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Direito dos índios à terra é garantido pela Constituição

O Globo, País, p. 10
28 de Ago de 2019

Direito dos índios à terra é garantido pela Constituição
Política indigenista é baseada no respeito às culturas e ao meio ambiente

JÚLIA COPLE
julia.cople@oglobo.com.br

Criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, a atual política indigenista é baseada no respeito às particularidades culturais dos povos indígenas e é vital para a preservação ambiental. Ouvidos pelo GLOBO, antropólogos atribuem à Constituição de 1988 um marco de garantias e de mudança do modelo político para esses povos, antes marcado por tutela e assistencialismo. Em novembro, o então presidente eleito comparou indígenas que vivem em demarcações feitas pelo governo a animais em zoológicos.
Em capítulo dedicado especialmente aos índios, a Constituição reconheceu a "posse permanente" desses povos sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, a serem demarcadas pela União, e entregou a eles "usufruto exclusivo das riquezas", em reconhecimento à organização social e aos costumes próprios.
-Até então, a visão que se tinha no país era a de que os índios deveriam ser integrados para se misturarem à população. A Constituição garante que sejam respeitados em suas particularidades, com educação diferenciada, intercultural, com suas terras demarcadas segundo as necessidades. A Constituição visa a respeitar as especificidades culturais e colocar os índios no futuro do Brasil, não no passado, com a diversidade indígena como parte da identidade brasileira - explica o secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA), André Villas-Bôas.
O coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marco Antônio da Silva Mello, considerou "um absurdo" avaliar a política indigenista pela relação entre hectares e número de populações indígenas:
- A terra para essas sociedades não é só meio de produção, como é para nós. O aparelho de Estado quer nos convencer de que o significante "terra" tem um só significado, isto é, é mercadoria. Não é disso que se trata. Muita gente pensa: "Se eu fosse índio, o que eu faria para ganhar dinheiro?" Você vive em outra sociedade. São culturas distintas, modos de pensar e conceber o universo. Esta terra não está à venda. As sociedades têm direito de permanecerem em suas dinâmicas próprias. Não é congelar a sociedade, não é jardim zoológico de índio.
ENTIDADES REAGEM
Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), afirmou que o presidente "mentiu e afrontou a Constituição ao atacar os povos indígenas". "As acusações, públicas e recorrentes, do presidente da República de que a demarcação de terras indígenas atentaria contra o interesse e a soberania nacional são conscientemente falsas, injustas e potencializam
o preconceito, o racismo e o sentimento de ódio contra os povos indígenas, cidadãos brasileiros historicamente vilipendiados e violentados em nosso país", diz trecho da nota.
O ISA, também em nota, classificou como "cínicas" as declarações de Bolsonaro durante a reunião com os governadores. "A demarcação das terras indígenas e a titulação de quilombos são mandamentos da Constituição que o presidente jurou cumprir e a sua omissão deliberada constitui crime de responsabilidade", afirmou o Instituto Socioambiental, no documento.

Imensidão e riqueza mineral alimentam cobiça

ANA LUCIA AZEVEDO
ala@globo.com

Áreas vastas e a promessa de riqueza mineral alimentam a cobiça sobre as terras indígenas brasileiras, 98% das quais estão na Amazônia Legal. As terras dos índios hoje, como há 500 anos, se adequam à imagem do El Dorado na floresta. Uma promessa de riqueza, que então como agora, tem produzido miséria, conflitos e devastação. A riqueza está sob o solo, na forma de ouro, diamantes e outros minerais. E também sobre ele, nas árvores de madeiras nobres e na própria terra, cobiçada para expansão do gado.
As demarcações indígenas ocupam 13,8% do território brasileiro, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), referência na temática indígena, ou 12,5%, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE, que contabiliza apenas as demarcadas e regularizadas. É uma área equivalente aos territórios da França e da Inglaterra somados. Nela vivem 57,5% das 896 mil pessoas que se declararam indígenas no Censo, cerca de 0,5% da população brasileira.
É incontestável que a riqueza existe, como mostram os frequentes conflitos com índios. Eles enfrentam garimpeiros, que invadem suas terras em busca de ouro, diamante, urânio entre outros. E também se confrontam com madeireiros ilegais e grileiros.
O conflito é fato. Incerto é o conhecimento sobre a riqueza mineral. O Brasil, porque nunca investiu com profundidade no assunto, sequer sabe muito bem o que de fato existe por lá. Temos somente levantamentos de potencial e poucos dados de áreas prospectadas, com estudos de campo. Ainda assim, chegam a quase 200 os projetos de empresas de mineração em terras indígenas.
E há milhares de garimpeiros ilegais dentro das terras indígenas. O caso mais lembrado é o da terra ianomâmi Raposa Serra do Sol, em Roraima, o estado que tem maior percentual de áreas indígenas do país. Sabe-se que lá há ouro, diamantes, nióbio, terras-raras. O quanto e o que exatamente ninguém sabe porque aquela região, como toda a Calha Norte, não foi prospectada.
Para explorar as terras dos índios, é preciso mudar a Constituição. O artigo 231 reconhece o direito permanente dos povos indígenas às terras que ocupam tradicionalmente, e determina que também lhes cabe "o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes". A Constituição não proibiu a exploração mineral nessas terras, mas isso pode ser feito somente com a autorização do Congresso, sendo que esta nunca foi regulamentada.

O Globo, 28/08/2019, País, p. 10

https://oglobo.globo.com/brasil/direito-dos-indios-terra-garantido-pela…

https://oglobo.globo.com/brasil/analise-imensidao-riqueza-mineral-de-te…

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