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30 de Mar de 2025
Desmatamento tira R$ 1 bilhão por ano de Itaipu e Belo Monte em geração de energia perdida
Hidrelétricas dependem da chuva alimentada pelos fluxos de umidade entre a Amazônia e o Centro-Sul do país, chamado de 'rios voadores'. Perda de árvores reduz fenômeno
Rafael Garcia
30/03/2025
O desmatamento da Amazônia faz as duas maiores usinas hidrelétricas do Brasil perderem juntas, por ano, cerca de 3.800 gigawatt-hora de capacidade de geração. É energia suficiente para abastecer 1,5 milhão de pessoas, equivalente a mais de R$ 1 bilhão de receitas anuais no setor elétrico.
Esses números estão entre um dos principais achados de um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) que avaliou como a destruição da floresta impacta o regime de chuvas da qual depende a hidroeletricidade.
O trabalho, feito pelo projeto Amazônia 2030 e pelo núcleo de pesquisa Climate Policy Iniciative (CPI), criado na PUC para estudar temas ambientais estratégicos, analisou esse fenômeno no contexto da usina de Itaipu, no Rio Paraná, e de Belo Monte, no Rio Xingu. As duas juntas são responsáveis por 23% da geração hidrelétrica do país.
Já se sabia que a perda de cobertura florestal influencia o regime hídrico do continente, e reduz chuvas em algumas regiões. Esse efeito se dá porque o desmatamento prejudica os chamados "rios voadores".
Esse é o nome dado ao fenômeno de transporte de umidade que a Amazônia proporciona, devolvendo à atmosfera uma parte significativa da água que ela mesma recebe por meio de chuva.
Por meio de transpiração das plantas e organismos e da evaporação da água ela ajuda alimentar nuvens que chovem não só dentro da floresta, mas nos outros biomas brasileiros, como o Cerrado e a Mata Atlântica.
Sem os rios voadores, a umidade trazida do Atlântico não chega com a mesma intensidade até as bacias hidrográficas no centro do continente.
Belo Monte é a mais afetada
O que o estudo da PUC-Rio fez de inédito foi quantificar em termos práticos qual é o tamanho do impacto desse problema para a hidroeletricidade no Brasil.
Pelas contas dos pesquisadores, a usina de Belo Monte, que fica no meio da Amazônia e é afetada mais diretamente pelo desmatamento, perde 2.400 gigawatt-hora de capacidade de geração anual. Já Itaipu, que está a mais de 1.000 km da fronteira do bioma amazônico, perde 1.380 gigawatt-hora.
Para chegar nesses números, os pesquisadores cruzaram dados detalhados de circulação atmosférica com mapas das áreas desmatadas da floresta amazônica.
- Conseguimos definir, de maneira costurada especialmente para cada usina, as trajetórias de ar que chegaram na usina tendo partido do oceano - afirma Gustavo Pinto, pesquisador do CPI e coautor do estudo.
Ele continua:
- A gente mediu essa trajetória de hora em hora com dados dos últimos 40 anos, para entender, a partir dos dados de desmatamento, o quão exposta está aquela trajetória a áreas ainda conservadas de floresta amazônica.
Preço da chuva
No caso de Itaipu, cerca 17% da área florestada mais relevante para sua operação já foram desmatados. Analisando os 5% da área da floresta mais relevante para a geração de eletricidade na usina, cientistas calcularam que cada quilômetro quadrado de mata vale a usina cerca de R$ 13 mil.
Analisando Belo Monte, mais 13% da área da floresta crucial para a operação da usina já foram desmatados. No núcleo mais importante, a região desmatada sobe para 27%, e o valor de conservação da floresta é R$ 85 mil por km².
Quando os R$ 500 mil estimados de perda anual são colocados em contexto de negócios, eles representam 6% do que tem sido o lucro anual médio da usina binacional.
Pinto diz esperar que a dimensão de dano revelada por seu estudo inspire o setor elétrico do país a se envolver mais nas questões relacionadas à preservação da floresta, gastando parte de seus recursos e de sua influência nessa questão.
- Em termos de políticas públicas, é fundamental que haja uma concertação que envolva o setor elétrico para ajudar a conter essa dinâmica de desmatamento que está impactando a operação deles mesmos - afirma. - É muito importante para eles que se consiga estancar esse desmatamento e, se possível, também recompor floresta em projetos de restauro e reflorestamento.
Ambiente por um fio
Segundo, João Arbache, outro coautor do estudo, o trabalho da PUC-Rio pode também inspirar que os rios voadores sejam levados em conta na hora de planejar a criação de unidades de conservação e outras ferramentas de proteção da mata.
- A identificação das áreas que mais influenciam a geração de energia das usinas é importante para orientar a implementação de políticas de conservação e restauração de modo mais eficiente e o direcionamento de recursos para mitigar os efeitos adversos da geração de energia do país - afirma.
Um aspecto técnico que os cientistas destacam na pesquisa é que tanto Itaipu quanto Belo Monte são usinas que funcionam a "fio-d'água". As plantas hidrelétricas desse tipo depende de um fluxo de água mais robusto no rio, porque não possuem reservatórios muito grandes em relação a sua capacidade de geração.
Em usinas de acumulação, como Furnas, mesmo com uma vazão menor a água pode ser acumulada no reservatório para geração posterior de energia.
A aposta do país em novas e grandes usinas a fio d'água ajuda a conter parte dos impactos ambientais dos projetos, mas torna a geração mais vulnerável a variações climáticas, como períodos maiores de seca.
Com mais capacidade instalada, mas menos flexibilidade, o Sistema Interligado Nacional (SIN) pode ter que tomar decisões ruins para o ambiente e para o bolso do consumidor, dizem os cientistas.
"Esse cenário pode comprometer a capacidade de o SIN atender à demanda nacional, aumentando o risco de maior utilização de usinas termelétricas. Essas usinas possuem custos operacionais mais elevados - o que pode encarecer a energia elétrica - e, em sua maioria, dependem de combustíveis fósseis, induzindo o aumento das emissões de gases de efeito estufa e intensificando as mudanças climáticas", escrevem Pinto e Arbache.
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