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Disputa no Amazonas ameaça floresta

Valor Econômico, Política, p. A10
22 de Set de 2014

Disputa no Amazonas ameaça floresta

Por Andrea Jubé | De Manaus

A bandeira desenvolvimentista dos principais candidatos ao governo do Amazonas pode transformar o coração da floresta amazônica em um verdadeiro canteiro de obras, com possíveis danos ao meio ambiente. A eventual eleição de Marina Silva (PSB) desponta como um entrave ao avanço dessas propostas, apesar dos argumentos de que é possível conciliar desenvolvimento e equilíbrio ambiental no "pulmão do mundo", em plena escalada dos índices de desmatamento.
A recuperação da BR-319, uma rodovia com mais de 800 km de extensão, que atravessa o coração da floresta, é uma promessa comum aos três principais postulantes ao governo. A rodovia liga Manaus a Porto Velho (RO) e é a única via de contato terrestre do Amazonas com o centro-sul do país.
O governador José Melo (Pros), que tenta se reeleger, o senador Eduardo Braga (PMDB), que lidera as pesquisas, e o candidato do PSB, Marcelo Ramos - que tem o apoio de Marina -, compartilham a retomada das obras de pavimentação da BR-319. Outra proposta comum a Melo e Braga - mas de que o pessebista não comunga - é a criação de um polo de exploração de silvinita, um dos sais do potássio, insumo fundamental para a fabricação de fertilizantes.
Eduardo Braga disse ao Valor que receia o engessamento dessas propostas em caso de eventual vitória da ambientalista nas urnas. "É claro que sempre teremos uma preocupação com as posições mais radicais, que às vezes nem são da Marina, mas estão em torno da Marina", admitiu. "É possível o desenvolvimento sustentável, a Zona Franca é o maior exemplo, porque produzimos 4% do PIB industrial sem derrubar nenhuma árvore."
Um técnico que atuou na gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente lembra que ela fazia oposição contundente às obras da BR-319. A estrada foi aberta nos anos 70, no cenário da colonização da Amazônia, mas acabou abandonada na década seguinte. O abandono preservou a floresta, mas dificultou o acesso a Manaus pela via terrestre, isolando o estado do restante do país. O trajeto de barco entre Porto Velho e Manaus leva quatro dias, em média.
Foi nesse contexto que a retomada da pavimentação da rodovia transformou-se em trunfo político. Em 2007, o então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento - ex-prefeito de Manaus que cobiçava o governo estadual - desafiou Marina Silva e convocou o Batalhão de Engenharia do Exército para retomar as obras, mesmo sem a licença ambiental. Um ano depois, o sucessor de Marina, Carlos Minc, suspendeu o processo de licenciamento e determinou que os estudos de impacto ambiental contemplassem a implantação de áreas de reserva ao longo da estrada.
Falta pavimentar cerca de 400 km, entre os municípios de Careiro-Castanho e Humaitá, ambos no Amazonas. Em um comício pró- Braga há duas semanas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não fez a estrada porque os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes ficaram "quatro anos brigando" entre si.
Braga e Ramos - do Rede Sustentabilidade, abrigado no PSB - defendem o modelo da "estrada-parque", de modo que as margens da rodovia sejam preservadas do efeito "espinha de peixe", repudiado pelos ambientalistas. Isso ocorre quando as obras provocam a abertura de estradas vicinais (as "espinhas"), que implicam aumento do desmatamento e a formação de assentamentos irregulares.
Ramos disse ao Valor que a estrada "é um investimento fundamental de integração regional" e que Marina hoje seria favorável às obras, desde que observadas as salvaguardas ambientais. Ele frisa que a rodovia "não será um vetor de degradação ambiental", e que é possível conduzir a obra de forma sustentável e garantir os direitos das populações tradicionais.
Mas o candidato de Marina Silva é contrário ao polo de exploração mineral, pauta de Braga e Melo. O pessebista diz que os dejetos gerados pela exploração das jazidas produzem "montanhas de sal", e que não há estudos seguros quanto ao impacto ambiental.
A silvinita é um dos sais de potássio, o principal insumo para a produção de fertilizantes, de que o Brasil tem déficit histórico e há grande demanda do agronegócio. Braga afirma que é possível viabilizar a exploração segura do minério, sem danos ambientais. Há jazidas em várias cidades, como Autazes, Nova Olinda do Norte, Itacoatiara e Maués.
O governador José Melo planeja um polo de fertilizantes, porque o Amazonas também é rico em nitrogênio. E para completar a cadeia, a meta seria adquirir o fósforo do Peru, a partir de um intercâmbio com a província de Loreto. As conversas iniciais já foram estabelecidas com o presidente da região Yván Vásquez.
"O Brasil pode se tornar autossuficiente em potássio, e podemos usar o frete de retorno das barcaças que trazem soja do Mato Grosso para Itacoatiara, é uma logística perfeita", sustenta Eduardo Braga. "É preciso ter bom senso, não ter radicalismo, porque isso nos aprisionará ao subdesenvolvimento na região", pondera.

Valor Econômico, 22/09/2014, Política, p. A10

http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3704848/disputa-no-amazonas-ameaca…

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