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A difícil convivência entre Yanomami e brancos

Cores Primárias (http://www.coresprimarias.com.br/ed_4/claudia_andujar_p.php)
Autor: Margarida Nepomuceno
01 de Nov de 2006

O Xamã Davi Kopenawa, da nação Yanomami acredita na convivência entre o índio e o napo, homem branco, mas não quer saber de dividir o mesmo espaço. Acredita que todos são originários da mesma terra - Mami e podem compartilhá-la, cada qual no seu canto, "nós, na floresta , e homem branco na cidade".

Mesmo diante dos empecilhos de um compartilhamento respeitoso entre culturas tão diferentes, a 27ª Bienal Internacional de São Paulo, propõe um desafio no universo da produção artística, uma aproximação entre culturas, na tentativa de questionar as formas e possibilidades de convivência. Os trabalhos da fotógrafa e indigenista Claudia Andujar, sobre os índios Yanomami (2ª piso no Ibirapuera) e a conversa desta segunda feira (30.10) entre a artista e o Xamã Davi Kopenawa Yanomami com monitores da Bienal, comprovam essa intencionalidade. Estiveram presentes ao encontro, a curadora da Bienal Lisette Lagnado e a coordenadora do programa de ação educativa desta Bienal, Denise Grinspum. Monitores mesmo, bem poucos!

Davi explicou seu papel entre os Yanomami, falou dos costumes e hábitos de sua gente e sobre a importância de estar podendo transmitir um pouco da tradição indígena através dessa Bienal. Claudia Andujar, fotógrafa suíça, radicada no Brasil desde o final da década de 60, apresentou seu trabalho exposto nesta Bienal, uma série de fotos dos índios Yanomami, feitas entre 1981 a 1983, em Roraima e Amazonas. Nestes Estados Claudia desenvolveu uma intensa atividade como fotógrafa e militante social na defesa dos direitos na nação indígena. Atividade esta, reconhecida internacionalmente, e que lhe valeu, em 2000, o prêmio Cultural Freedom Prize, da Fundação Lannan, entregue pelo escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano.

Para o Xamã Davi,a memória substitui o papel, os livros e os documentos

Davi Kopenawa sabe o significado de seu nome, Marimbondo, mas não sabe quando nasceu: "meu povo não tem papel para registrar quem nasce, não tem cartão de identidade. Papel nosso é a memória". E as histórias são transmitidas oralmente, de uma geração para outra.

Xamã significa o curandeiro da tribo. E Davi , além de Pagé, o que tem funções mais políticas, também quis ser Xamã. Preparou-se para exercer essa função: passou por todos os rituais de preparação, isolando-se na floresta, ficando sem comer dias seguidos e ingerindo, ao final das preparações, a Iacuana, um pó alucinógeno feito do chá da casca da árvore sagrada Iacuana que possibilita, segundo seu depoimento, a interação com o universo, com Mami. Os conceitos de doenças são diferentes da civilização branca. Doença para Davi não é a gripe nem a dor de cabeça: "vem com o espírito da noite trazendo a tristeza, o desânimo" e são conhecidas pelos nomes de Omoari, Noanri, Koimari ou Tutiri (espírito da noite). Doença mesmo, a bronquite, o câncer e a pneumonia, foram adquiridas através do contato com os brancos, segundo Claudia Andujar e Davi, durante a devastadora investida econômica naquela região, nos anos 70.

Queremos que nossa escola e língua sejam reconhecidas

O indígena Yanomami sente-se orgulhoso de ajudar seu povo, como Xamã, para depurar as doenças, e também exercendo a função política, como Pagé, principalmente na relação com o homem branco. Foi porta-voz de seu povo durante a campanha de demarcação das terras indígenas, nos Estados de Roraima e Amazonas, somente reconhecidas pelo Brasil como patrimônio da nação Yanomami em 1993. Tem ainda uma atuação vigorosa junto ao governo de Roraima "batemos sempre na porta de governo e ele não está atendendo". Davi refere-se, especialmente, à luta por escolas para o seu povo: "Queremos que nossa escola seja reconhecida, que a nossa língua seja reconhecida. Não queremos uma escola de branco, queremos aprender a contar , a entender o que o branco fala, mas nós, índios é que queremos ensinar nossos filhos".

Davi já conquistou o mundo virtual dos brancos

Davi mostra-se reticente quanto às questões de discutem o convívio com a civilização dos brancos, visão que resulta das trágicas experiências da década de 70, quando o garimpo e a construção de estradas, devastaram a floresta provocando danos irreversíveis na vida dos Yanomami. Entretanto, Davi Kopenawa fala fluentemente o português, o que comprova a sua atuação estreita junto aos territórios culturais dos brancos. Utiliza palavras ausentes do vocabulário de muitos brasileiros, tais como: convivência, projetos, tradição e cultura. Já esteve em muitos países e seu nome está à frente de centenas de sites espalhados pelo mundo virtual da informação. Cerca de 100 páginas e 1000 sites, entre específicos e gerais, citam-no como uma das lideranças mais atuantes da nação Yanomami. Já conquistou, sem sombra de dúvida, o mundo virtual dos brancos.

O Yanomami sabe que a prática do convívio entre as culturas não é nada fácil, mas reconhece que é umas das vias possíveis para garantir a sobrevivência de sua gente.

Uma convivência de 30 anos

Claudia Andujar, suíça de nascimento, está no Brasil desde os anos 60, para onde a família mudou-se para fugir das dificuldades do pós guerra. Foi umas das principais fotógrafas da revista Realidade e responsável por capas memoráveis que ficaram na história do fotojornalismo brasileiro. Atuou no Brasil e fora daqui, mas o seu interesse sempre foi pelas culturas minoritárias, marginalizadas. Amiga de Darci Ribeiro, foi levada por ele a conhecer o mundo dos Yanomami, em 1971, primeiro por curiosidade depois como escolha de vida.

Decidida a voltar às aldeias Yanomami, para entender a cultura dos indígenas, a fotógrafa conseguiu por duas vezes, bolsas de pesquisa fotográfica da Fundação John Simon Guggenheim de Nova York, em 1972, e embrenhou-se na floresta, numa aventura, já registrada em vários livros de sua autoria, que duraria 30 longos anos.

Transformou-se. Seu trabalho fotográfico não tinha nada mais a ver com o realizado no passado: "comecei a conviver com eles e a ajudá-los a resolver seus problemas e só passei a fotografá-los depois de conhecê-los bem e de ser aceita por eles", afirmou a artista. Ainda na década de 70, Claudia foi expulsa da região dos Yanomami, pelo governo e pela Funai, por considerarem-na espiã estrangeira, mas voltou algum tempo depois, através de organizações brasileiras - as ONGS - que começavam a se dedicar à causa indígena.

Depois de expulsa, voltou para ficar

A causa dos Yanomami tornou-se a sua causa , e seu trabalho como fotógrafa somou-se às atividades de companheirismo e solidariedade dedicados ao povo Yanomami. Sua pesquisa como artista fotográfica, entretanto, não parou. A cultura indígena foi incorporada ao seu trabalho e a luz, elemento fundamental da fotografia, foi assimilada em seu estado natural ao processo de criação da artista da mesma forma com que os índios lidavam com os fenômenos da natureza. Aos poucos, a natureza e a cultura foram fornecendo-lhe elementos para sua atividade artística. Uma atividade consciente e respeitosa a dignidade do povo indígena e a diferenciação daquela cultura.

Numeração que significa resgate

A série de fotografias apresentadas na Bienal, no 2o piso(imagens atrás da artista), foi realizada entre 1981 a 1983, e representa uma documentação feita pela fotógrafa, de um projeto de vacinação realizado em sete regiões da nação Yanomami, junto com dois estudantes de medicina da Universidade de São Paulo. São fotos de adultos e crianças Yanomami, numeradas para efeito de controle sanitário. Como não possuíssem documentos, achou-se conveniente o uso da numeração nas imagens. Numeração que para Claudia, tem significado bem diferente do registro policial ou do registro corporal, como o realizado pelo nazismo na guerra: "Lá, a numeração significava a morte, aqui...a vida...o resgate", explica.
Com o seu trabalho, Claudia sugere que se discuta a importância do viver junto para populações tão diferenciadas como a dos Yanomami .

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