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Desnutrição mata mais duas crianças índias

Folha de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: HUDSON CORRÊA
25 de Fev de 2005

Peso dos índios, de um ano, estava abaixo do normal; um tinha paralisia cerebral, e outro, Síndrome de Down

Duas crianças índias desnutridas morreram ontem em Dourados, em Mato Grosso do Sul. O médico Franklin Amorin Sayão, 59, disse que a guarani-caiuá Jenifer Duarte Gonçalves, que tinha um ano e três meses de vida, morreu devido à desnutrição. A morte do menino caiuá Rosivaldo Gonçalves Barbosa, de um ano e 11 meses, foi causada principalmente por problemas pulmonares. A criança, porém, pesava apenas 7,1 kg. Deveria ter perto de 12 kg.
Com esses dois casos, já são cinco crianças com desnutrição que morreram em 45 dias em Dourados. Em 2004, foram 15 casos.
Jenifer chegou morta ontem por volta das 3h no hospital da Missão Evangélica Caiuá, localizado a cerca de 10 km da casa onde morava, na aldeia Bororó.
Sayão disse que registrou a desnutrição como causa principal da morte. Diarréia e desidratação foram os motivos secundários.
Segundo o médico, o fato de a menina ter Síndrome de Down agravou o quadro. A criança pesava apenas 4,8 kg, mas deveria ter no mínimo 10 kg, disse Sayão.

Velório
Ontem à tarde, na porta da casa 42 da aldeia Bororó, construída com tijolos sem reboco e telhas de amianto, o caiuá Laércio Gonçalves de Souza, 21, velava o corpo da filha. Junto estava o filho Igor, 4. A mãe, Neuza Duarte, 19, guarani grávida de seis meses, havia saído quando a Folha chegou ao local.
Do velório participavam ainda a avó Zilda Souza, 44, a filha dela Fabiana, 6, e o marido, Ramão da Silva Vilalba, 52, além de três vizinhos e mais uma criança.
O enterro havia sido marcado para as 8h de hoje, no fundo da aldeia próxima à casa de Souza.
"Fome ela não passava. Ganhava cesta básica [do Estado]. Comia bem, mas não engordava", afirmou Souza, que começou a trabalhar em uma fazenda de piscicultura com promessa de ganhar um salário mínimo.
Segundo o pai, a menina começou a ter febre na semana passada. Ele chegou da fazenda à aldeia "no domingo ou sábado". A criança estava com febre. "Fizemos de tudo. Demos remédio [comprimido dipirona]." A criança "começou a ter feridas na garganta e não comia nada", conta. Gonçalves, porém, diz que não levou a menina ao posto de saúde.
Sem afirmar que é o caso da família de Gonçalves, Sayão diz que, "no geral, diante de qualquer anomalia congênita, a família indígena tende a rejeitar a criança".
Segundo Gonçalves, a filha não andava e mal conseguia sentar-se "devido ao problema de cabeça".
A avó chorava ontem à tarde sobre o caixão da criança. "É minha primeira neta, a primeira [que morre]", dizia repetidas vezes.
Dados da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) apontam que 12% das crianças menores de cinco anos estão desnutridas nas aldeias de Mato Grosso do Sul, e 15% (2.300 crianças), abaixo do peso normal.

A quinta morte
Rosilvado morreu por volta das 18h. Ele tinha paralisia cerebral. Sua mãe, a caiuá Luzinete Barbosa, 35, estava sozinha ontem por volta das 22h no corredor do hospital da Missão Evangélica Caiuá. Em uma das salas ficou o corpo da criança, envolvido em ataduras. Ela esperava o carro da funerária para voltar à aldeia Bororó.
Luzinete disse que a criança estava apenas com febre e que achava que as enfermeiras tinham matado seu filho

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