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Discurso do Sr. Mozarildo Cavalcanti

Senado Federal
Autor: MOZARILDO CAVALCANTI (PFL/RR)
09 de Abr de 2001

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, um dos temas muito tratados pela mídia nacional diz respeito à preservação da cultura, à preservação dos nossos índios. No entanto, é interessante observar que, quando se trata efetivamente de defender nossos índios, não vemos ações concretas, seja por parte dos órgãos encarregados de fazê-lo na esfera federal, seja até mesmo por certas instituições que se intitulam, constantemente, defensoras dos índios, de seus valores, de suas vidas.
Sr. Presidente, quero ler aqui uma matéria publicada no jornal O Globo , de 30 de março, sob o título "Índios ianomâmis vão processar governo dos Estados Unidos. Objetivo é evitar uso de material genético sem autorização".
Diz a matéria:
Os índios ianomâmis vão mover um processo judicial contra o governo dos Estados Unidos por uso indevido de material genético coletado na comunidade sem o seu consentimento. A ação está sendo preparada pela Comissão Pró-Yanomami, formada por antropólogos e indigenistas brasileiros. A entidade impediu recentemente na justiça americana a tentativa de um empresário de se apropriar da marca "yanomami.com".
O objetivo da nova ação é impedir, entre outras formas de exploração indevida, o patenteamento de material genético ianomâmi. Os índios, segundo a comissão, foram usados como cobaias e muitos morreram em conseqüência de experiências financiadas pelo governo americano.
Sr. Presidente, é interessante até repetir esta frase: "Os índios, segundo a comissão, foram usados como cobaias e muitos morreram em conseqüência de experiências financiadas pelo governo americano".
Essa denúncia veiculada pela Comissão Pró-Yanomami é da maior gravidade. Contudo, do dia 30 de março para cá, não vi posicionamento algum de autoridade brasileira, seja da Funai, seja do Ministério da Justiça.
Diz mais o artigo: "Os ianomâmis estudam também pedir reparação por danos causados pela coleta de amostras de sangue".
Então, uma entidade financiada pelo governo norte-americano estava não só fazendo experiências que, segundo essa denúncia, resultavam na morte de muitos índios ianomâmis, como também estava coletando sangue sem que os índios tivessem conhecimento do que se tratava e para que se tratava.
E prossegue a matéria: "A Presidente da Comissão, a antropóloga Alcida Rita Ramos, disse que até mesmo o Projeto Genoma precisa de acordo prévio para utilizar o material dos ianomâmis. As amostras de sangue estão nos laboratórios das universidades da Pensilvânia e de Michigan, sendo utilizadas para novas pesquisas pelo Human Diversity Genome Project."
Portanto, é uma denúncia seriíssima, que esperamos seja apurada pela Funai e pelo Ministério da Justiça, principalmente; mas o Congresso Nacional não pode permanecer alheio à denúncia.
Continua o artigo do jornal O Globo :
– Vamos impedir todo tipo de uso indevido ou sem acordo prévio – disse Alcida.
Ela participou do fórum "Ciência, ética e poder", promovido pelo programa de doutorado em Antropologia e História da Universidade de Michigan (EUA), no início deste mês. O fórum discutiu a repercussão internacional da pesquisa realizada pelo geneticista e pesquisador daquela universidade, James Neel, com os ianomâmis, nos anos 60 e 70. A pesquisa foi financiada pela Agência de Energia Nuclear dos Estados Unidos.
Ora, Srs. Senadores, uma matéria como essa, publicada num jornal de grande conceito e circulação como o jornal O Globo , que diz claramente que os índios ianomâmis estão sendo utilizados como cobaias, sendo que vários deles morreram em virtude de experiências, e mais, que o seu sangue, obtido de maneira no mínimo fraudulenta, encontra-se em instituições e universidades norte-americanas sem o consentimento prévio dos índios nem, esquisitamente falando, da própria Funai e do Ministério da Justiça, é realmente de estarrecer. A nossa Amazônia, onde se encontram os índios mais primitivos – digamos -, está sendo invadida e servindo de palco para experiências as mais diversas.
Então, Sr. Presidente, ao fazer este registro e pedir sua transcrição nos Anais do Senado, espero que V. Exª oficie ao Ministério da Justiça, a fim de obter esclarecimentos sobre tão grave denúncia, que não pode passar em branco, como vem sendo, desde 30 de março passado.
O Sr. Ramez Tebet (PMDB – MS) – Senador Mozarildo Cavalcanti, concede-me V. Exª um aparte?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet.
O Sr. Ramez Tebet (PMDB – MS) – V. Exª tem toda a razão. Aliás, venho observando a sua atuação e vejo que V. Exª está muito preocupado. V. Exª é um Senador que, representando Roraima, tem mostrado uma grande preocupação com assuntos que atentam contra a soberania nacional e, no caso, atentam até contra a dignidade do ser humano. Os nossos índios são os primeiros habitantes; temos o dever e a obrigação de defendê-los. Não podemos permitir que eles sirvam de cobaia, de instrumento para experimentação científica. Há uma exploração política do índio brasileiro, feita pelas potências mais avançadas do mundo, que utilizam e mencionam os nossos índios, dizendo agir em sua defesa, quando, em verdade, estão interessadas na riqueza do solo brasileiro. Essa é a verdade. É isso que está acontecendo, por exemplo, na Região Amazônica, segundo denúncias que ouço da tribuna do Senado da República e leio nos jornais. E agora V. Exª traz à tribuna denúncias apontadas por jornais de que os índios estão sendo cobaias para experimentação científica. Isso repugna a consciência nacional. Parece que a ambição dos países mais ricos e poderosos chega a esse ponto. Isso, positivamente, merece nossa repulsa, e V. Exª faz bem em solicitar essas informações.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Agradeço, Senador Ramez Tebet, o aparte de V. Exª.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando Deputado, na década de 80, fiz uma denúncia – baseado em informações que recebi de um funcionário da Funai, que obviamente não podia se identificar – de que estavam sendo feitos testes entre os ianomâmis. Inclusive ele tinha conhecimento de que estavam sendo testadas vacinas contra a malária – portanto, uma vacina experimental – entre os índios ianomâmis. E agora, duas décadas depois, vê-se uma instituição, uma ONG, denunciando claramente que houve experimentação, que os índios serviram de cobaias e que, em função dessas experiências, vários deles morreram.
Há décadas, portanto, organismos internacionais vêm atuando entre os nossos índios não só para mapeá-los do ponto de vista geográfico, mas também para utilizá-los de maneira cruel. Os índios estão servindo de cobaias. Estão buscando entre os índios ianomâmis, que ainda são primitivos, uma forma de experimentar vacinas em pessoas que ainda não sabem reagir, defender-se.
Aproveito para trazer essa matéria publicada no jornal O Globo para que sejam adotadas providências sobre algo que vem sendo feito há muito tempo.
Sr. Presidente, há os índios ianomâmis, ainda primitivos, mas que já têm contato com a chamada civilização branca. Há também os índios makuxis e wapixanas, que residem nas regiões leste e norte de Roraima e que já estão aculturados, integrados à comunidade; são servidores públicos, comerciantes, enfim, pessoas que tem um dia-a-dia igual ao da comunidade onde residem. No entanto, também não querem abrir mão de sua cultura, de suas tradições.
Sr. Presidente, foi publicada em jornal outra denúncia versando sobre índios antropologicamente mais civilizados:
Líder Indígena denuncia que sofre ameaças de morte.
O líder indígena na região do Surumu, Miracélio Peixoto, juntamente com sua mulher, Laiza de Souza Peixoto, estiveram ontem na redação do BrasilNorte para denunciar que estão sofrendo ameaças de serem mortos e expulsos da própria casa, no entroncamento de Surumu, reserva indígena de São Marcos.
Peixoto reclamou que, enquanto deveria estar recebendo apoio de entidades como o Conselho Indígena de Roraima (CIR), Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto do Meio Ambiente (Ibama), Igreja Católica e algumas Organizações Não-Governamentais (ONGs),como a TWM, que se dizem defensoras dos índios, fazem o contrário: incitam uns contra os outros, pressionam aqueles que não compactuam com o que chama de indiferença e preconceito.
O indígena denuncia que está sendo vítima de calúnia e difamação, sofrendo agressões verbais e físicas, pelos próprios índios ligados às entidades que não o apoiam, que tentam impedi-lo de trabalhar.
Isso porque ele e sua família moram num entroncamento de grande movimentação, mantêm um pequeno comércio do qual sobrevivem, mas já tiveram sua casa invadida várias vezes por índios que tentaram tirá-los à força.
"Estou denunciando para mostrar ao povo de Roraima o que realmente está acontecendo e pedir das autoridades providências urgentes, pois nem mesmo nós, índios, estamos tendo o direito de morar no que é nosso, pois a Igreja e as ONGs pedem demarcação de terras, mas não para nós", critica.
Por isso, Miracélio Peixoto declara que ele, juntamente com todas as lideranças e comunidades indígenas ligadas às entidades como a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas (Alidicir) e Arikon são veementemente contra a demarcação contínua, exigindo urgência na definição da demarcação em ilhas.
"Quero aproveitar e dizer que estou recebendo total apoio da Alidicir, Arikon e Sodiur, enquanto que as outras entidades que procurei negaram ajuda e ainda estão usando tuxauas de outras comunidades para me ameaçar e agredir", desabafa.
Ora, Sr. Presidente, vemos aqui duas denúncias diferentes. De um lado, uma ONG denunciando que os índios ianomâmis – os índios mais primitivos existentes na Amazônia – estão sofrendo esse tipo de exploração por parte de instituições internacionais – do Governo dos Estados Unidos. De outro lado, há também instituições não-governamentais que estão colocando índios contra índios; os que não concordam com algum tipo de procedimento são perseguidos ou ameaçados pelos próprios índios que são manipulados por outras instituições.
Vejam como a política indigenista do País está entregue realmente ao deus-dará. Não existe uma orientação, uma fiscalização eficiente e muito menos a preocupação com um problema tão sério como esse.
O Sr. Ramez Tebet (PMDB – MS) – Senador Mozarildo Cavalcanti, concede-me V. Exª mais um aparte?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet.
O Sr. Ramez Tebet (PMDB – MS) – Tenho a mesma preocupação que V. Exª. Sou um homem preocupado em defender os primeiros habitantes do nosso País. São as pessoas que os portugueses encontraram no Brasil quando aqui chegaram. Por um lado, V. Exª trata da questão da demarcação de terras, assunto que me preocupa, porque a segunda maior população indígena está no Estado do Mato Grosso do Sul. Categoricamente, defendo que os índios têm de ter um pedaço de chão, deve ser-lhes reservado um pedaço de chão. Eles não podem ficar a esmo, peregrinando, sem ter um pedaço de chão para morar, trabalhar, cultivar, plantar. Os índios das mais diversas tribos precisam de um pedaço de chão, inclusive para continuar a cultivar seus hábitos, suas tradições, suas culturas. V. Exª põe o dedo na ferida porque não existe uma política indigenista no País. Isso está ao deus-dará. Está para surgir quem implemente uma política que coloque verdadeiramente as coisas nos seus devidos lugares. No meu Estado, por exemplo, há vários problemas de terras. Há terras amplamente consolidadas, com títulos de mais de 50 anos que, todavia, estão ameaçadas. Com isso, o setor produtivo do Estado fica parado. No Estado do Mato Grosso do Sul, há os sem-terra invadindo as propriedades, o não cumprimento das ordens judiciais não são cumpridas. De outro lado, quase todo o território se encontra ameaçado com demarcação de terra. Como se vai ter tranqüilidade para trabalhar e produzir? Fico-me perguntando se é tão difícil demarcar um pedaço de chão para se dar aos índios. Aqueles que são proprietários vivem atormentados. Recebo apelo veemente e procuro as autoridades competentes, com a finalidade de evitarmos um conflito, de acertarmos a questão, pois é hora de anteciparmo-nos; e em vão, nada é feito de concreto. Então, fica aquele clima indesejável, porque o conflito existe. Também há ameaça constante da parte do índio, que, não tendo terra, quer invadi-la, julgando que lhe pertence. Há bastante terra para ser distribuída, basta que haja uma política para atender aos dois lados: para preservar a cultura indígena e para que haja paz, e todos possam trabalhar e produzir. Pedi outra vez aparte a V. Exª porque este assunto também diz respeito ao meu Estado, Mato Grosso do Sul: lá, recebo índios, donos de terras e todos estão muito inquietos com a situação vigente.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR) – Senador Ramez Tebet, agradeço o aparte de V. Exª. Quero terminar meu pronunciamento abordando, Senador Tebet, justamente a questão da demarcação de terras indígenas.
O que vimos aqui? A denúncia de uma organização não-governamental de que os índios ianomâmis estão sendo vítimas de experimentos, sendo cobaias e que vários deles morreram. E mais, que o material genético coletado irregularmente, amostras de sangue deles, está em universidades americanas. Por outro lado, vimos um índio denunciando e reclamando proteção; diz estar sendo ameaçado por outros índios que pertencem a outra organização não-governamental, quer dizer, trata-se já de uma briga intra-étnica.
Sr. Presidente, eu gostaria de encerrar meu pronunciamento referindo-me a um recente artigo publicado pelo ex-Ministro Jarbas Passarinho, cujo título é: "O ministro e a terra ianomâmi". O ex-ministro, em resposta ao Ministro Geraldo Quintão, que esteve no Estado de Roraima, deu uma declaração de que S. Sª considerava que a forma como foi demarcada a terra ianomâmi foi no mínimo uma leviandade, porque foi demarcada com pressa e de maneira errada. O ex-Ministro Jarbas Passarinho, para responder ao Ministro Quintão, aproveitou-se do seu artigo e disse, ao final do seu arrazoado, que era Ministro da Justiça na época e que foi S. Sª quem assinou a portaria demarcando a terra indígena:
Não me surpreende a leviandade de políticos de Roraima ao dizerem que não observamos "nenhum critério na demarcação feita só olhando o mapa". É que os políticos sabem que os índios não votam..."
Ora, Sr. Presidente, o ex-Ministro Jarbas Passarinho me autoriza a também chamá-lo de leviano ao dizer que os políticos de Roraima são levianos, porque, no mínimo, comete a leviandade de colocar todos no mesmo nível – e aqui quero, inclusive, defender a todos os políticos de Roraima, já que S. Sª me incluiu no contexto de todos –, porque leviandade é fazer uma afirmação dessas quando nenhum político de Roraima tinha se manifestado, e sim o Ministro Geraldo Quintão.
Nós, sim, temos legitimidade para discutir essa questão – e, aliás, qualquer demarcação de terras indígenas e de reserva ecológica deveriam ser no mínimo fruto de debate no Senado, que é a Casa que representa os Estados. Isso implica tornar da União, as terras que deveriam ser ou são do Estado.
Da mesma forma, como não quero colocá-lo no mesmo "saco" e dizer que ele pertenceu ao regime de exceção, que ele pertenceu à ditadura, eu também gostaria que ele tivesse o mesmo respeito quando falasse dos políticos de Roraima.
Repilo, portanto, a afirmação do ex-Ministro Jarbas Passarinho, e concluo dizendo, Sr. Presidente, que, nesta questão indígena, o Brasil precisa ter rumo e comando.

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