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Diplomatas brasileiros defendem uso da Amazonia

JB, Pais, p.A2
14 de Fev de 2005

Diplomatas brasileiros defendem uso da Amazônia
O ministério de Celso Amorim contabiliza 12 negociações sobre o aproveitamento sustentável da Amazônia

BRASÍLIA - Os diplomatas brasileiros não querem que a Amazônia se transforme no jardim botânico do mundo. Cercada, sem uso econômico, apenas para ser admirada. E esta é só uma das brigas que estão sendo travadas nos foros internacionais na área ambiental. Só este mês, a agenda do ministério de Celso Amorim (Relações Exteriores) soma 12 negociações sobre o tema, de um total de 43 eventos.

As reuniões envolvem desde o uso de madeiras tropicais até o acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, assunto que será objeto de um encontro entre os 17 países mais ricos em biodiversidade, hoje, na Tailândia. O Brasil promete incomodar o mundo também nesta área, a exemplo do que vem fazendo, por exemplo, no setor do agronegócio.

- O meio ambiente é encarado hoje como uma questão de Estado - diz o ministro Everton Vargas, diretor-geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty, acrescentando que o assunto é essencialmente político e põe em jogo as bases em que se assenta o desenvolvimento das nações desde a revolução industrial.

O diplomata, um dos principais negociadores da posição brasileira nos encontros internacionais sobre o clima e a biodiversidade, afirma que, sem exageros, é possível dizer que atualmente nenhum tema ambiental no mundo pode ser discutido sem a presença do Brasil. Afinal, em solo nacional encontram-se 25% da biodiversidade do planeta.

- Não somos um ator coadjuvante nos foros internacionais. Pelo contrário, temos o papel principal - acrescenta Vargas.

Ele assinala, no entanto, que este é um assunto delicado, porque envolve múltiplas facetas, não só econômicas e sociais, mas também - e principalmente - políticas. E, por isso, o governo brasileiro vem tendo uma ação cuidadosa, para garantir que os regimes internacionais em discussão não cerceiem, no futuro, o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vida da população.

- É importante preservar a soberania dos Estados nos recursos naturais. As convenções internacionais não serão um obstáculo à nossa autonomia decisória - destaca.

Há uma grande pressão, por parte das nações mais ricas e que já utilizaram de forma desmedida sua biodiversidade, para limitar a utilização dos recursos nos países em desenvolvimento. No caso do Brasil, a maior pressão é para ''blindar'' a Amazônia e vender a idéia de que a floresta é um patrimônio da humanidade, uma riqueza que deve permanecer intocada.

- A Amazônia não será um jardim botânico do mundo. É patrimônio do Brasil que, se explorado de forma sustentável, pode gerar emprego e renda e melhorar as condições de comunidades na região - defende Vargas.
Ele também questiona o discurso dos países mais desenvolvidos que, ao mesmo tempo em que levantam a bandeira do desenvolvimento sustentável e da intocabilidade da Amazônia, não têm conseguido adotar, no seus mercados internos, uma agenda coerente com o discurso que apregoam. E ainda barram avanços importantes nos foros internacionais.

Segundo Vargas, um exemplo dessa contradição se verifica no caso do acesso aos recursos genéticos, matéria sobre a qual a Convenção sobre Diversidade Biológica dispõe de institutos inovadores, como os relativos à repartição de benefícios e à proteção dos conhecimentos tradicionais, mas que ainda precisa ser regulamentada.

O assunto, que será discutido em Bancoc, enfrenta grande resistência dos países industrializados ante o potencial dos recursos biológicos e genéticos para as indústrias farmacêutica, química e de alimentos, entre outras.

Vargas destaca que o Brasil vai continuar brigando por um desenvolvimento que seja sustentável.

- Não podemos esperar que o Brasil ou outro país alcance a sustentabilidade, independentemente do seu grau de desenvolvimento, se o desenvolvimento sustentável não for competitivo.

Para isto, ele destaca que é necessário agregar valor, ter acesso a mercado, apoio e políticas públicas para esta exploração correta. Segundo o ministro, a sustentabilidade é um processo em que a sociedade tem que se engajar, o governo tem que regular e supervisionar e o mercado tem que agir.

Patenteamento de recursos é tema internacional

A utilização - e o patenteamento - dos recursos biológicos e genéticos dos países mais ricos em biodiversidade é uma das principais discussões do setor ambiental neste momento. Para debater este tema, cinco diplomatas, além de uma equipe integrada por profissionais de vários ministérios, participam hoje, em Bancoc, na Tailândia, da terceira reunião do Grupo de Trabalho Aberto Ad Hoc sobre Acesso e Repartição de Benefícios da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
A discussão envolve o grupo dos países megadiversos, que reúne as 17 nações em desenvolvimento responsáveis, juntas, por mais de 70% da biodiversidade do planeta. Além do Brasil, seus membros são a África do Sul, o Equador, as Filipinas, Índia, Indonésia, Madagascar e Malásia, para citar alguns.

- A grande discussão que se tem hoje é o reconhecimento dos direitos dos países de origem pela pesquisa e pelo beneficiamento de seus recursos genéticos e biológicos - explica o ministro Everton Vargas, diretor-geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty.

O diplomata brasileiro informa que os países industrializados não querem reconhecer isso, pois, até a negociação da CDB, entendiam que esses recursos eram um bem comum da humanidade. A discussão também está intimamente ligada ao patenteamento.

- Como vamos patentear o conhecimento de uma comunidade? - questiona Vargas.

Ele argumenta que, quando se trata de um conhecimento coletivo, as regras não podem ser as mesmas usadas para proteger um conhecimento individual, mas ainda não há consenso sobre o tema.

O Brasil é membro fundador do grupo dos megadiversos, um dos líderes das discussões e um dos principais interessados no avanços das negociações. As discussões, que entram na terceira rodada agora, devem avançar ainda por todo o ano de 2005. As conclusões serão apresentadas na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que terá sede no Brasil em 2006.

JB, 14/02/2005, País, p.A2

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