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Desperdício amazônico

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Gilberto Paim
10 de Ago de 2003

Quando esteve à frente do Ministério de Projetos Especiais, o embaixador Ronaldo Sardenberg estabeleceu duas diretrizes básicas: definiu o Sistema de Vigilância da Amazônia, Sivam, como o coletor de informações específicas sobre a Amazônia, e criou o Sistema de Proteção da Amazônia, encarregado de encaminhá-las a seus diferentes destinos.

O fato de a implantação do Sivam ter sido contratada com a empresa americana Raytheon deu origem a muita informação distorcida, inclusive a de que o objetivo oculto seria o uso das informações disponíveis, em primeiro lugar, pelo governo dos Estados Unidos. Ignorava-se que o Ministério da Aeronáutica havia criado, como parte brasileira do projeto, a Atech, Fundação de Aplicação de Tecnologias Críticas. Nas negociações do contrato com a Raytheon, esse ministério impôs cláusula segundo a qual equipes brasileiras da Atech assumiriam toda a execução do projeto no país e ficariam incumbidas da coleta e do processamento das informações colhidas na região.

A gama das informações era ampla, versando sobre geologia, diversidade botânica, meteorologia, vazão de rios, vôos de aviões regulares e clandestinos, queimadas e desmatamento, poluição de rios pelo mercúrio e diferentes formas de agressão ao meio ambiente. Entre outras finalidades, essas informações tinham a ver com a segurança de fronteiras, o combate ao narcotráfico, a educação a distância, o apoio às universidades e seus institutos de pesquisa. A agricultura colheria o benefício de informação exata sobre as condições meteorológicas, enquanto as secretarias de Saúde poderiam localizar focos de endemias e conduzir com segurança suas campanhas de saúde pública. Por sua vez, as secretarias de Segurança e as Forças Armadas receberiam informações de seu respectivo interesse.

Consumiria muito espaço descrever o sistema de coleta de dados. Talvez a síntese estivesse no valor do investimento: 1 bilhão e 400 milhões de dólares, recebidos de empréstimo do Eximbank, com juros módicos, prazo de carência e prazo longo de amortização. Desse montante, US$ 400 milhões foram gastos no Brasil. Talvez tenha sido o maior financiamento já concedido pelo banco oficial americano. O projeto foi anunciado em 1995 como uma iniciativa de significação mundial, dado o emprego maciço de refinadas tecnologias de última geração. Em diferentes pontos da Amazônia foram instalados equipamentos ultra-sofisticados de coleta e transmissão de informações diferenciadas.

Faltam talvez 10% para estar completo o Projeto Sivam, mas bem antes, quando se levantou a questão de sua dispendiosa manutenção, o embaixador Sardenberg propôs a seguinte solução: a fonte de recursos seria a venda de serviços. Processadas as informações colhidas pelo Sivam, chegaria a vez do Sipam, Serviço de Proteção da Amazônia. A clientela estaria nas secretarias dos 27 governos estaduais, ao lado de vários ministérios. Tais contratos renderiam recursos de vulto ao Sipam para a manutenção do Sivam.

Mas o projeto começa a penetrar numa área de sombras. Depois de extinto o Ministério dos Projetos Especiais, o Sipam ficou jogado de um canto para outro. Hibernou na Presidência da República e caiu no Ministério da Defesa, ainda no governo FHC. Esteve uns tempos sem lugar fixo e agora está de novo nesse ministério. Mas parece abandonado o antigo plano de venda de serviços. E sem dinheiro para a manutenção do Sivam todo o projeto corre o risco de se perder como as seringueiras de Henry Ford.

Um fato digno de registro é o apoio do Exército ao projeto. Tem se destacado pelo empenho em difundir a importância do Sivam o general Leonidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército e antigo comandante das forças sediadas na Amazônia. Conferencista bem equipado de informações técnicas, esse oficial tem encontrado boa audiência para suas exposições. A Aeronáutica não está isolada na defesa do sistema.

Sabe-se que o presidente Clinton, em suas conversas com o presidente Fernando Henrique, frisou a importância do grande projeto, cujo financiamento foi por ele aprovado. Na fase de execução do Sivam, houve abundante transferência de tecnologia, dando ao Brasil inestimável fonte de poder para o exercício de completo domínio da Amazônia.

Mas há indícios de que toda essa parafernália terá por destino apenas o controle de vôos de Manaus a Caracas. Os promotores da idéia de internacionalização da Amazônia hão de dizer que de fato não sabemos aplicar corretamente os recursos técnicos de que dispomos na eficaz administração do imenso território de florestas e água.

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