que não homologou terras indígenas desde que assumiu o governo em 2016.

No ano passado, Temer assinou também o parecer no 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), a pedido dos ruralistas, que praticamente inviabiliza o processo de demarcação de terras indígenas ao se embasar na polêmica tese do marco temporal, segundo a qual indígenas só poderiam reivindicar territórios em que se encontram no momento da promulgação da constituição de 1988. Essa decisão já foi contestada pelo Ministério Público Federal (MPF).

Dinamam Tuxá, que também é advogado, nomeia esse parecer como "Parecer do Genocídio". Segundo a liderança, o parecer "vincula a decisão do supremo no caso da Raposa Serra do Sol à demais Terras Indígenas, havendo, com isso, a paralisação dos processos de demarcação, o aumento de decisões desfavoráveis aos povos indígenas no âmbito dos tribunais regionais, e que acarreta um aumento significativo da violência dentro das Terras Indígenas".

A liderança Célia Xakriabá diz que os indígenas "olham para o passado de forma espantosa, vendo o que aconteceu em 1.500". "Mas isso não impede de perceber que 1.500 ainda é hoje, com ferramentas e armas mais sofisticadas. A caneta tem sido a mais potente arma de fogo, que faz com que os povos indígenas tenham sangue derramado, diante de um genocídio legislado, com retrocessos decididos pelo congresso nacional, bancada ruralista e poder judiciário", diz a liderança Xakriabá, cujo território fica em Minas Gerais.

Ela considera, assim, impossível pensar na existência de povos indígenas e suas culturas sem a demarcação de territórios dessas populações.

Programação da Semana do ATL

É enfrentando todas essas adversidades que os povos indígenas do Brasil acampam durante toda essa semana na capital do país, pela garantia de direitos ancestrais, demarcações de terras e pela vida da população indígena.

A semana é marcada por uma intensa programação de debates, reivindicações, protestos, encontros com representantes do governo, plenárias gerais e plenárias específicas a partir de temas ou junto a órgãos governamentais - com momentos especiais para reivindicações de mulheres indígenas e da juventude. Para as noites estão programadas atividades musicais, rezas, lançamento de publicações e exibição de filmes.

O Ministério da Justiça afirmou que o ministro Torquato Jardim não poderá receber as lideranças indígenas pois estará de viagem à Paris. Entretanto, são esperados encontros junto a membros do próprio Ministério da Justiça e da Funai, do Ministério da Saúde, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Casa Civil, Advocacia Geral da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, além de representantes do STF, TSJ e TRF1.

Em ano eleitoral, ocorrerão também momentos de debates sobre candidatos/as indígenas, principalmente diante da candidatura de Sônia Guajajara como vice-presidente na chapa do PSOL, encabeçada por Guilherme Boulos, liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. O "Movimento indígena atenta para as candidaturas nos Estados, principalmente de mulheres indígenas e de jovens", afirma Célia Xakriaba, naquilo que considera um momento de reação dos povos indígenas.

A importância da candidatura de indígenas a cargos no governo é mencionada por diversos participantes. "No momento em que disputam um lugar no congresso, não estão disputando um cargo político, e sim dando continuidade à luta, de um outro lugar. Nós acreditamos que os povos indígenas não fazem campanha com dinheiro, e sim com a trajetória. E isso, nós, povos indígenas, temos muito a ensinar à sociedade brasileira", completa Célia.

Dinamam Tuxá insiste que existe toda uma heterogeneidade de povos reunidos no acampamento, com pautas absolutamente plurais. Isso não o impede de afirmar, categoricamente: "nós viemos aqui para lutar em defesa de nossos territórios, rios, matas e florestas. Nós viemos aqui principalmente para lutar pelo nosso direito de existir. E nosso direito de existir passa por um território demarcado."

A ausência de demarcações de Terras Indígenas acarreta, diretamente, em mais violência contra os povos indígenas, prossegue Dinamam.

Por isso, "o Acampamento Terra Livre se inicia denunciando, mais uma vez, a prática genocida do Estado frente aos povos indígenas", com a expectativa de pressionar o Estado brasileiro a garantir os direitos constitucionais dos povos indígenas.

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