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Direitos culturalmente diferenciados, Antropologia e Ética

overmundo.com
Autor: Luís Roberto Cardoso de Oliveira
01 de Jun de 2007

Uma verdadeira campanha de má-fé para disseminação da ignorância obscurantista tem se espalhado por periódicos do Sul do Brasil, sobretudo, articulando de modo negativo e leviano, povos indígenas, antropólogos e questão fundiária.

A Constituição Brasileira de 1988 reconheceu, por diversos de seus dispositivos, o caráter multiétnico da sociedade brasileira e os direitos coletivos à terra de coletividades culturalmente diferenciadas, em especial dos povos indígenas e de comunidades quilombolas.

Por meio de legislação posterior, de normas administrativas, e ainda pela mais recente da ratificação pelo governo brasileiro da Convenção 169 sobre Populações Tribais em Estados Nacionais da Organização Internacional do Trabalho, esses direitos foram sedimentados e transformados em matéria de ação administrativa do Estado no Brasil, sendo monitorado e supervisionado pelo Ministério Público Federal.

No caso dos povos indígenas, cuja presença na América pré-existe qualquer estruturação em Estados Nacionais, com estabelecimento de fronteiras, línguas e documentos "nacionais", a agência do Estado brasileiro responsável pelo reconhecimento fundiário das terras indígenas é a Fundação Nacional do Índio.

Esse conjunto de disposições jurídico-administrativas previu que a parte inicial desse processo de regularização fundiária fosse objeto do trabalho técnico-pericial do antropólogo, profissional no Brasil formado apenas ao nível de mestrado e doutorado, em cursos específicos, reconhecidos pelas instituições de fomento à pós-graduação, como o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes), cujo criterioso trabalho de avaliação qualifica e certifica alguns cursos apenas.

A perícia antropológica é um trabalho de caráter técnico, que demanda sólidos conhecimentos científicos quanto aos princípios teóricos da disciplina que o embasa, assente na longa tradição da Antropologia no estudo de sociedades e povos não ocidentais, que tem viabilizado uma compreensão adequada, para além dos preconceitos do senso comum e dos interesses materiais comezinhos, de seus costumes e modos de vida.

Mais que isso, o exercício da Antropologia, e em especial os trabalhos de perícia antropológica, demandam um comprometimento ético-moral profundo com os povos de cujos modos de vida nos tornamos íntimos ao longo de nosso investimento, seja para fins acadêmicos ou técnicos, em especial, no sentido de levar a sério o seu ponto de vista e suas tradições, tratar o tema e o grupo com honestidade, e assumir responsabilidades, para com o grupo, sobre o resultado de seu trabalho.

Assim, a produção da verdade científica em Antropologia, isso estando consignado em numerosos códigos de ética de associações como a nossa, passa pelo ponto de vista daqueles com que estudamos e convivemos, sendo nosso papel traduzir com objetividade esse ponto de vista.

São os conteúdos teóricos da disciplina e o método científico que possibilitam que o imperativo ético se combine com a visão da imparcialidade demandada pelo Direito, o que tem feito que com freqüência se demande o trabalho pericial do antropólogo na esfera jurídica, em especial na ação do Ministério Público Federal e na atenção a demandas da magistratura.

As matérias publicadas e disseminadas na imprensa escrita, em torno da identificação da terra indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, ou acerca da identificação de terras de quilombos revelam não apenas o desconhecimento sobre a pesquisa e a perícia antropológica.

Colocam-se na contramão da ação legalmente definida dos órgãos públicos, demonstrando má-fé no imperativo da informação e do esclarecimento do grande público quanto aos direitos indígenas e de quilombolas.

Assim agindo, esse segmento da imprensa demonstra a violência de seu poder, ao praticar o exercício unilateral da crítica, sem dar espaço à voz dos antropólogos reconhecendo-lhes o direito de resposta nesses e em numerosos casos de que esses profissionais têm sido objeto, colocando-nos a questão: há algum o princípio ético-moral no trabalho desse tipo de imprensa que traveste interesses específicos e econômicos em acusações regadas a um nacionalismo ralo e a tons desrespeitosos e superficiais?

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