VOLTAR

Desnutrição atinge cerca de 100 crianças índias com até 3 anos de idade na aldeia Bororó

Midiamax - http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=677267
Autor: Nicanor Coelho
11 de Jan de 2010

Nicanor Coelho, de Dourados

No momento em que o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Márcio Meira, tenta explicar na mídia questões relativas às mudanças na estrutura do órgão em todo o País, a desnutrição castiga quase cem crianças indígenas da aldeia Bororó, Dourados, uma das cidades mais ricas de Mato Grosso do Sul, situada na região Sul.

O decreto 7056 assinado em 28 de dezembro pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva dá nova estruturação administrativa para a Funai, que terá 36 coordenações regionais substituindo as antigas "administrações regionais" como a que existe em Dourados.

A aldeia Bororó tem cerca de seis mil habitantes e está localizada numa área de 3.539 hectares da Reserva Indígena de Dourados onde também está encravada a aldeia Jaguapiru com mais de oito mil habitantes.

Toda a área está sendo analisada por antropólogos da Funai, que fazem o raio-x no processo demarcatório marcado por rivalidades com fazendeiros na região Sul, região próxima à faixa de fronteira com o Paraguai.

Conforme denúncia feita pela agente comunitária de saúde Priscila Maciel, atualmente, quase cem crianças de menos de três anos estão muito abaixo do peso por causa da desnutrição. O problema vem à tona novamente e coloca em xeque o significado da palavra 'riqueza' naquela região. Em 2005, o Brasil e o mundo noticiaram a morte de crianças guarani desnutridas em Mato Grosso do Sul. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instaurada na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal, mas efeitos práticos parecem estar longe de ocorrer.

A agente de saúde Priscila Maciel, em entrevista exclusiva ao Midiamax, lamenta que nenhuma solução é dada para o caso e relata que há cerca de três meses que as famílias que têm filhos sofrendo com desnutrição severa não estão recebendo as cestas com alimentos que deveriam ser entregues pela Funai.

Priscila Maciel disse ainda que a falta de definição na disputa pelo comando do órgão em Dourados prejudica a vida dos indígenas e faz com que a desnutrição não tenha um fim.

A indígena afirmou que todas as agentes de saúde devem visitar duas vezes por semana as crianças desnutridas para fazerem o acompanhamento da saúde. Os casos mais graves os quais as crianças necessitam de internações, são encaminhados para o Hospital da Missão Evangélica Caiuá ou para o "Centrinho".

Realidade

A agente de saúde fez um relato sobre o caso da filha do casal kaiwoá Jackson Isnardi, 16, e Zenilda Cabreira Pontes, 19. A menina que, atualmente está com um ano e dez meses de idade, recebe acompanhamento de Priscila Maciel.

Ela é um exemplo de caso grave de desnutrição. A criança pesa a metade do que deveria.

Na última pesagem, feita no dia 10 de dezembro do ano passado, a menina estava apenas com 6,9 kg muito abaixo do peso indicado para uma criança desta idade que, segundo a agente de saúde, deveria girar em torno de 12 quilos e 600 gramas.

Zenilda e Jackson também são pais de uma criança de apenas quatro meses e, além de morar em uma choupana sem água e energia elétrica, não têm fonte de sobrevivência.

Zenilda com 19 anos de idade apenas cuida das crianças. O pai das crianças, aos dezesseis anos de idade, não tem nenhum emprego formal. Ele disse que trabalha no cultivo de uma pequena roça de mandioca.

A agente de saúde disse que os casamentos na cultura dos índios kaiowá acontecem ainda na adolescência. Mas, como há uma superpopulação na reserva, muitos casais de adolescentes acabam não conseguindo manter suas famílias.

Cerca de 90% dos homens adultos da Aldeia Bororó trabalham nas usinas de açúcar e álcool. No caso de Jackson, somente agora que passou dos dezesseis anos está 'apto' para trabalhar numa usina.

Diante de toda a situação, a agente diz ficar de 'mãos atadas diante das centenas de casos de crianças que passam fome'.

Na ficha de acompanhamento da filha do casal Jackson e Zenilda, constam todas as pesagens feitas na menina desde o seu nascimento em 20 de março de 2008 até o mês passado. Priscila afirmou que a criança nasceu com o peso normal. Aos 22 dias de vida, a menina pesava 3,2 quilos.

No dia 25 de abril de 2008, a menina ganhou mais duzentas gramas. Atingiu quatro quilos com dois meses de vida e aos quatro meses, em 28 de julho, chegou a pesar 9,5 quilos. A partir daí, em um período que começam a aparecer os primeiro dentinhos, sinais de que junto com o leite materno deve ser associado outro alimento, o peso começou a oscilar.

Aos seis meses a criança pesava menos: 6,2 quilos, segundo medição feita no dia 4 de setembro.

Aos 8 meses, no dia 12 de novembro, a criança pesava sete quilos, conforme a ficha da evolução apresentada pela agente de saúde. No dia 15 de dezembro de 2008, aos nove meses, período o qual a criança começa a dar os primeiros passinhos, a menina perdeu cem gramas.

Em oito meses, a falta de nutrientes impediu o crescimento saudável da criança que 'ganhou' somente 1,5 quilo. Veja:

As pesagens da filha de Jackson e Zenilda durante o ano passado foram as seguintes:

7,4 kg em 6 de janeiro;

7 quilos em 11 de fevereiro;

7,2 quilos em 11 de março;

7,7 quilos em 17 de abril;

7,6 quilos em 13 de maio;

7,4 quilos em 19 de maio;

7,9 quilos em 17 de junho;

9 quilos em 22 de julho;

8,9 kg em 6 de agosto.

No dia 10 de agosto do ano passado, a menina perdeu meio quilo e na pesagem de 29 de outubro registrou uma queda de mais duzentos gramas. Na última pesagem registrada em 10 de dezembro de 2009, a criança definhou mais chegando à marca de 6,9 quilos.

Este é apenas um dos exemplos citados pela agente de Saúde Priscila Maciel ao explicar que a situação é grave. "Precisamos de ajuda para salvar estas crianças", disse ela ao relembrar que nem mesmo a vinda de políticos da CPI a Desnutrição Indígena conseguiu encontrar uma solução para a fome nas aldeias.

(Colaborou: Jacqueline Lopes)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.